Pizzaria do Rio demite e diz que governo pagará rescisão, dizem dispensados
Funcionários da pizzaria Parmê, que tem mais de 30 lojas na cidade do Rio de Janeiro, dizem que a empresa demitiu profissionais e não pagou todas as verbas rescisórias. Segundo os trabalhadores, a empresa alegou que estava amparada pela lei e que o governo pagaria o que ficou faltando.
Segundo a advogada trabalhista Juliana Bracks, um artigo da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) diz que o governo será responsável pelo pagamento da indenização se a empresa provar que demitiu por força maior, por causa de "ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade". No entanto, ela destaca que a empresa precisa provar que não houve oportunismo e que era impossível continuar funcionando em função das medidas para combater a pandemia de coronavírus.
No caso da pizzaria, a advogada avalia que a comprovação pode enfrentar dificuldades porque a Parmê poderia, antes, ter recorrido a medidas como a suspensão ou redução de salários, autorizadas pelo governo. Além disso, a empresa não encerrou as atividades —a rede continua fazendo entregas.
O UOL procurou a Parmê por telefone e email, mas a empresa não respondeu até a publicação deste texto. Nesta sexta-feira (15), a rede disse, nas redes sociais, que "a crise vêm trazendo consequências drásticas na economia para todos os setores, o que nos levou, por motivo de força maior reconhecido por medida provisória —com pesar— a desligar cerca de um terço da nossa equipe de forma legal".
A Parmê também afirmou que precisou "diminuir a operação para conseguir honrar com salários e infraestrutura dos nossos mais de 1.400 colaboradores atuais".
'Dia das Mães foi com cestas básicas que ganhei'
Ana Maria de Oliveira, 36, trabalhava há cinco anos como caixa na loja de Guadalupe, na zona norte do Rio. Ela conta que foi chamada para assinar a demissão em 24 de abril e, na ocasião, a Parmê disse que não pagaria aviso prévio nem a multa de 40% do saldo do FGTS. Ela calcula que devia ter recebido cerca de R$ 4.000.
"Eles nos colocaram de férias e, na volta, avisaram que não iam abrir mais. Eu devia receber cerca de R$ 4.000, mas pagaram só R$ 1.700, que já acabaram há muito tempo", contou a ex-funcionária, que só irá receber a primeira parcela do seguro desemprego no início de junho. "O Dia das Mães aqui em casa foi com as cestas básicas que consegui. As contas estão atrasadas. Do aluguel de R$ 650, só paguei R$ 400, pois a dona da casa sabe da minha situação."
'Falaram que o governo ia pagar o restante'
Outra funcionária da loja de Guadalupe, Larisse dos Santos Firmino, 22, trabalhava há um ano no local. Ela conta que também assinou a demissão em 24 de abril, e dos R$ 2.400 aos quais tinha direito, recebeu apenas R$ 500.
"Está todo mundo revoltado, e todos vão entrar na Justiça. Só queremos nossos direitos. Eu recebi só R$ 500 de rescisão, e eles disseram que era isso que eu tinha para receber. Falaram que o restante quem ia pagar era o governo. Como assim? Como o governo vai me pagar? Eu não trabalho para o governo", disse a ex-funcionária, que tem um filho de três anos e um marido desempregado.
Outro ex-funcionário, que pediu para não ter o nome revelado, trabalhava na loja de Bangu, na zona oeste. Ele também afirmou que a empresa alegou que o governo pagaria as verbas rescisórias.
"Eles falaram que não iam pagar todos os direitos, pois estavam amparados na lei. Eu recebi menos de R$ 1.000, tendo trabalhado mais de dois anos na loja. Essa conta não está certa. Eu quero meus direitos", disse o atendente.
'Vou sobrevivendo, mas uma hora o dinheiro acaba'
Jair da Silvia Patrício, 26, que trabalhava como supervisor, tinha direito a cerca de R$ 6.000, mas recebeu menos R$ 1.000 como rescisão. Ele começou há oito anos na Parmê da Via Light, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, e depois foi transferido para outra unidade.
Além de ter recebido menos, ele diz que só conseguiu sacar uma parte do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) até agora. Para sacar a outra parte, referente ao período em que passou na primeira loja, ainda precisa da chave de acesso ao fundo, um tipo de código.
O trabalhador, que tem um filho de quatro meses, diz que agora pensa em voltar para o Nordeste, de onde é a sua família.
"Peguei esse dinheiro da Parmê e vou sobrevivendo. O ruim é que uma hora o dinheiro acaba. Estou pensando se devo ir embora, se essa pandemia continuar aí", disse.
Empresa deve provar 'força maior'
Mesmo durante o período de pandemia causado pela covid-19, a demissão do empregado obedece às regras da CLT. A lei determina que o demitido sem justa causa tem direito ao valor relativo ao aviso prévio, pagamento pelos dias trabalhados, 13º e férias proporcionais, além da indenização de 40% do saldo do FGTS.
Juliana Bracks, advogada trabalhista e professora da FGV (Fundação Getúlio Vargas) do Rio de Janeiro, explica que, se a empresa encerrar suas atividades por motivo de força maior decorrente de atos do governo, como as medidas de isolamento social, por exemplo, pode se livrar do pagamento das verbas rescisórias. Para isso, precisa se enquadrar nos requisitos, o que não e fácil.
"Se a empresa conseguir provar que ela realmente precisou fechar, que ficou impossibilitada de abrir por tempo indeterminado e que se enquadra no fechamento em decorrência de uma ordem governamental, ela pode tentar o enquadramento no motivo de força maior. Aí, ela não pagaria multas rescisórias", explicou a advogada.
"Agora, se a Justiça vai dar validade a essas alegações, é muito polêmico, pois existem medidas governamentais que permitem a suspensão do contrato de trabalho por 60 dias, por exemplo. Os juízes podem alegar que a empresa poderia tentar primeiro a suspensão do contrato de trabalho antes de optar pela demissão. Isso vai da cabeça de cada juiz. Caso a caso deverá ser analisado", disse.
Além de suspender contratos de trabalho, a empresa poderia também ter recorrido a outras iniciativas do governo para tentar proteger empresas e trabalhadores, como a redução de jornada de trabalho e salários. De acordo com a professora, os juízes poderão levar em consideração as opções adotadas por cada empresa para analisar as demissões.
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