Lições da Finlândia sobre a renda básica
Uma "cobaia da renda básica": é assim que Tuomas Muraja se descreve no título do seu livro sobre os dois anos em que recebeu 560 euros por mês do governo da Finlândia. Há quatro anos, o jornalista procurava um emprego fixo, frequentava aulas em agências de emprego e recebia benefícios estaduais enquanto desempenhava um estranho trabalho autônomo. Até que foi selecionado para a experiência de renda básica universal do país, que começou em 2017.
Ele lembra carinhosamente de ser cobaia. "Foi um grande alívio porque me livrei de toda a burocracia", conta. "Não precisei preencher nenhum formulário nem assistir a nenhuma aula onde ensinam a fazer um currículo e esse tipo de coisa. Eu podia me concentrar no meu trabalho, que é escrever livros e histórias".
Nos dois anos de experimento, ele publicou dois livros, escreveu inúmeros artigos e concorreu a 80 vagas. Outros com quem ele conversou para o seu livro (Basic Income Guinea Pig, sem versão em português) também tiveram experiências positivas. Uma senhora montou seu próprio café, sabendo que tinha renda garantida. Um graduado universitário aproveitou para fazer estágios de baixa remuneração para ganhar experiência sem ter que se preocupar.
Mas a experiência de renda básica da Finlândia não causou um grande aumento no apoio à ideia - nem na Finlândia nem no exterior. Os relatórios iniciais classificaram o sistema como um fracasso. Muito da crítica se concentrou no efeito mínimo sobre as perspectivas de emprego.
O rótulo de "fracasso" é algo que Minne Ylikanno, pesquisadora sênior do Instituto de Seguro Social da Finlândia (Kela), que realizou um estudo sobre o programa, rejeita. "Eu diria que a experiência foi um sucesso", diz ela. "Nenhum outro país implementou uma renda básica nacional baseada em uma lei. É justo dizer que não podemos ver um efeito muito grande no emprego, isso é verdade. Mas o comentário de que é um fracasso, eu diria que isso não é justo".
Bem-estar
Os resultados foram baseados na comparação dos 2 mil participantes desempregados que tinham recebido os 560 euros por mês de janeiro de 2017 a dezembro de 2018, com um grupo de controle de 173 mil que não o fizeram. Houve apenas uma pequena diferença estatística entre o grupo de estudo e o grupo de controle no número de pessoas que encontraram trabalho após dois anos.
Onde houve uma diferença estatística significativa, no entanto, foi em como cada um dos dois grupos se sentia feliz. As pessoas que recebiam 560 euros por mês relatavam níveis muito mais baixos de insegurança e estresse.
"O bem-estar estava em um nível mais alto do que no grupo de controle, e foi realmente um aumento significativo na maioria das dimensões do bem-estar", conta Ylikanno.
Para Tuomas Muraja, este deve ser o ponto em que as pessoas se concentram mais quando examinam o estudo. "O mais importante é que quem recebeu a renda básica se sentiram melhor, mentalmente. Quando você está seguro e livre, você se sente melhor".
Mesmo que as pessoas estejam em busca de ganhos econômicos, argumenta Ylikanno, aumentar o bem-estar é uma boa forma de ajudar os desempregados de longa duração a encontrar trabalho.
"Quando o bem-estar está em um nível melhor, as pessoas têm mais chances de conseguir um emprego. Os empregadores as enxergam como mais capazes de trabalhar", diz ela.
Mas para governos e políticos que examinam se uma renda básica vale a pena, o custo do programa ainda é o fator no qual eles se concentram mais.
Esse é um ponto levantado pelo professor Bernhard Neumärker, diretor do Departamento de Política Econômica da Universidade de Freiburg, na Alemanha, e defensor da renda básica universal.
"Quando se trata de renda básica, a ciência está muito atrás da sociedade", diz ele. "Os políticos se sentem inseguros sobre isso, por isso encontram argumentos fáceis, como dizer que todos ficarão preguiçosos ou que não há como financiá-la."
Mas Neumärker argumenta que a crescente pressão pública pode forçar os políticos a começarem a pensar de forma diferente sobre o problema, principalmente na esteira da crise do coronavírus.
"A Alemanha e outros países da UE eram de opinião que tudo estava indo bem sem renda básica", afirma o professor Neumärker. "Então por que ter? Agora a crise mostrou que as coisas estão se tornando sérias para o tradicional e, na minha opinião, ultrapassado Estado social. Eu diria que se organizarmos bem a renda básica, diante da digitalização, de novos acontecimentos e crises, este é um dos poucos modelos promissores e sustentáveis para uma economia de mercado moderna".
Há ainda um longo caminho a percorrer desde a experiência da Finlândia. Novas experiências também precisarão olhar para grupos maiores, pessoas já empregadas, e acontecerão por um período mais longo.
Mas outros países serão capazes de fornecer mais dados. A Espanha está oferecendo uma forma de renda básica para as pessoas mais pobres que perderam o trabalho por causa do coronavírus. O Quênia está realizando um estudo de 12 anos. Durante a pandemia, quase 60 milhões de brasileiros estão recebendo um auxílio emergencial.
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