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Fundador da Ricardo Eletro começou como vendedor de mexerica; veja história

Ricardo Nunes, fundador da rede Ricardo Eletro - Pedro Silveira/Folhapress
Ricardo Nunes, fundador da rede Ricardo Eletro Imagem: Pedro Silveira/Folhapress

Daniele Madureira*

Colaboração para o UOL, em Sâo Paulo

08/07/2020 19h48

Há exatos dez anos, em julho de 2010, o empresário mineiro Ricardo Nunes, 50, vivia o seu auge. Quatro meses antes, havia fechado a união da sua rede, a varejista Ricardo Eletro, com a baiana Insinuante, uma das maiores do Nordeste, formando a Máquina de Vendas, segunda maior varejista de móveis, eletrodomésticos e eletroeletrônicos do país. Em junho, fincava os dois pés na região Centro-Oeste, a partir da associação com a City Lar.

A super Máquina de Vendas só ficava atrás do grupo Pão de Açúcar (Casas Bahia, Ponto Frio e Extra Eletro) e havia deixado para trás, na terceira posição, o Magazine Luiza. Era uma empresa com faturamento anual de mais de R$ 6 bilhões e tinha 754 lojas em 23 estados do país e no Distrito Federal.

A ideia era reunir, sob a Máquina de Vendas, varejistas regionais pesos-pesados, que pudessem fazer frente à megavarejista que havia se formado no final de 2009, com a união entre Pão de Açúcar e Casas Bahia. O formato inovador de negócio tinha a seguinte premissa: as empresas regionais manteriam relativa independência, concentrando na mesma base as áreas mais estratégicas: compras, crédito e expansão.

Três empreendedores contra um gigante

Os três empresários —o mineiro Ricardo Nunes, o baiano Luiz Carlos Batista e o mato-grossense Erivelto Gasques— chegaram a viajar juntos para a África do Sul, a fim de assistir à Copa do Mundo e reforçar laços de amizade entre quem, até então, se via como concorrente um do outro.

Havia uma aura de encantamento cercando o negócio: para muitos, parecia uma guerra entre Davi e Golias, na qual o gigante Pão de Açúcar começava a se assustar com a força do pequeno guerreiro, que passou a responder sozinho por até 15% das compras da indústria. O fato de os três terem começado do zero, tendo os pais ou eles próprios como empreendedores, só reforçava o aspecto romântico da iniciativa. Nunes, por exemplo, tinha começado sua trajetória ainda garoto, vendendo mexericas nas ruas de Divinópolis (MG).

Acusação de corrupção ativa

Mas, no mesmo ano de 2010, um evento foi determinante para o futuro da Máquina de Vendas e do próprio Nunes. Naquele ano, o empresário foi acusado de ter pago propina a um auditor fiscal da Receita Federal para que a Ricardo Eletro não sofresse uma autuação. Na época, a defesa do empresário disse que ele havia sido "vítima de extorsão" pelo fiscal federal.

O funcionário público foi preso em 2010 ao sair de uma das lojas da Ricardo Eletro com R$ 60 mil recebidos da empresa. A denúncia foi apresentada à Justiça em 5 de novembro de 2010 pelo Ministério Público Federal, que acusou Nunes e o fiscal Einar Albuquerque de terem cometido os delitos de corrupção ativa e corrupção passiva, respectivamente.

Nunes foi condenado em primeira instância a três anos e quatro meses de prisão. Mas foi absolvido em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, em agosto de 2015. Houve recurso, mas foi indeferido.

Em 2018, quando questionado a respeito, durante uma entrevista ao jornal "Valor Econômico", Nunes disse que a questão havia sido "resolvida" e que não havia mais investigação envolvendo o nome dele.

Mas agora ele enfrenta outra questão legal: foi preso nesta quarta-feira (8) em São Paulo durante uma operação de combate à sonegação fiscal e lavagem de dinheiro, deflagrada por uma força-tarefa composta por Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Secretaria de Estado de Fazenda e Polícia Civil.

Patrocínio ao programa de Luciano Huck

Em julho de 2010, durante o início da "gestão tripartite" na Máquina de Vendas, envolvendo Nunes, Batista e Gasques, o dono da Insinuante vaticinou: "Para a nossa associação dar certo, não pode haver picuinhas, nem má-fé".

A denúncia de corrupção contra Nunes começou a abalar essa confiança mútua. O empresário, conhecido pelo seu carisma, bastante agressivo quando se trata de vendas e marketing, continuou mantendo a imagem de empreendedor que venceu as dificuldades. Chegou, inclusive, a ser enaltecido em rede nacional pelo apresentador Luciano Huck pela sua história de vida.

A Ricardo Eletro era uma das patrocinadoras do programa. Ironicamente, hoje o patrocínio do Caldeirão é feito pela rival Magazine Luiza, que só cresceu, enquanto a Máquina de Vendas encolhia.

Desgaste entre os sócios

A gestão tripartite não funcionou. "Eram donos demais dando palpites sobre os negócios. Cada um fez a sua rede com a sua própria cara, com o seu perfil. Fica difícil unir visões diferentes e avançar", diz um consultor de varejo.

A sociedade com Batista foi desfeita em 2017 —o empresário baiano, que havia ficado à frente do conselho de administração da Máquina de Vendas, enquanto Nunes era o presidente executivo— não concordava com os rumos do negócio. Para o mineiro, o mais importante sempre foi vender, expandir o market share, não necessariamente ganhando dinheiro.

Mais dívidas, menos lojas

Em 2018, a gestora de private equity Starboard comprou o controle da Máquina de Vendas, ficando com uma fatia de 72,5%. A empresa já respondia pela reestruturação da varejista e assumiu parte da dívida com outros credores. Nunes continuou como minoritário. Na sequência, a varejista protocolou um plano de recuperação extrajudicial.

Há dois anos, a Máquina de Vendas acumulava dívida de R$ 1,5 bilhão com bancos e de R$ 1 bilhão com fornecedores. A empresa, que chegou a ter mais de mil lojas de cinco bandeiras —Ricardo Eletro, Insinuante, City Lar, Eletroshopping e Salfer— tinha cerca de 400 quando anunciou a recuperação, e então só trabalhava com o nome Ricardo Eletro.

* Colaboração de Filipe Andretta, do UOL, em São Paulo