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Ricos precisam pagar mais imposto para desigualdade cair, diz estudo da USP

Filipe Andretta

Do UOL, em São Paulo

01/12/2020 04h00

As propostas da equipe econômica do governo Jair Bolsonaro (sem partido) para criar um novo programa social em 2021 são "quase nulas" na redução da desigualdade de renda, porque poupam a parcela mais rica da população. Essa é a conclusão de um estudo da FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo).

Para diminuir a desigualdade, dizem os pesquisadores, o governo teria que aumentar a carga de impostos sobre os mais ricos e derrubar a regra do teto de gastos, que congela os gastos públicos por 20 anos, permitindo apenas a correção pela inflação.

O estudo conduzido pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) analisou três propostas cogitadas pelo governo nos últimos meses para bancar o Renda Brasil (ou Renda Cidadã), que pode ampliar e substituir o Bolsa Família em 2021.

Os pesquisadores também elaboraram quatro alternativas para financiar o que eles consideram que seriam um programa mais eficiente na redução de desigualdades. Todas elas trazem um aumento do Imposto de Renda pago pelos 20% mais ricos, mas só seriam viáveis sem o teto de gastos.

Como não há Orçamento para prorrogar o auxílio emergencial para 2021, o Bolsa Família voltará a ser a principal ferramenta de distribuição de renda no Brasil no ano que vem. O governo busca formas de ampliar o programa respeitando as regras fiscais, incluindo o teto.

Unificar programas, congelar aposentadorias e outros

As primeiras propostas da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, para expandir o Bolsa Família consistiam em unificar programas. A ideia era acabar com o abono salarial, o seguro-defeso, o salário-família e o Farmácia Popular e usar o dinheiro desses programas para ampliar o Bolsa Família.

Outras soluções estudadas foram o congelamento de aposentadorias e pensões por dois anos e o fim do reajuste do salário mínimo para repor as perdas da inflação.

Nenhuma das propostas agradou Jair Bolsonaro, porque afetam programas de apelo popular. O presidente chegou a dizer em público que não ia "tirar do pobre para dar ao paupérrimo" e ameaçou expulsar da equipe quem insistisse na ideia.

Neste domingo (29), Bolsonaro repetiu a ameaça de "cartão vermelho" para quem falar em Renda Cidadã.

Pesquisadores simularam impacto das medidas

Os pesquisadores fizeram simulações para entender qual seria o impacto das medidas citadas na desigualdade. Foram três cenários:

1. Zerar abono, seguro-defeso e salário família para aumentar em 30% o valor do Bolsa Família e acrescentar 3 milhões de beneficiários;

2. Acabar com reajuste do salário mínimo por dois anos (o que afetaria reajustes de abono salarial, seguro-defeso, do seguro-desemprego, salário-família, BPC —Benefício de Prestação Continuada— e piso das aposentadorias) para aumentar em 30% o valor do Bolsa Família e acrescentar 20 milhões de beneficiários;

3. Congelar por dois anos aposentadorias e benefícios previdenciários para aumentar em 30% o valor do Bolsa Família e acrescentar 56 milhões de beneficiários.

Efeito quase nulo na desigualdade

O estudo conclui que as propostas 1 e 2 não interferem na renda dos 10% mais ricos. Como limita aposentadorias e benefícios, a proposta 3 reduz um pouco a renda de todas as camadas sociais, mas a redução é menor para os mais ricos.

No melhor cenário (proposta 3), o índice de Gini, que mede a concentração de renda, cairia apenas 2,3%, impacto considerado quase nulo pelos pesquisadores. O índice, de 0,557 em 2018, cairia para 0,544 nesse cenário. Quanto maior o índice, maior o abismo entre ricos e pobres.

O índice do Brasil é semelhante ao de países como Moçambique e Belize. Está atrás de vizinhos como Argentina (0,414), Bolívia (0,422) e Paraguai (0,462). Países que são referência em distribuição de renda, como Noruega e Islândia, têm índice próximo de 0,265.

Imposto para ricos ampliaria Bolsa Família

Hoje, o Bolsa Família paga R$ 48, em média, por pessoa. O estudo tem quatro propostas, aumentando esse valor para:

  1. R$ 125 mensais, para os 30% mais pobres
  2. R$ 150 mensais, para os 30% mais pobres
  3. R$ 125 mensais, para os 50% mais pobres, com o fim do abono salarial, seguro-defeso e salário família
  4. R$ 125 mensais, para os 50% mais pobres

Todas essas propostas seriam financiadas com aumento do IR (Imposto de Renda) para os 20% mais ricos da população.

O estudo divide esses 20% mais ricos em quatro grupos:

  • 1% mais rico (renda média tributável de R$ 20.938 por mês)
  • 4% seguintes (renda média tributável de R$ 7.368 por mês)
  • 5% logo abaixo (renda média tributável de R$ 3.869 por mês)
  • 10% que completam o grupo (renda média tributável de R$ 2.424 por mês)

Quanto maior a renda, maior seria a contribuição proporcional no IR para financiar a expansão do Bolsa Família. Essa regra já existe, mas a distribuição das alíquotas é considerada insuficiente.

Fim de deduções do IR

Rodrigo Toneto, economista que participou do estudo, afirma que não seria necessário aumentar a alíquota do IR, mas sim acabar com deduções de gastos como plano de saúde e escola particular. O ministro Paulo Guedes (Economia) apoia o fim das isenções.

Na primeira proposta, a mais tímida formulada pelos pesquisadores, o 1% mais rico pagaria 10% a mais no IR. Com isso, o índice de Gini cairia para 0,526 —uma redução de 5,6%.

Já na quarta proposta, a de maior impacto na desigualdade social, o 1% mais rico pagaria 15% a mais de IR, reduzindo o índice de Gini para 0,508 (-8,8%). Nesse patamar, o Brasil alcançaria um índice de desigualdade próximo ao da Colômbia (0,504), segundo os pesquisadores.

Nas quatro propostas do estudo, a contribuição extra por parte do grupo com renda média de R$ 2.424 não chegaria a 3%.

Revisão do teto de gastos

O estudo reconhece que as quatro propostas são inviáveis se for mantido o teto de gastos. Por causa da lei, mesmo que o governo suba imposto dos mais ricos, não poderá aumentar as despesas. Por isso, os pesquisadores defendem revisar a lei.

"Não queremos centrar nossa discussão no fim do teto, mas compreende-se que um programa de transferência de renda com nitidez no enfrentamento da desigualdade social necessita de uma revisão da regra", afirmou Toneto.