Governo avalia auxílio-creche de R$ 52, mas preço chega a R$ 1.500 em SP
Um auxílio-creche mensal de R$ 52, como é estudado pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido), ficaria muito abaixo da necessidade de uma família em bairro periférico de São Paulo.
O valor de tabela em creches particulares de regiões populares vai de R$ 499 (meio período) a R$ 1.490 (período integral) por mês, segundo levantamento feito pelo UOL.
Meio-período em Cidade Dutra custa R$ 499
Segundo o Mapa da Desigualdade 2020, organizado pela Rede Nossa São Paulo, o tempo de atendimento para vaga em creche pública é de 65 dias na capital de São Paulo. Como alternativa, o que resta para pais e mães é a tentativa de matricular seus filhos em creches particulares. A mensalidade, no entanto, é muito mais alta do que a sugerida pelo governo federal.
Juliana Bertolini, 35, inaugurou a Escola Discovery em janeiro deste ano, dois meses antes da pandemia. Em Cidade Dutra, bairro periférico da zona sul, o surto de coronavírus veio acompanhado do desemprego para os moradores. Ela perdeu quase metade dos alunos até 7 outubro, quando reabriu a unidade com horário reduzido após determinação da prefeitura. Hoje são 19 crianças instaladas em um espaço que pode comportar mais de 100.
A mensalidade para meio período é de R$ 499. No horário integral, é de R$ 999. Por causa da crise, passou a cobrar metade do valor. As crianças têm aulas de inglês, alimentação controlada, e os pais podem acompanhar o dia a dia na escola por câmera.
Desconto de 20% em Pirituba
A situação difícil se repete em Pirituba, zona norte de São Paulo. A diretora da escola de educação infantil Doce Aprender, Monique Berti, 39, reduziu 20% da mensalidade para manter os alunos.
O valor de tabela por mês para o período integral é de R$ 1.490, e o meio período sai por R$ 825.
Ao ser questionada sobre a proposta do auxílio-creche, que ainda não conhecia, Berti se mostrou frustrada com o valor de R$ 52. "É ridículo, [o governo] nem deveria oferecer esse valor. Você vê políticos recebendo fortunas e uma mãe de família pode receber uma miséria. Só quem está aqui [em uma creche] sabe quanto isso tudo custa. Acho que o governo não está ligado nessa realidade. Os R$ 52 não pagam nem um livro."
Berti conta que pais de baixa renda querem matricular seus filhos na sua escola, mas não são todos que conseguem receber desconto ou bolsas. Para ela, os governos em conjunto precisam melhorar o serviço de educação infantil.
A conta não fecha
A dona de casa Valéria dos Santos, 29, cuida o dia inteiro dos filhos Davi, 6, e Luiz Miguel, 2. O caçula ficou menos de dois meses na creche por conta do início da pandemia de coronavírus. Eles só voltarão à escola após tomarem a vacina contra o coronavírus.
Com o último registro em carteira em 2012, Santos, que já trabalhou de caixa de supermercado a operadora de telemarketing, tem um gasto mensal de R$ 1.000, entre alimentação, contas e outras despesas. Ela mora em Ermelino Matarazzo, zona leste de São Paulo, e recebe R$ 171 mensais do Bolsa Família, que são complementares à renda do marido.
"Eu já cheguei a procurar creche particular quando estava em busca de emprego, mas a mais em conta que eu achei cobrava R$ 1.200 em período integral. Mesmo se eu estivesse empregada, manteria meu filho menor na creche, é um dinheiro que faria falta, e o ensino da creche [pública] é muito bom."
Proposta precisa ser esclarecida, diz especialista
Segundo o diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), Fausto Augusto Júnior, há pontos na proposta do auxílio-creche que precisam ser esclarecidos.
"Para que servirá esse recurso? Teoricamente seria para ajudar a pagar uma escola infantil para o filho do trabalhador. Esse auxílio vai ser como o Bolsa Família ou vai ter alguma função? Quem recebe gasta basicamente para comer ou morar. Vai ter vinculação com que gasto?"
Ele recorda que o Bolsa Família, implementado pelo governo Lula em 2003, foi uma unificação de projetos sociais do governo FHC, que criou benefícios para educação, alimentação e gás. Para Augusto Júnior, a possibilidade de fatiar novamente os programas traz complicações.
"Quando começa a picar benefícios, perde-se a clareza de função, ou seja, o que se busca com esse benefício. Pode se perder o controle, porque não se sabe de fato por que alguém vai receber e outro não vai receber", afirmou.
"O problema é que [o auxílio-creche] vem em substituição ao auxílio emergencial, que vai até dezembro. Uma boa parte dos que se beneficiaram não tem Cadastro Único, não recebe Bolsa Família, e não vai ter nenhum tipo de renda. A economia não volta, e estamos próximos de uma segunda onda de covid-19", declarou.
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