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Governo ou Congresso: De quem é a culpa por calote no banco dos Brics?

Gabriela Biló/Estadão Conteúdo
Imagem: Gabriela Biló/Estadão Conteúdo

Antonio Temóteo

Do UOL, em Brasília

07/01/2021 19h27

O governo brasileiro deu um calote parcial, em 3 de janeiro, no NDB (New Development Bank, na sigla em inglês), o banco de desenvolvimento criado pelos países que integram o Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Dos US$ 350 milhões que o país devia ter pago até a data, como aporte de país membro, só pagou US$ 58 milhões.

Sem honrar o compromisso, o governo brasileiro pode perder o direito a voto no banco, que atualmente é presidido justamente por um brasileiro, Marcos Troyjo, ex-secretário especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia.

Em nota divulgada à imprensa, o Ministério da Economia atribuiu ao Congresso a responsabilidade pelo calote. Em resposta, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que o governo brasileiro é "incompetente" e transfere suas responsabilidades para outros Poderes. Afinal, o que aconteceu?

Governo só previu US$ 58 milhões no Orçamento

Os recursos para pagar a parcela devida ao NDB e a outros organismos internacionais devem estar previstos no Orçamento da União.

Mas o Ministério da Economia diz que só previu US$ 58 milhões para o NDB, porque na época da formulação do Orçamento não encontrou dinheiro para o restante da parcela.

Isso porque o governo precisa cumprir a regra do teto de gastos públicos, que limita os gastos ao Orçamento do ano anterior, corrigido apelas pela inflação. O ministério diz que, se tivesse previsto no Orçamento de 2020 o pagamento total da parcela, de US$ 350 milhões, teria descumprido a regra do teto.

Embora algumas regras fiscais tenham sido suspensas no ano passado, o teto de gastos continuou valendo, exceto para gastos diretamente ligados à pandemia. Não é o caso do pagamento ao NDB.

Depois, ministério encontrou US$ 292 mi

Em outubro do ano passado, porém, o governo conseguiu remanejar recursos no Orçamento e encontrou dinheiro para pagar os US$ 292 milhões restantes.

"Por serem de natureza primária, as despesas do NDB e de outros compromissos com organismos internacionais estavam sujeitas ao teto do gasto, sendo que só foi possível equacionar esta questão no segundo semestre de 2020, momento em que o pleito foi apresentado ao Congresso", afirmou o Ministério da Economia.

Dinheiro extra precisa ser autorizado pelo Congresso

Mas o pagamento dos US$ 292 milhões restantes depende de autorização do Congresso Nacional, por serem despesas extras, não previstas no Orçamento.

Em outubro, o governo enviou ao Congresso um projeto pedindo essa autorização.

Parlamentares destinaram o dinheiro a obras e emendas

Entretanto, os parlamentares deram outra destinação aos US$ 292 milhões. Aprovaram que o dinheiro fosse usado em obras e em emendas parlamentares.

Em dezembro, o Ministério da Economia fez uma nova tentativa. Aproveitou um projeto que já tramitava no Congresso e pediu que ele previsse o remanejamento de recursos, tirando de outras áreas para pagar a dívida com o NDB.

Mas o Congresso não atendeu o pedido.

O UOL procurou o líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), e o relator da primeira proposta enviada pelo governo ao Congresso, senador Marcelo de Castro (MDB-PI), para questionar por que o texto foi alterado, e o dinheiro, enviado para outras áreas. Nenhum dos dois retornou os contatos até a publicação desta reportagem.

De acordo com a BBC, o próprio governo articulou, em dezembro, para usar o projeto que já tramitava no Congresso na destinação de dinheiro para indicações de parlamentares —como se fossem emendas, à disposição dos parlamentares.

Na época, congressistas de esquerda e de direita disseram à BBC que o objetivo da liberação de dinheiro era conquistar apoios para o candidato do Palácio do Planalto à Presidência da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). A eleição será no início de fevereiro. O relator da medida, deputado Domingos Neto (PSD-CE), negou.

De quem é a culpa?

Para Antônio Augusto de Queiroz, analista político do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), o governo tem responsabilidade no calote, por ter enviado o projeto no final do ano.

"O Executivo tem enorme responsabilidade por enviar um projeto de última hora e por não ter esclarecido devidamente os parlamentares do que se tratava", disse. "O governo não dialoga com o Congresso e não deu prioridade para construir o entendimento e aprovar o projeto."

Para o professor Ricardo Wahrendorff Caldas, da UnB (Universidade de Brasília), são os parlamentares os responsáveis pelo calote ao NDB, por não terem aprovado o pagamento.

"Está havendo uma tentativa de protagonismo do Congresso brasileiro em áreas que não são da competência dele. O Congresso quer executar políticas públicas, essa competência é do Executivo. Agora querem dar pitaco em atos internacionais", afirmou.

Caldas ainda declarou que os acordos internacionais se baseiam no princípio da boa-fé, e que não cabe ao Congresso escolher se as obrigações com organismos internacionais serão ou não cumpridas. "Essa decisão do Congresso pode prejudicar o Brasil. Por meio do NDB, o Brasil tem acesso a taxas de juros mais baixas para contratar empréstimos. Se ele não honra suas cotas, como vai pedir um empréstimo?", disse.

O UOL procurou Maia e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), para comentar o assunto, mas os dois não se manifestaram até a publicação da reportagem.

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