Geladeira 'econômica' gasta dobro do ideal, mas mantém desconto de imposto
Um estudo da ONG internacional Clasp aponta que as geladeiras brasileiras classificadas como eficientes gastam duas vezes mais energia do que modelos idênticos vendidos em outros países, como Quênia e Índia. Há aparelhos que são comercializados no Brasil que nem podem entrar no mercado desses países, por serem "gastadores".
Segundo a Eletros, que representa a indústria do setor no Brasil, a diferença ocorre porque aqui há exigências regulatórias que não existem em outros lugares do mundo (leia mais ao final do texto).
O problema tem relação com a falta de revisão das etiquetas de eficiência para as geladeiras -aquelas que são coladas nos produtos indicando se eles são, ou não, mais econômicos. Os critérios para a classificação não são revistos desde 2006.
Etiquetas vão ser revistas
O Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia) começou um processo de revisão da etiqueta, para incentivar a indústria de refrigeradores a desenvolver equipamentos que gastem menos -o que traz benefícios não só econômicos como ambientais.
Mas o processo esbarrou em uma questão tributária: se estabelecer uma mudança rígida na etiqueta, o Inmetro fará com que boa parte das geladeiras vendidas no mercado perca um desconto de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), que só é concedido aos refrigeradores classificados como eficientes.
Com isso, segundo o Inmetro, o preço de custo das geladeiras cresceria em pelo menos 5%. O órgão não tem estimativas de quanto seria o acréscimo para o consumidor final, mas afirma que a mudança poderia ter impacto "muito maior".
Por que a etiqueta precisa ser revisada
A etiqueta de eficiência classifica os produtos por letras. O A representa o produto que gasta menos energia.
O problema é que, no caso das geladeiras, os critérios estão defasados, já que não são alterados desde 2006. Com isso, a etiqueta A tem, hoje, produtos com gastos de energia muito diferentes - e o consumidor tem dificuldade para diferenciar, de fato, qual é o equipamento mais econômico.
Hoje, dentro do A, é possível encontrar de tudo. Há geladeiras que consomem até metade da energia que outra que também é classificada como A. Quando aparece essa diferença enorme dentro da mesma categoria, é um sintoma de que a etiqueta já deveria ter sido revisada há bastante tempo.
Rodolfo Gomes, diretor executivo do IEI (International Energy Initiative) Brasil
Como é a proposta do Inmetro
O Inmetro elaborou uma proposta que torna os critérios mais rígidos gradativamente. Na primeira fase, que valeria entre 2022 e 2025, não haveria impacto tributário, ou seja, ninguém perderia o incentivo do IPI.
Para isso, o órgão propõe a criação de subclasses, ou seja, categorias dentro da classificação A. Os equipamentos mais eficientes passariam a receber o selo A +++, de cor verde escura, e seriam, em média, 30% mais econômicos que os atuais. Existiriam, ainda, as categorias A++ (verde intermediário), 20% mais econômica; A+ (verde claro), 10% mais eficiente; e A (amarelo), equivalente aos números de hoje.
Segundo Danielle Assafin, coordenadora do PBE (Programa Brasileiro de Etiquetagem) do Inmetro, considerando as geladeiras de duas portas vendidas hoje no mercado, só 9% seriam consideradas A +++.
Ainda de acordo com a proposta do Inmetro, as subclasses dentro do A seriam eliminadas a partir de 2026, quando a etiqueta voltaria a ter somente as classificações das letras, entre A e F. Nessa segunda etapa, os modelos classificados como A teriam consumo 44% menor do que os atuais.
O processo seria concluído em 2031, quando as geladeiras com classificação A seriam, em média, 63% mais eficientes do que as vendidas hoje.
Nova classificação confunde consumidor
De acordo com Rodolfo Gomes, do IEI Brasil, a criação de novas categorias para contornar o problema do incentivo tributário pode gerar confusão entre os consumidores. A questão, segundo ele, é que o comprador pode entender que todos os produtos classificados como A já são eficientes - e, por isso, não se dispor a pagar mais por uma geladeira A+++, por exemplo.
Não estamos questionando a revisão em si, que é fundamental para o Brasil, mas questionando a forma como ela está sendo feita.
Rodolfo Gomes
Segundo o diretor do IEI Brasil, como está, a primeira fase da proposta do Inmetro vai gerar R$ 3,7 bilhões de economia na conta de luz dos consumidores entre 2022 e 2030. Ao final, as geladeiras mais eficientes vendidas no Brasil teriam desempenho semelhante ao padrão dos EUA adotado em 2014 - uma defasagem de 16 anos.
A entidade propõe uma outra alternativa, em que o padrão norte-americano seria adotado já em 2022. Com isso, a economia na conta de luz saltaria para R$ 43,7 bilhões entre 2022 e 2030, segundo o IEI Brasil.
Impacto para indústria e consumidores
Daniele Assafin, coordenadora do programa de etiquetagem, destaca que o Inmetro não tem competência para tratar de políticas tributárias do governo. Segundo ela, "em teoria", a questão do IPI não deveria interferir na mudança proposta pelo órgão, mas o Inmetro não pode simplesmente elevar o custo de produtos "do dia para a noite".
Para cada mudança regulatória que estabelecemos, precisamos prever os impactos que essa mudança vai gerar. (...) Se a demora na revisão da etiqueta fez a indústria ficar acomodada, temos que ter o mínimo de responsabilidade quando da implementação de mudanças. Não é porque a gente quer passar a mão na cabeça da indústria, mas porque a nossa preocupação é com o impacto para a sociedade brasileira.
Daniele Assafin
O UOL procurou a Receita Federal, questionando se a redução no IPI será mantida mesmo com a classificação em A, A+, A++ e A +++. O órgão respondeu que não comenta atos, normas ou estudos ainda não publicados.
Indústria diz precisar de tempo para se adequar
Renato Alves, da Eletros (Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos), afirma que a proposta do Inmetro é "sensata e razoável", sem deixar de ser exigente. A indústria afirma, porém, que o ideal seria monitorar o mercado ao menos a cada cinco anos, para verificar se as metas continuam fazendo sentido.
O prazo parece longo, mas o processo industrial é muito complexo e caro. São milhões e milhões de dólares que precisarão ser investidos nas fábricas.
Renato Alves
Segundo ele, as empresas do setor não divulgam de quanto será o investimento necessário para adequar as linhas de produção. Sobre as novas classificações da etiqueta, Alves afirma que a inserção de subclasses não deve gerar dificuldades, pois tudo vai continuar "muito fácil de ler".
Não é nada muito complicado, tem as cores para a diferenciação. Ainda que gere uma mudança, acho demais dizer que será uma dificuldade. É a migração para um padrão novo e a indústria precisa de tempo para se adequar.
Renato Alves
Comparação com outros países
Com relação ao gasto excessivo das geladeiras brasileiras, na comparação com outros países, a Eletros disse que os padrões no Quênia têm exigências menores.
"Os produtos vendidos no Quênia não precisam observar as normas do regulatório brasileiro. Não há por exemplo a obrigatoriedade de o produto ser classificado a 43 graus, o que exige um compressor maior. Lá a exigência de performance é menor", diz nota da Eletros.
"Em segundo lugar, não há indústria nacional no Quênia, que importa todos os produtos. A importação de geladeiras está relacionada ao custo logístico. O Quênia compra de quem está mais perto. Portanto, a adoção deste ou daquele critério regulatório tem a ver com o mercado que acessa o Quênia", afirma a nota.
Quando a nova classificação deve entrar em vigor
Em abril, o Inmetro colocou a proposta de mudança em consulta pública. O órgão vai receber contribuições até o dia 25 de maio. Segundo Danielle Assafin, a previsão é de que a portaria com as novas regras seja publicada no início do segundo semestre.
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