Pandemia faz jovens largarem sonhos em SP e voltarem às suas cidades
Com o custo de vida elevado e a mobilidade restrita, por que pagar caro para viver em uma cidade grande? Essa é uma pergunta que tem rondado a mente de muitos brasileiros desde que a pandemia se instaurou no país, em março do ano passado. Para uma parte dessas pessoas, a reflexão culminou no regresso às cidades de origem.
Entre as razões que motivam a debandada, os trabalhadores ouvidos pelo UOL relatam perda de renda ou emprego, possibilidade de trabalho remoto e preocupação com familiares e amigos em tempos de covid-19.
Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o desemprego aumentou de 13,9% em dezembro de 2020 para 14,7% em março de 2021. A taxa é a maior da série histórica, iniciada em 2012, e representa 14,8 milhões de pessoas sem trabalho.
Custo de aluguel e alimentação está pesado
Para aqueles que continuam exercendo a profissão, a dificuldade está em arcar, por exemplo, com os custos de alimentação - uma vez que a inflação permanece subindo - e dos aluguéis, devido à forte alta do IGP-M.
O IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) avançou 0,83% em maio e acumulou alta de 3,22% no ano e de 8,06% nos últimos 12 meses. Já o IGP-M, normalmente utilizado para corrigir os preços de locação imobiliária, tem crescimento de quase 37% no período de um ano.
Essa alta de preços continua acontecendo enquanto o rendimento médio real dos trabalhadores, de R$ 2.544, se manteve estável no primeiro trimestre em relação ao anterior, segundo o IBGE.
Salário cai, e vendedor volta para o CE
Em abril, Sebastião Ferreira, 32, trocou o ritmo frenético da capital paulista, após uma temporada de três anos, e retornou para a casa de sua família, em Monsenhor Tabosa (CE), a 311 km de Fortaleza.
Até março, ele trabalhava como vendedor de uma loja de roupas em um shopping no centro da cidade.
A forma de trabalho estava estressante de tal maneira que, quando vi a oportunidade de mudar minha vida, de ir para um lugar mais tranquilo, eu decidi voltar.
Sebastião Ferreira
O cearense conta que a redução drástica do número de clientes, devido às restrições de circulação, resultou em uma cobrança maior no trabalho, que passou a ser feito também por redes sociais.
Como uma parte do seu salário dependia da comissão das vendas, o orçamento diminuiu enquanto o custo de vida aumentou.
Agora trabalhando como gerente administrativo em um mercado da família, Ferreira diz que não tem data marcada para ficar ou se mudar novamente.
Em uma espécie de "detox", hoje ele diz estar recarregando as energias, longe da pressa da maior capital do país. E vai esperar até que os rumos da pandemia ditem os seus passos no futuro.
A expressão 'de vez' não existe para mim. Eu morei dez anos no Rio e três em São Paulo. Se tiver que ficar aqui por seis meses ou dez anos, eu vou ficar porque gosto de rotina.
Sebastião Ferreira
"Com todo mundo vacinado, um novo governo, quem sabe eu volte para São Paulo para tentar a carreira novamente", afirma Ferreira.
Publicitária perde clientes e retorna a Goiânia
Quando a pandemia começou, a publicitária Natália Barros, 28, logo percebeu que viria um período de dificuldades pela frente e voltou para Goiânia (GO) depois de três anos em São Paulo. De sete clientes que atendia pouco antes de a crise começar no Brasil, a jovem ficou com apenas dois.
O que mais me influenciou a sair de São Paulo foi que eu não estava tendo uma vida social. Eu precisava trabalhar muito porque o aluguel era extremamente caro e o custo de vida também. Apesar de ganhar bastante, ainda faltava para viver uma vida legal.
Natália Barros
Especializada em gestão de marketing para restaurantes, Barros foi diretamente impactada pela crise, uma vez que muitos de seus clientes precisaram fechar as portas.
A jovem conta que chegou a morar por alguns meses na casa dos pais na capital goiana, até retomar o nível de renda e trabalho, que ela executa remotamente. Apesar de não ter muita identificação com a cidade em que nasceu, Barros não se arrepende pela mudança temporária.
"Com a metade do valor do aluguel em São Paulo, eu pago um apartamento na área nobre de Goiânia. Como continuo trabalhando com os clientes de São Paulo, isso me ajuda bastante porque minha renda é alta para o custo de vida daqui.
Natália Barros
Ela diz que ainda planeja se mudar para Belo Horizonte (MG) quando for possível.
Bailarina foi dar aulas virtuais em Fortaleza
Março de 2020 seria um mês de agenda cheia, como nunca tinha sido para a bailarina e professora de dança do ventre Rayara Rodrigues, 26. Mas a pandemia interrompeu as expectativas e mudou por completo o modelo de trabalho, uma vez que as aulas e eventos presenciais foram proibidos em São Paulo, onde ela morava desde 2015.
Após estimar que o ensino de dança on-line não ultrapassaria dois meses, Rodrigues viu o seu número de alunas aumentar, inclusive fora do país. Com a possibilidade de trabalhar remotamente, a jovem decidiu ir para Fortaleza em setembro de 2020.
"Comecei a olhar melhor para o mercado de Fortaleza e vi que São Paulo estava muito saturado. Como não tinha perspectiva de voltar para o presencial por escolha das próprias alunas e como também pretendo manter parte do trabalho online, percebi que também tenho uma oportunidade grande aqui, além de que sempre quis fortalecer o cenário da dança oriental na minha cidade", diz Rodrigues.
Para evitar o risco de contaminação dela e dos avós, com quem mora atualmente, a bailarina nem voltou para São Paulo e contou com a ajuda de amigos na cidade para resolver as questões de entrega do apartamento onde morava e da venda do que não entraria nas bagagens.
Apesar das limitações ainda impostas pela pandemia, Rodrigues hoje está empenhada em colocar Fortaleza junto de outras cidades cujo mercado de dança do ventre está mais avançado. Colabora para esse objetivo ter os seus custos reduzidos nesse novo momento de vida.
"Mesmo morando hoje em um dos bairros mais nobres de Fortaleza, eu gasto muito menos do que gastava em São Paulo, morando no Centro, em um bairro de classe média. Então eu conseguiria realizar muito mais coisas que almejo a médio e longo prazo aqui do que voltando para São Paulo", diz a bailarina.
Sem falar na qualidade de vida, na sensação de estar em contato com as minhas raízes, que influencia bastante no fazer artístico.
Rayara Rodrigues
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