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Se país racionar luz agora, economia corre risco de encolher em 2022

Segundo economistas, para cada 1% de redução do consumo de energia por racionamento, o PIB deve contrair entre 0,15 a 0,2 ponto percentual - iStock
Segundo economistas, para cada 1% de redução do consumo de energia por racionamento, o PIB deve contrair entre 0,15 a 0,2 ponto percentual Imagem: iStock

João José Oliveira

Do UOL, em São Paulo

12/09/2021 04h00

Resumo da notícia

  • Se racionamento de energia for necessário, PIB do Brasil pode recuar ano que vem, dizem economistas
  • Mesmo sem racionamento, energia mais cara já eleva inflação e deve acelerar alta de juros
  • Preços e juros em alta afetam consumo e investimentos e vão atrapalhar emprego, segundo economistas

A necessidade de economizar energia para evitar novos apagões como os que aconteceram em 2001 vai atingir a economia brasileira. Se o governo tiver que adotar racionamento, o PIB (Produto Interno Bruto) corre risco de diminuir de tamanho no ano que vem, segundo projeções de economistas.

Mesmo sem o racionamento, as medidas já adotadas pelo governo para economizar energia em meio à mais grave seca em 91 anos já encarecem os custos das empresas. Isso alimenta a inflação e, por tabela, deve levar o Banco Central a acelerar a alta dos juros, segundo economistas. Para eles, essa combinação tem ainda mais um efeito negativo: atrapalhar a recuperação do emprego no país.

Por que energia afeta economia?

A energia é um dos insumos mais importantes de uma economia. É também um dos principais custos de todos os negócios -da padaria ou salão de beleza da vizinhança à grande siderúrgica ou mineradora. Sem energia elétrica, as empresas não podem produzir.

Medidas que afetem a oferta de energia sempre provocam impacto na economia. A energia é um insumo de produção. Sem energia, as máquinas não ligam.
Sillas de Souza Cezar, professor de economia da Faap (Faculdade Armando Alvares Penteado)

PIB menor em 2001

O Brasil já teve que racionar energia. E a economia sofreu. Em 2001, o PIB brasileiro fechou o ano com avanço de 1,4%, mas esse desempenho poderia ter sido melhor, se a economia não tivesse se retraído em 0,2% durante o racionamento, que começou em julho de 2001 e só acabou em fevereiro de 2002.

No primeiro trimestre de 2001, o nível dos reservatórios no Brasil era de 34%. Hoje, o subsistema mais importante do país, o Sudeste-Centro Oeste, está com apenas 19,6% de capacidade, enquanto o subsistema Sul, tem apenas 25,8%.

Nas contas dos economistas do Credit Suisse, o Brasil deve fechar o ano com apenas 12% dos reservatórios, já considerando as medidas adotadas pelo governo para evitar o racionamento.

Como a energia hidrelétrica responde por 65% do sistema elétrico nacional, só com a volta das chuvas e a recomposição dos reservatórios o país poderá descartar totalmente o racionamento.

Retração de 0,1% no PIB em 2022

A equipe de economia da Genial Investimentos, comandada pelo economista-chefe José Márcio Camargo, calcula em 30% a possibilidade de o Brasil ter um racionamento de energia. E, acontecendo isso, o PIB brasileiro pode fechar 2022 com variação negativa.

Nossa projeção de PIB para 2022 é de crescimento de 1,9%. Entretanto, estimamos que para cada 1% de redução do consumo de energia por racionamento, o PIB deve contrair entre 0,15 a 0,2 ponto percentual. Ou seja, projetando um cenário de racionamento em 10%, por 12 meses, avaliamos que o desempenho do PIB de 2022 se encontraria entre 0,4% e -0,1%.
José Márcio Camargo, Eduardo Ferman e Yihao Lin, da Genial Investimentos

Impacto pode ser maior em alguns setores

Nas contas da economista-chefe do Credit Suisse, Solange Srour, feitas com o economista do banco Lucas Vilela, uma redução no consumo de energia de 5% pode provocar uma redução no crescimento do PIB de 0,6 ponto percentual em 2022. Eles destacam que esse impacto pode ser maior, dependendo do setor da economia.

Em 2001, por exemplo, o PIB caiu 0,2% durante o racionamento, mas o setor de serviços públicos diminuiu muito mais (13,5%), enquanto as grandes empresas consumidoras de energia -como siderúrgicas- registraram retração de até 4%.

No momento, os economistas do Credit Suisse ainda projetam um crescimento do PIB brasileiro de 1,5% em 2022. Mas, se houver um corte de 5% na oferta e consumo de energia, a economia brasileira pode ter então uma queda de 0,1%.

O principal risco no momento é a crise hidrológica. O declínio no nível dos reservatórios para o nível mais baixo em 91 anos empurrou os preços da energia para cima e aumentou o risco de escassez de energia em certas regiões e de grandes apagões.
Solange Srour e Lucas Vilela, Credit Suisse

Inflação e juros já em alta

Os economistas afirmam que mesmo sem racionamento a seca que ameaça a oferta de energia no país já afeta a economia. Entre as medidas do governo, está a criação de novas faixas de preços para a eletricidade, o que impacta os custos de todas as atividades.

O próprio presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou que o problema de energia impacta a inflação.

A arma que o Banco Central tem para controlar a inflação é aumentar juros.

Para o economista da Genial Investimentos, já existe impacto das bandeiras tarifárias nos índices de preços, com o IPCA anual chegando quase a 10%.

"Nossa avaliação é que o Banco Central colocará a taxa Selic em 8% ao final do ano, com tendência de alta. Uma taxa nesse patamar colabora para desaceleração da economia em 2022", afirma José Márcio Camargo.

Inflação e juros atrapalham emprego

A inflação e os juros mais elevados atingem a economia pelo lado das empresas e pelo lado do consumidor. Nos dois casos, atrapalham a geração de empregos, afirmam economistas.

Apenas as medidas para evitar o racionamento já reverberam no mercado de trabalho. A energia mais cara já pesa mais no bolso das famílias e, por tabela, reduz o consumo. Esse menor consumo acaba batendo no setor produtivo, que fica menos estimulado a abrir novas vagas.
Juliana Inhasz, economista e professora no Insper

A economista do Insper afirma que o impacto da crise de energia sobre o trabalho é mais grave e pode ocorrer justo no momento em que a taxa de desemprego começa a dar sinais de estabilidade, após meses de piora até atingir níveis recordes.

Racionamento é menos pior que apagão

Segundo o sócio-fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE), Adriano Pires, o governo deveria ter feito o racionamento antes, no início do período seco, ainda no primeiro semestre. Para ele, doutor em Economia Industrial pela Universidade Paris XIII e mestre em Planejamento Energético pela COPPE/UFRJ, o risco de apagão está presente.

Estamos com níveis de reservatórios nunca antes vistos. Não sabemos como as nossas usinas vão funcionar com esses níveis de água. Além disso, nossas hidrelétricas são antigas. Podemos ter lama entrando nas turbinas. Já estamos no risco de ter blackouts nos momentos dos picos de consumo.
Adriano Pires, sócio-fundador e diretor do CBIE

O especialista destaca que as energias solar e eólica não conseguem atender a demanda nos horários de pico. Então, o sistema elétrico do país depende nesses horários totalmente das hidrelétricas e das térmicas.

O problema dos apagões, destaca o professor da Faap Sillas de Souza Cezar, é que eles tiram a capacidade de planejamento das empresas e dos consumidores.

Racionamento é como estar dirigindo um carro com alguma economia, sem ligar o ar-condicionado, sem acelerar demais e aproveitando as ladeiras para poupar combustível, até chegar a um outro posto de abastecimento. No apagão, é como ir dirigindo até acabar o combustível. O que pode acontecer a qualquer momento, e no pior dos lugares.
Sillas de Souza Cezar, Faap