Com inflação e cortes, auxílio que comprava cesta básica hoje compra só 23%
A combinação de cortes no valor e inflação fez com o que o auxílio emergencial perdesse até 78,7% do poder de compra da cesta básica na região metropolitana de São Paulo desde que o programa foi criado, em abril de 2020.
Na época, as famílias recebiam R$ 600 ou R$ 1.200, dependendo do caso. Com o valor mínimo (R$ 600), dava para comprar uma cesta completa de itens essenciais para a alimentação familiar (R$ 556,25), e ainda sobrava um pouco.
O auxílio sofreu cortes e, agora, paga R$ 150, R$ 250 ou R$ 375. Além disso, a cesta básica subiu 16,9%.
Com o valor mínimo de R$ 150, dá para comprar só 23% de uma cesta básica (R$ 650,50), segundo os dados mais recentes, de agosto de 2021. Os valores da cesta básica são calculados pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).
O valor de R$ 1.200 era pago no ano passado a mulheres que sustentam o lar sozinhas. Dava para bancar duas cestas básicas e ainda sobravam R$ 87,50. Agora, essas mulheres recebem R$ 375, o que compra 58% de uma cesta básica.
Os cálculos foram feitos pelo economista Matias Cardomingo, pesquisador do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da USP, (Universidade de São Paulo), a pedido do UOL.
Para manter poder, auxílio hoje deveria ser de R$ 701,66
Além dos cortes do valor do benefício, pesou na perda de poder de compra a aceleração da inflação, que deixa alimentos e outros produtos mais caros. Entre abril de 2020 e agosto de 2021, a inflação medida pelo INPC ficou em 11,1%. O INPC é o índice calculado pelo IBGE para medir a inflação para famílias que ganham entre um e cinco salários mínimos.
O cálculo do INPC considera mais produtos que os da cesta básica, por isso os índices deles são diferentes.
Para compensar o aumento da cesta básica em São Paulo, o auxílio emergencial em agosto deveria ter sido de R$ 701,66 (contra R$ 600 anteriormente) ou, para mulheres que sustentam a casa sozinhas, R$ 1.403,33 (contra R$ 1.200 anteriormente).
Benefício é pago a menos pessoas
Além de cortar o valor, o governo restringiu o acesso ao benefício. Dados de agosto de 2021 do Ministério da Cidadania informam que o auxílio foi pago, em julho, a 39,4 milhões de pessoas: 18,4 milhões receberam R$ 150, 12,4 milhões receberam R$ 250 e 8,6 milhões receberam R$ 375.
O número de beneficiados é bem menor que o do ano passado, quando chegou a 68,2 milhões de pessoas.
Auxílio comprava 8 botijões, hoje não compra 2
Outro exemplo de como o auxílio perdeu poder de compra é o caso do gás de cozinha.
Em abril de 2020, o auxílio emergencial de R$ 600 comprava no estado de São Paulo oito botijões de gás, que custavam em média R$ 68,96 cada, segundo a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis). Sobravam R$ 48,32.
De lá para cá, o botijão no estado subiu 33,8%, chegando a R$ 92,26 em média, em agosto deste ano. Com isso, o auxílio emergencial de menor valor (R$ 150), não paga dois botijões.
Neste caso, a perda no poder de compra chega a 81,3%.
Uma mulher chefe de família que ganhava R$ 1.200 de auxílio no início do programa poderia comprar até 17 botijões e ficar ainda com R$ 27,68 de troco. Em agosto de 2021, o auxílio de R$ 375 pagava apenas quatro botijões de gás.
Persistência da crise fez auxílio ser prorrogado
Segundo Cardomingo, a perda do poder de compra do auxílio emergencial indica uma queda na qualidade de vida da população mais pobre e levanta dúvidas sobre a recuperação econômica após a pandemia.
O auxílio surgiu como uma medida temporária para socorrer pessoas de baixa renda durante a crise do coronavírus. A equipe econômica do governo defendia que o Brasil voltaria a crescer rapidamente e que a ajuda deixaria de ser necessária, mas foi obrigada a prorrogar o auxílio com valores menores porque a pandemia perdurou e a recuperação não veio como o esperado.
O governo está há dois anos prevendo uma recuperação em V, mas as projeções de crescimento só caem, e as de inflação, sobem. Além disso, é uma recuperação tímida, que não distribui renda e gera pouco emprego.
Matias Cardomingo, pesquisador do Made/USP
Ele afirma que manter o auxílio em R$ 600 por tempo indefinido não era uma opção viável, considerando a escassez de dinheiro público, mas que os cortes poderiam ter sido menores.
Cardomingo diz que o auxílio contribui para amenizar a crise econômica e, portanto, não pode ser visto apenas como gasto público. De acordo com estudos do Made, o auxílio foi responsável por evitar que o PIB (Produto Interno Bruno) caísse entre 8,4% e 14,8% em 2020. A economia encolheu 4,1% no ano passado, a pior queda em 24 anos.
Inflação vem de dólar e energia, diz economista
Marcio Pochmann, doutor em economia e professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), diz que o auxílio com valores menores é uma tentativa do governo de estimular uma economia "em coma".
Quando o governo distribui dinheiro para as famílias, há uma preocupação de que isso possa gerar inflação por excesso de demanda. Ou seja, as pessoas têm dinheiro na mão, mas falta produto para comprar.
Mas, segundo Pochmann, a inflação que afeta o Brasil hoje vem principalmente de outros fatores, como alta do dólar, o preço da energia elétrica e o aumento nos custos de produção.
Com o fim do auxílio, em outubro, o governo planeja lançar o Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família, com benefícios maiores e pagos a mais famílias. Mas enfrenta dificuldades para achar dinheiro que financie o programa e uma solução para não estourar o teto de gastos públicos.
Governo diz que trabalha para fortalecer programas sociais
Por meio do Ministério da Cidadania, o governo afirmou que tem trabalhado para fortalecer os programas sociais e estabelecer uma rede de proteção para a população em situação de vulnerabilidade.
Pelo auxílio emergencial, maior programa de transferência de renda da história do país, o governo federal alcança, em 2021, 36,59% da população brasileira, considerando as mais de 39 milhões de pessoas atendidas diretamente e os membros familiares.
Ministério da Cidadania
O governo declarou ainda que o Auxílio Brasil "estabelece critérios que vão fortalecer a rede de proteção social e criar oportunidades de emancipação para a população em situação de vulnerabilidade".
Veja os valores do auxílio desde a sua criação
- Auxílio emergencial 2020: R$ 600 ou R$ 1.200 mensais, com cinco parcelas, entre abril e dezembro.
- Extensão do auxílio emergencial 2020: R$ 300 ou R$ 600 mensais, com no máximo quatro parcelas, entre setembro de dezembro.
- Auxílio emergencial 2021: R$ 150, R$ 250 ou R$ 375, com sete parcelas, entre abril e outubro.
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