Logo Pagbenk Seu dinheiro rende mais
Topo

Não adianta culpar as chuvas, faltou planejamento do governo, diz professor

Colaboração para o UOL, em Alagoas

01/10/2021 13h06

A crise hídrica que assola o país foi causada principalmente pela falta de planejamento do governo federal que, ciente há pelo menos dois anos desse possibilidade de seca nos reservatórios provocada pela falta de chuvas, ignorou a questão e não agiu a tempo para reverter a situação. Essa foi a análise feita pelo professor de economia da USP (Universidade de São Paulo) Paulo Roberto Feldmann durante entrevista para o UOL Debate.

Segundo Feldmann, não adianta agora culpar a falta de chuvas, tampouco São Pedro, "porque todo mundo sabia que isso ia acontecer há pelo menos dois anos". Para ele, a gestão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) errou ao não ter reconhecido a gravidade do problema.

"Daqui a um mês nós vamos ter nossos reservatórios com níveis mais baixos do que estiveram em 2001. A situação é muito grave, e o grande problema é o fato de o governo não ter reconhecido essa gravidade. Há dois anos já se sabia que estávamos numa situação difícil. Há um ano já estava evidente que estávamos em situação de seca e os reservatórios tinham caído muito", declarou.

Na semana passada, o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) estimou, em seu último boletim, que os níveis do subsistema das regiões sudeste e centro-oeste podem chegar a 12,6% até o final de outubro. Furnas, uma das principais represas do sistema, atingiu nesta semana a marca de 14,68%, abaixo da cota mínima. O volume só não é menor que o registrado em 2001, quando o país viveu racionamento e ocorreu apagão nacional. Naquela época, a represa de Furnas chegou a 12,98% da capacidade de seu volume.

Durante o UOL Debate, Paulo Roberto Feldmann lembrou o pronunciamento do ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que, em junho, pediu para a população fazer "uso consciente" de luz e água. Na mesma ocasião, o almirante disse que o país enfrenta "uma das piores secas de sua história". Para o professor da USP, há uma "catástrofe que se avizinha" e que pode piorar ainda mais a situação econômica do Brasil.

"Há dois meses o ministro disse que não tem problema, não vai haver racionamento, está tudo bem. Enfim, essa falta de planejamento, que poderia ter iniciado dois anos atrás, teria evitado essa catástrofe que se avizinha, porque realmente a situação poderá ficar muito feia. O Brasil já atravessa situação econômica difícil, imagina se não tivermos energia elétrica o que vai acontecer com nossa economia. É uma situação muito grave, motivada sobretudo pela falta de planejamento. Não adianta colocar a culpa na falta de chuva, em São Pedro, porque todo mundo sabia que isso ia acontecer há pelo menos dois anos", afirmou.

O coordenador do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), José Marengo, também participou do UOL Debate e alertou para a possibilidade de instabilidade social que o problema da crise hídrica pode representar para o país em um ano eleitoral.

Marengo recordou da crise ocorrida em 2001 quando, na ocasião, ele trabalhava no INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), e o órgão costumava elaborar relatórios semanais que eram enviados para a Casa Civil, à época administrada pela gestão do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), sobre as secas nas regiões sudeste e centro-oeste, mas os documentos eram "engavetados". O resultado é de conhecimento público com o apagão nacional.

O coordenador do Cemaden lembrou também da crise hídrica ocorrida em São Paulo em 2014, gerada em um período eleitoral, quando Geraldo Alckmin governava o estado e buscava a reeleição, e "declarar emergência naquela situação era algo complicado". "Agora em 2021 a situação se repete", diz o especialista.

José Marengo explica que desde a seca de 2013/2014 a deficiência hídrica na reserva de Cantareira "não melhorou". "O que temos agora é a continuidade" daquela situação que também foi ocasionada pela falta de planejamento, avaliou Marengo, que ressalta ser necessário "chover muito em 2022 para encher os reservatórios em um nível que nos deixe mais tranquilo, mas, infelizmente, nada aponta para um verão muito chuvoso".

"Nossa preocupação é que com essas evidências cientificas, o que o governo vai fazer? Essa situação em ano eleitoral pode levar a algum tipo de instabilidade social", declarou.

A coordenadora nacional do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), Ivanei Farina, avaliou que a crise hídrica vivenciada pelo país hoje está relacionada, sobretudo, com o "modelo de desenvolvimento em que a gente vive" que prioriza o lucro em detrimento do meio ambiente.

"É um problema estrutural da sociedade, desse modelo de desenvolvimento em que a gente vive, não é um problema da natureza. A natureza lida com as consequências das ações humanas nele", ponderou.

Bolsonaro sugere tomar banho frio e evitar elevador

Em uma live nas redes sociais na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro pediu para que a população "apague a luz em casa" a fim de economizar energia. Sugeriu, ainda, que os brasileiros evitem o uso de elevadores e tomem banhos frios, quando possível. Por fim, ele admitiu que o país pode ter "problemas" no futuro se não chover.

"Aqui [no Palácio da Alvorada] são três andares. Quando tem que descer, mesmo que o elevador esteja aberto na minha frente, eu desço pela escada. Se puder fazer a mesma coisa no seu prédio... Ajude a gente. Quanto menos mexer no elevador, mais economia de energia nós temos", disse o mandatário. "Tomar banho é bom, mas se puder tomar banho frio, é muito mais saudável. Ajude o Brasil", acrescentou.

Uma reportagem de hoje do UOL mostra que a falta de água já é uma realidade no interior de São Paulo, que afeta cerca de dois milhões de pessoas. O levantamento foi feito em 14 cidades do estado que enfrentam o racionamento do líquido imprescindível para a vida humana.