Proposta de Lira para ICMS de combustíveis é "natimorta", diz especialista
O presidente da Câmara, Arthur Lira, apresentou uma proposta para mudar a forma como o ICMS é cobrado sobre os combustíveis. Segundo ele, a proposta pode baratear o preço da gasolina em até 8%, o do álcool em 7% e do diesel em 3,7%. A mudança no cálculo irá considerar a média dos preços dos combustíveis nos últimos dois anos. Cada Estado aplicaria a sua alíquota de ICMS sobre esse preço médio.
Lira, que está em viagem a Roma, afirmou que irá votar essa proposta na semana que vem. No entanto, a proposta tem encontrado resistência entre economistas e especialistas. A mudança implicaria em perdas na arrecadação de estados e municípios e há quem veja a proposta como imediatista e ineficaz para resolver a alta dos preços. Há ainda quem vê a proposta com bons olhos, mas discorda que a redução no preço será tão significativa.
O ICMS dos combustíveis é calculado com base em um preço de referência, conhecido como PMPF (preço médio ponderado ao consumidor final) que é revisado a cada 15 dias - o que significa que quando o preço internacional do petróleo sobe, a fatia do ICMS onera ainda mais o consumidor.
Diante desse cálculo e prevendo a redução do preço do petróleo em algum momento, o professor da FGV, Mauro Rochlin, considera a proposta um disparate.
"E se o preço do petróleo cair fortemente? Pois uma hora vai cair, toda commodity tem altos e baixos, historicamente vemos essas oscilações e se o preço dos últimos dois anos se tornar maior que na ocasião? O que se faz? Outro ponto é que o ICMS é um imposto estadual e pela proposta os estados arrecadariam menos. Como resolve isso?", afirmou.
O professor de Economia do Petróleo e Gás da Escola Politécnica da UFRJ, Marcelo Simas, classificou a medida como política. "Essa proposta nada mais é que um puxadinho. Em fevereiro, os preços dos combustíveis dispararam e o diesel, especificamente, tem impacto na inflação por causa do nosso modal rodoviário, já que nossos alimentos são transportados por caminhões. Então, é uma proposta para atender a base de apoio que são os caminhoneiros e também uma proposta populista sem futuro, onde o governo sai como bonzinho".
Ele considerou ainda a medida como "natimorta". "Quando o preço do petróleo subir, esse preço do combustível vai aumentar de novo. Estamos caminhando para a gasolina a dez reais. Claro que há racionalidade na proposta [de Arthur Lira], porém nada vai adiantar se não mudar a precificação da Petrobras que pratica uma política contra a população."
De acordo o levantamento da ANP, nos últimos cinco anos, a gasolina subiu 66%, diesel 57% e o IPCA do período foi de 24%. Para o especialista, a solução para o problema é a realização da reforma tributária com mudança na política de preços.
Solução é reforma tributária
O Comsefaz (Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal) tem defendido a rejeição da proposta do presidente da Câmara Arthur Lira. O presidente da entidade, Rafael Fonteles, defende a aprovação da reforma tributária como solução.
"Não podemos aceitar isso porque impacta diretamente na qualidade dos serviços oferecidos à população. Temos reafirmado, por meio do Comsefaz, que se quisermos resolver efetivamente a questão do ICMS e da complexidade que é o sistema tributário como um todo, precisamos aprovar a reforma tributária ampla, cujo relatório do senador Roberto Rocha foi entregue ontem ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco", disse através da assessoria de imprensa.
Diminui a arrecadação dos estados
Para o especialista em Direito Tributário, Antônio Carlos Morad, a medida só contribui para o empobrecimento dos estados."O ICMS é um tributo muito importante para os estados e, se você faz um remanejamento desse tipo, certamente vai gerar um grande prejuízo. Essa afirmação do governo federal que o ICMS é o empecilho para a redução do preço dos combustíveis é uma falácia. A questão tem relação com a política econômica adotada que depende do preço do exterior e a falta de investimentos em um produto mais nacional. Além disso, o custo da distribuição aumentou muito com a privatização da BR Distribuidora e quando você tem uma empresa privatizada, os donos querem maximizar os lucros", afirmou o advogado.
A pesquisadora Juliana Damasceno, da FGV IBRE, faz um alerta sobre a proposta.
"A proposta tem como objetivo encontrar uma saída. Para prevenir a oscilação é melhor do que como se calcula hoje, mas é preciso avaliar de que forma essas mudanças impactam as autonomias dos entes federativos. É constitucional? Isso fere a autonomia dos estados e mexe no preço de referência", declara.
No mês passado, o presidente da Câmara chegou a defender uma proposta de valor fixo e não uma alíquota que varia em função do valor das bombas de combustíveis. Com base nesta proposta, a CNM (Confederação Nacional dos Municípios) calculou perdas de R$ 5,5 bilhões para 20 estados - o que impactaria também as receitas dos municípios.
Para a CNM, "existe grande espaço de redução dos tributos federais com impacto arrecadatório concentrado na União. Como exemplo, a entidade lembra que a Cide e o PIS/Cofins incidem sobre a comercialização na magnitude média de 0,8925 por litro", destacou a confederação.
Fecombustíveis prevê redução de 5%
Em entrevista ao UOL, Paulo Miranda Soares, presidente da Fecombustíveis (Federação Nacional do Comércio e de Lubrificantes) avaliou a proposta de Lira como "um passo para uma modalidade mais correta". No entanto, ele questionou o valor de redução de até 8% calculado pelo presidente da Câmara.
"Nós calculamos que isso implica em uma redução de 4% a 5%. Trata-se de uma proposta tímida ainda. Para resolver problemas do setor a melhor solução seria ter a mesma alíquota em todos os estados", defendeu. Ele avalia ainda que o modelo vai enfrentar resistência para ser aprovado justamente por impactar as receitas estaduais.
O UOL conversou também com Luís Carlos Ferreira dos Santos Júnior, advogado tributarista, que avalia com bons olhos a iniciativa. Para ele, a proposta é válida e é a que tem maior probabilidade de reduzir os preços dos combustíveis, já que 40% do preço é formado por tributos.
"O ICMS é o principal fomentador do aumento de preços. Até ano passado com a crise dos caminhoneiros foi muito discutida a não incidência da CIDE no preço dos combustíveis, mas a CIDE corresponde a um percentual muito ínfimo do preço da gasolina, sendo o ICMS o que mais onera o consumidor. Então é uma proposta válida e a que mais tem capacidade de reduzir o preço dos combustíveis".
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