Auxílio Brasil usa dados defasados de 2010 e prejudica quem está na fila
O Auxílio Brasil (ex-Bolsa Família) não atualizou os dados sobre pobreza no país e usa números de mais de uma década atrás, do Censo de 2010. Isso distorce a realidade das cidades brasileiras e causa prejuízos para famílias na fila de espera. O problema é que o critério para entrar no programa leva em conta o percentual de famílias pobres atendidas em cada cidade -e as informações de 2010 estão defasadas.
Segundo o dado usado pelo governo, seriam 13,8 milhões de pessoas elegíveis como público-alvo (número congelado de 2010). Entretanto, hoje são ao menos 18 milhões de famílias pobres e extremamente pobres no país, segundo o Cadastro Único atualizado em setembro.
Essas 18 milhões de famílias, em tese, teriam direito ao benefício. Mas o Auxílio Brasil nasceu com uma fila de espera de aproximadamente 3,5 milhões de pessoas. Ao todo, em novembro, o programa atendeu 14,5 milhões de famílias no país.
Um novo Censo deveria ter sido feito em 2020, mas foi adiado por causa da pandemia para 2021. Não teve verba e foi adiado novamente.
Ministério diz que atualizará em 2022
O Ministério da Cidadania confirmou ao UOL que "a base de dados utilizada pelo Auxílio Brasil é o Censo de 2010."
Questionado por que não usa outros dados mais recentes, o ministério disse que em 2022 "está prevista a atualização dessas informações, dada a necessidade de atender com mais eficiência as famílias em situação de vulnerabilidade, garantindo a oferta de condições e oportunidades para a melhora da qualidade de vida desses cidadãos".
Critério gera distorções
O critério usado pelo Ministério da Cidadania para inclusão de novas famílias é justamente o percentual de atendimento da pobreza oficial daquela cidade, estimada em 2010. Isso prejudica os estados do Nordeste, e virou alvo de protesto dos governadores, que cobraram inclusões igualitárias para todos.
Durante audiência de conciliação no STF (Supremo Tribunal Federal) no último dia 15 de outubro, a responsável pelo programa do Ministério da Cidadania, Carolina Paranayba, disse que a inclusão de novas famílias da fila de espera leva em conta o percentual de atendimento de pobres.
"O critério do Bolsa Família é de linha de pobreza por municípios. Não há discriminação técnica com qualquer estado. [Mas] a estimativa pode não imprimir um retrato fiel da pobreza", afirmou.
Atualizar a estimativa
Na audiência, o governo federal sugeriu organizar uma força-tarefa para atualizar a estimativa de forma emergencial e assim saber se o Nordeste estaria sendo prejudicado, mas os governadores recusaram.
"Não dá para adiar por 180 dias. Estamos falando de fome, tem de ter dinheiro novo, não tem para onde correr, disse o governador do Piauí, Wellington Dias (PT).
Cidades mudaram em 11 anos
Para Cícero Péricles de Carvalho, professor e pesquisador na área de economia social da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), qualquer novo programa deveria se preocupar em ter dados atualizados.
Ele cita que as prefeituras mantêm o CadÚnico com informações atuais, que —na ausência de estimativas atualizadas— poderiam ajudar o governo a fazer uma estimativa real.
"O programa Auxílio Brasil é provisório e já nasce defasado. Lembremos que o Censo deveria ter sido organizado em 2019 e realizado no ano passado. Em todo caso, o cadastro é muito bem feito, municipalizado e atualizado sempre", diz.
Segundo ele, em uma década, o perfil socioeconômico de uma cidade pode mudar completamente. O melhor exemplo disso é que o próprio Bolsa Família causou mudanças nos municípios, especialmente os mais pobres.
Muitas pesquisas e artigos científicos, assim como dos estudos de várias instituições nacionais e internacionais, mostram, de forma quase consensual, que, nas localidades mais pobres, sejam municípios interioranos ou bairros das grandes cidades, houve uma redução da pobreza extrema, melhoria escolar, elevação dos indicadores de saúde, empoderamento feminino e mais dinâmica econômica local, principalmente nos setores de comércio e serviços populares.
Cícero Péricles, professor
Segundo Carvalho, mesmo que o governo alcance as 17 milhões de famílias prometidas, ele não atenderá nem sequer as famílias pobres e extremamente pobres inscritas no Cadastro Único (15 milhões até R$ 89, mais 2,9 milhões de R$ 89,01 até R$ 178 de renda mensal).
"E ainda há um problema: essa tabela deve ser reajustada para R$ 100 e R$ 200, respectivamente. Isso quer dizer que uma parcela dos pobres desce para os muito pobres, e outra parcela acima, que não estava classificada, entra para o estrato de pobres. É preciso ver quantos terão esse direito", afirma.
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