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PEC dos Precatórios permite aumentar salários do Judiciário e do Congresso?

Em discussão no Senado, proposta pode elevar salários de servidores públicos de outros Poderes - Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
Em discussão no Senado, proposta pode elevar salários de servidores públicos de outros Poderes Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Fabrício de Castro

Do UOL, em Brasília

25/11/2021 04h00

Enquanto o presidente Jair Bolsonaro acena com a possibilidade de aumento de salários para o funcionalismo federal em 2022, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) dos precatórios, atualmente em discussão no Senado, pode abrir espaço para que servidores do Judiciário, do Legislativo, da Defensoria Pública da União e do Ministério Público da União também recebam reajustes.

Isso porque, conforme cálculos do Tesouro Nacional, a PEC em sua versão atual, já aprovada na Câmara dos Deputados, aumenta em R$ 2,7 bilhões o espaço para gastos por esses Poderes no próximo ano. A Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, em estudo publicado na semana passada, estimou uma folga de R$ 2,1 bilhões.

Economistas ouvidos pelo UOL temem que, com a folga no Orçamento, os demais Poderes defendam a aplicação dos recursos adicionais em aumentos salariais, e não na resolução de carências em outras áreas da administração pública.

A maior parcela desse aumento de Orçamento nos outros Poderes vai para salário, porque o gasto principal é com isso - 70% são para salários. É muito provável que eles usem o espaço adicional para gastar mais com salário. É um problema, porque cria uma despesa obrigatória para todo o sempre, aumentando a principal fonte de gastos
Gabriel Barros, sócio e economista-chefe da RPS Capital

De onde vem o dinheiro?

O texto aprovado na Câmara, atualmente em discussão no Senado, traz duas mudanças principais. Em primeiro lugar, permite o adiamento do pagamento de parte dos R$ 89 bilhões em precatórios devidos pela União em 2022. Pelos cálculos atualizados do Tesouro, isso gerará uma folga de R$ 43,8 bilhões para o Orçamento do ano que vem.

Precatórios são títulos que representam dívidas do governo federal tem com pessoas físicas e empresas, provenientes de decisões judiciais definitivas. Quando a decisão judicial é definitiva, o precatório é emitido e passa a fazer parte da programação de pagamentos do governo federal.

Em segundo lugar, a PEC muda o teto de gastos, a regra fiscal constitucional que limita a despesa pública ao Orçamento do ano anterior corrigido pela inflação.

O texto prevê que o limite seja determinado não mais pela inflação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior, mas pela taxa apurada nos 12 meses até dezembro do ano anterior.

Com esta mudança técnica, haverá uma folga adicional de R$ 62,2 bilhões em 2022, pelos cálculos do Tesouro. Na prática, a mudança é vista como permissão para furar o teto.

Com as duas mudanças, o espaço total para mais gastos do governo em 2022 é de R$ 106,1 bilhões, conforme o Tesouro.

Pelas regras atuais, parte deste dinheiro — mais especificamente R$ 2,7 bilhões — precisará ser transferida automaticamente para os demais Poderes (Legislativo, Judiciário, Defensoria Pública da União e Ministério Público da União). Nos cálculos da IFI, o montante seria um pouco menor, de R$ 2,1 bilhões.

Espaço para cada um dos Poderes

O estudo da IFI indicou que o espaço fiscal adicional para cada um dos demais poderes seriam os seguintes:

  • Legislativo: R$ 400 milhões
  • Judiciário: R$ 1,4 bilhão
  • Defensoria Pública da União: R$ 17,9 milhões
  • Ministério Público da União: R$ 200 milhões

Os recursos podem ser utilizados para reajustes salariais, mas isso precisará estar previsto na LOA (Lei Orçamentária Anual) para 2022, atualmente em tramitação no Congresso. Nessa lei, são estimadas as receitas e as despesas para o ano.

Se o Judiciário decidir elevar salários, isso terá de ser contemplado numa eventual - e provável - mensagem modificativa que o Executivo enviará ao Congresso com as mudanças na proposta orçamentária já em tramitação
Felipe Salto, diretor-executivo da IFI

Outras carências nos Poderes

Para o economista Gabriel Barros, da RPS Capital, os Poderes possuem carências que poderiam ser priorizadas no uso de recursos, no lugar de reajustes salariais. Ele defende, por exemplo, o uso do dinheiro em sistemas de tecnologia.

"Infelizmente, o investimento em tecnologia é muito baixo no Brasil, ainda mais para o setor público", afirma. "Uma agenda de governo digital teria a capacidade de economizar muitos recursos, de melhorar profundamente a eficiência do gasto e o tempo de resposta ao cidadão."

O economista Nelson Marconi, coordenador do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo da Fundação Getulio Vargas (FGV), afirma que os recursos poderiam ser usados, por exemplo, na modernização do sistema de acompanhamento processual —no caso do Judiciário— e não necessariamente no reajuste de servidores.

Segundo ele, há ainda demandas no setor público pela ampliação do atendimento ao público.

O que dizem os Poderes?

O UOL questionou os Poderes sobre quais seriam as prioridades para o uso dos recursos adicionais, caso a PEC dos precatórios seja aprovada no Congresso.

A Procuradoria Geral da República (PGR) respondeu, em nome do Ministério Público da União, que "qualquer alteração referente a valores será discutida no foro próprio e no momento oportuno". "Como a PEC ainda não teve a votação concluída pelo Legislativo, não é possível adiantar prioridades da instituição para eventual acréscimo orçamentário. Se e quando ocorrer o acréscimo no limite do MPU, a gestão adotará as providências necessárias para garantir uma aplicação eficiente dos recursos no atendimento das demandas mais urgentes da instituição."

A Defensoria Pública da União afirmou que também aguarda o fim da tramitação da PEC no Congresso para decidir o destino dos recursos. "Eventual aumento do orçamento do órgão será utilizado na ampliação do acesso à Justiça da população vulnerável, por meio da estruturação do órgão e da expansão do quadro de defensores públicos federais em exercício", informou.

A Câmara dos Deputados afirmou, em nome do Legislativo, que não se pronunciaria, já que a PEC ainda está em tramitação.

O Supremo Tribunal Federal (STF) não se pronunciou em nome do Judiciário.

Bolsonaro sinalizou reajuste para servidores federais

O presidente Jair Bolsonaro afirmou, em 16 de novembro, que pretende reajustar os salários de todos os servidores públicos ligados ao Executivo, caso a PEC dos precatórios seja aprovada. A intenção do presidente, no entanto, pode ser frustrada.

Isso porque, conforme cálculos do Tesouro, dos R$ 106,1 bilhões de espaço fiscal que pode ser gerado pela PEC, sobrariam apenas R$ 1,1 bilhão sem destinação definida — um montante pequeno para um reajuste geral.

Cálculos da IFI e do próprio governo indicam que, para cada 1 ponto porcentual de aumento de salário dos servidores federais, o impacto no orçamento de 2022 seria de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões.