PIB fraco frustra planos de trabalhadores: 'Sonho morreu e foi enterrado'
Tatiane Leme, 35, esperava que seu contrato de trabalho temporário em uma fábrica de embalagens fosse renovado em junho deste ano. Mas isso não aconteceu, e ela ficou sem emprego após seis meses na empresa. Para buscar uma recolocação rápida, saía diariamente da casa onde mora, na periferia de Diadema (SP), e percorria o ABC paulista, na região metropolitana, em busca de trabalho na sua área. Ela é técnica em operação de um tipo de máquina chamada de injetora.
Como alternativa para sustentar a si mesma e à filha, começou a fazer salgados para vender na rua. Sem o sucesso esperado, arriscou-se como diarista por um breve período para ganhar não mais do que R$ 100 por casa. Inconformada com a situação, pesquisou na internet opções que permitissem a ela trabalhar sem deixar a filha sozinha. Há três meses, ela monta sacolas de papel para lojas.
Tatiane trabalha 10 horas por dia, de segunda a sexta, para ganhar R$ 2.800 por mês. Em questão de semanas, decidiu aposentar a carteira de trabalho.
A vida me empurrou para a informalidade. Eu estudei, me dediquei e hoje não consigo voltar para a minha área. Tem a pandemia, claro, e o preconceito de não contratarem mulheres [para essa função]. Eu queria fazer algo maior, ser líder. Mas acredito que esse sonho morreu e foi enterrado.
Tatiane Leme, de Diadema (SP)
Tatiane se consola pensando que ao menos pode convidar mulheres desempregadas para trabalhar com ela. Sua meta é preparar 1.000 sacolas por dia. "Hoje eu tenho cinco mães comigo e mais cinco estão na espera. Somos nós por nós, porque nenhum governo ajuda o povo."
O avanço da vacinação contra covid-19 trouxe expectativa de melhora nos indicadores da economia e de reflexos positivos na vida dos trabalhadores. Mas o resultado do PIB (Produto Interno Bruto) foi fraco no terceiro trimestre, com queda de 0,1%, o que colocou o Brasil novamente em recessão, conforme divulgou o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) nesta quinta-feira (2). O desemprego até caiu, para 12,6%, mas ainda afeta 13,5 milhões de brasileiros, e as vagas criadas são sem carteira assinada e com salários mais baixos. A inflação também pesou, chegando a mais de 10% em 12 meses, encarecendo itens básicos como arroz, feijão, carne vermelha e combustíveis.
'Antes da pandemia, qualidade de vida era outra'
O motorista de aplicativo Osvaldo Vieira Neto, 33, trocou o álcool pelo GNV (Gás Natural Veicular) para rodar porque diz que o preço do combustível tornou seu trabalho inviável. Ele esperava que a demanda de passageiros voltasse a crescer a partir de julho, mas viu o contrário acontecer.
"As chamadas de corrida não aumentaram, e a frota está diminuindo. Tem muita gente entregando carro por não conseguir bancar aluguel, gasolina e manutenção. Ninguém esperava que os custos estivessem tão altos como hoje", afirma Neto, que entregou um táxi para trabalhar com apps semanas antes do início da pandemia de covid.
Ele usa como termômetro os pedidos de corrida de passageiros no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, a poucos quilômetros de sua casa, em Guarulhos (SP). Atualmente, o celular de Osvaldo toca não mais do que duas vezes por dia para atender cliente no aeroporto mais movimentado do país. Antes, eram cinco chamados de lá por dia.
Para atingir sua meta de renda mensal, equivalente a algo entre 20 e 25 corridas por dia, Osvaldo trabalha em média 12 horas diárias, de segunda a sábado.
Antes da pandemia, a qualidade do trabalho era outra. Eu conseguia trabalhar de oito a nove horas por dia e gastava menos do que hoje.
Osvaldo Vieira Neto, de Guarulhos (SP)
O motorista mora com a mulher e dois filhos, de 13 anos e dois meses. A esposa é cabeleireira e está de licença-maternidade não remunerada, por ser autônoma.
Ainda que enfrente dificuldades, Osvaldo diz que gosta de trabalhar na informalidade. Mas reflete sobre seu futuro na profissão. "Não consigo rodar por cinco, dez anos desse jeito, por questão de saúde. Trabalho dessa forma e ainda acabo deixando a minha família de lado", declara.
Classe média passou a barganhar
O eletricista Lucas Jesus Barbosa, 29, diz não ter visto qualquer sinal de melhora na economia. Segundo ele, sua área de trabalho enfrenta um mar revolto de demissões e terceirizações, o que o levou para a informalidade desde 2018.
Ele consegue trabalho graças a grupos de WhatsApp e indicações de mestres de obras. Desde o início deste ano, Lucas viu o preço dos materiais elétricos subirem. O rolo do fio de cobre de 100 metros, material essencial para instalações e reparos, saltou de R$ 150 para até R$ 300, diz.
Além do custo mais alto, o eletricista enfrenta um problema que desconhecia até então.
As pessoas não conseguem pagar o valor que considero justo para o meu trabalho. Isso era comum na periferia, mas agora acontece em bairros de classe média. Acabo reduzindo o preço e trabalhando bastante.
Lucas Jesus Barbosa, de São Bernardo do Campo (SP)
Lucas vive em São Bernardo do Campo (SP) com os tios, com quem divide as despesas. Usa carro próprio somente quando necessário, como quando precisa levar uma escada extensível até uma obra, por exemplo. Nos outros dias, usa transporte público. Com o agravamento da crise, sua agenda de trabalho tem muitas linhas em branco -às vezes, o deslocamento para outro bairro ou cidade não cobre seus custos.
Em um "mês bom", ele diz que consegue uma renda de R$ 1.500, insuficiente para pagar o aluguel da casa, a alimentação e demais despesas. Ironicamente, brinca o eletricista, o pagamento da conta de luz está atrasado.
Lucas afirma que dezembro costuma ser uma época boa para fazer reformas em casas, mas não acha que isso acontecerá neste ano. Sem perspectivas positivas, ele acredita que o ano que vem, marcado por eleições presidenciais, será ainda pior. "Acho que a crise vai se agravar ainda mais, principalmente do ponto de vista da inflação, porque temos um governo preocupado em atender as elites", diz.
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