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Em La Casa de Papel, ouro é garantia para dívida da Espanha; isso é real?

Tamara Arranz/Netflix
Imagem: Tamara Arranz/Netflix

Vinícius de Oliveira

Colaboração para o UOL, em São Paulo

28/12/2021 04h00

A série "La Casa de Papel" chegou ao fim. Os fãs da série da Netflix descobriram o que aconteceu com o bando reunido pelo Professor (Álvaro Morte) para roubar o Banco Central da Espanha.

ALERTA DE SPOILER: Atenção, a partir daqui o texto fará revelações sobre a série!

Os criminosos conseguem retirar cerca de 90 toneladas de ouro dos cofres da reserva nacional através da tubulação de água. O valor é equivale a cerca de 4,3 bilhões de euros (R$ 27,5 bilhões).

O roubo seria suficiente para começar uma crise financeira, porque a dívida do país estaria lastreada, ou seja, garantida, por esse ouro roubado.

Países se financiam emitindo dívida. Ou seja, vendem um papel que dá ao comprador o direito de receber no futuro um valor acrescido de juros. São os títulos públicos.

A série dá a entender que investidores só compram os títulos espanhóis porque sabem que, se o governo não pagá-los, o ouro nos cofres do Banco da Espanha garante que eles vão receber o valor devido.

É o que diz um dos personagens, o presidente do Banco da Espanha: "No leilão do Tesouro de hoje, vamos perder bilhões de euros, [e será assim] semana após semana, até não conseguirmos mais financiamento. Nesse momento, o país vai quebrar."

O Professor usa justamente essa previsão catastrófica para negociar com o coronel Luis Tamayo (Fernando Cayo) e livrar todo o bando da prisão.

Ouro foi usado como lastro até 1971

Enquanto na trama o ouro é usado como principal lastro da economia da Espanha, na vida real a história é outra.

"Atualmente, as reservas internacionais do país são lastreadas em grande parte em euro. Uma pequena porcentagem está lastreada em ouro, menos de 2%", explica Daniel Abrahão, assessor de investimentos da iHUB Investimentos.

Antigamente, as moedas pelo mundo todo eram lastreadas em metais preciosos como ouro, prata, cobre e níquel.

O governo usava esses metais para garantir que honraria seus compromissos em caso de crises cambiais, interrupções de fluxo de capital e choques com origem no exterior.

Em junho de 1944, ao fim da Segunda Guerra Mundial, as grandes economias capitalistas se uniram, sob a liderança dos Estados Unidos, para a Conferência de Bretton Woods.

Uma das decisões que saíram dali foi a de que haveria um novo acordo para o chamado "padrão dólar-ouro". Por ele, cada US$ 35 equivaleria a uma onça troy (31,1 gramas) de ouro da reserva dos EUA.

Significa que qualquer pessoa ou empresa poderia trocar US$ 35 por 31,1 gramas de ouro.

Ouro hoje não é lastro para nada

Mas, em 1971, quando os EUA passavam por uma crise, o então presidente Richard Nixon declarou o fim da paridade entre dólar e ouro.

Pela primeira vez na história global, uma economia passou a ser baseada predominantemente em uma moeda sem lastro.

O ouro deixou de ser garantidor, e o valor do dólar passou a ser definido pela confiança no governo norte-americano e pelo Tesouro Nacional.

"O ouro não é usado como lastro de nada desde que os EUA 'quebraram' Bretton Woods. Acredito que não haja nenhuma moeda hoje em dia que não tenha como garantia outra moeda. Há moedas que tem como garantia o dólar, outras têm como garantia o euro", diz Rodrigo Natali, diretor de Estratégia da casa de análise de investimentos Inversa e especialista em macroeconomia nacional e internacional.

No Brasil, por exemplo, de acordo com o "Relatório de Gestão das reservas internacionais do Banco Central", de março de 2020, as reservas internacionais totalizavam US$ 356,88 bilhões em caixa. Os valores são referentes ao último dia do ano de 2019.

Deste montante, 87,77% das reservas são em dólar norte-americano, 7,35% em euro, 2,11% em libra esterlina, 1,73% em iene, 0,94% em ouro e 1,10% em outras moedas.

Por que bancos centrais têm reservas internacionais?

As reservas internacionais, ou reservas cambiais, são ativos (crédito) que os países têm em moeda estrangeira e funcionam como uma espécie de seguro, garantindo que cumprirão suas obrigações no exterior, como empréstimos com o FMI (Fundo Monetário Internacional.

No caso do Brasil, a reserva internacional é majoritariamente o dólar. Já nos países europeus, é em euro. "Isso quer dizer segurança para estabilidade econômica. Um país com reservas internacionais fortes tem credibilidade para financiar suas dívidas", declara Abrahão.

"Hoje em dia, o ouro é apenas um ativo do governo, que está parado no estoque", afirma Natali.