Estudo no governo propõe que motorista e motoboy não tenham vínculo com app
Uma proposta de reforma trabalhista entregue ao governo em novembro estabelece que não há vínculo empregatício entre motoristas, entregadores e empresas de aplicativos, como Ubert e iFood.
A sugestão consta de estudo apresentado ao Ministério do Trabalho e Previdência pelo Gaet (Grupo de Altos Estudos do Trabalho), uma equipe criada pelo governo. Formado por economistas, juristas e acadêmicos em 2019, por iniciativa do ministro da Economia, Paulo Guedes, o grupo formulou uma série de propostas para embasar novas mudanças na legislação trabalhista brasileira. O Ministério do Trabalho nega que haja uma nova reforma trabalhista em curso e diz que não vai adotar as sugestões necessariamente.
Definição seria estabelecida em projeto de lei
No estudo, o subgrupo responsável pelo tema Direito do Trabalho e Segurança Jurídica propõe que prestadores de serviços que utilizam aplicativos — como motoristas de Uber e 99 ou entregadores de iFood — não tenham vínculo empregatício reconhecido com as empresas. Isso seria simplesmente estabelecido por meio de projeto de lei.
A sugestão trata de um tema controverso atualmente dentro da Justiça Trabalhista. Em 15 de dezembro, a terceira turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) formou maioria em um julgamento para reconhecer vínculo empregatício entre a Uber e seus motoristas. O julgamento, no entanto, não foi concluído ainda em função de um pedido de vista (análise).
Caso a decisão parcial seja confirmada, esta será a primeira turma do TST que votará para que motoristas sejam considerados funcionários da Uber. Nas demais instâncias da Justiça, há algumas decisões favoráveis e outras contrárias ao estabelecimento de vínculo. Assim, o projeto de lei sugerido iria eliminar as disputas em torno do tema.
Trabalho por aplicativo é visto como o futuro
Dentro do Gaet, a questão também foi tratada no subgrupo de Economia do Trabalho. O economista e acadêmico José Márcio Camargo, sócio do Banco Genial, foi um dos profissionais que discutiram a questão.
O trabalho por aplicativo é o futuro, porque ele muda completamente a cultura do trabalho. Ele vai gerar uma queda muito grande do desemprego em várias áreas -nas entregas, na construção civil, na medicina
José Márcio Camargo, economista
A visão do Gaet é de que, de certo modo, esse processo já está em curso. No documento entregue ao Ministério do Trabalho, o grupo lembra que em 2019 foram gerados no Brasil 1,82 milhão de postos de trabalho.
"Um número bastante elevado, principalmente quando levamos em consideração o baixo crescimento da economia, 1% ao ano", registra o documento. Desse 1,8 milhão de postos de trabalho, 782,5 mil foram ocupados por trabalhadores por conta própria. "Há indícios de que as inovações tecnológicas cumprem um papel neste processo. Exemplos paradigmáticos são os postos de trabalho gerados por aplicativos", diz o texto do Gaet.
A proposta é que a relação entre trabalhadores e aplicativos não seja regulamentada pela legislação trabalhista, mas sim pelo Código Comercial -que regula direitos e obrigações de empresas. Uma possibilidade levantada é que todo trabalhador de aplicativo seja obrigado a se inscrever como MEI (Microempreendedor Individual).
Como MEI, um profissional é obrigado a pagar contribuições ao INSS e, em contrapartida, tem acesso a alguns benefícios disponíveis aos demais trabalhadores, como a aposentadoria.
Garantia de direitos
A questão do vínculo empregatício é controversa mesmo no meio sindical. O primeiro secretário da Força Sindical, Sérgio Luiz Leite, afirma que a sugestão do Gaet demonstra "falta de interesse em olhar para os trabalhadores de aplicativos".
Ao mesmo tempo, ele afirma que, caso não seja possível criar o vínculo, a legislação precisará estabelecer regras básicas.
Será que não tem que haver um seguro em caso de acidentes, uma jornada de trabalho regularizada? É realmente muito difícil determinar que todos os motoboys e motoristas de aplicativos sejam celetistas, até pelas características do país. Mas quando se lei que não há vínculo, tira-se a responsabilidade de construção de alguma ligação, de algum contrato
Sérgio Luiz Leite, secretário da Força Sindical
Professora de Direito do Trabalho da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo e sócia do escritório Abud Marques, Fabíola Marques afirma que, ainda que a legislação diga que o trabalhador de aplicativo não é funcionário de uma empresa, isso não o impede de ingressar na Justiça para pedir o reconhecimento do vínculo.
A lei trabalhista estabelece que pouco importa o que você assina ou o que registra. O que importa é o que existe. Se você trabalha com pessoalidade, se trabalha com habitualidade, onerosidade e subordinação, você está empregado. O problema é que a subordinação, no caso dos aplicativos, é diferenciada. Por isso a legislação vacila muito no reconhecimento do vínculo
Fabíola Marques, professora da PUC-SP
Fabíola Marques defende uma legislação específica para os trabalhadores de aplicativos, que garanta direitos mínimos, como recolhimento previdenciário e salário base. "Dá para fazer um meio-termo. Essa é uma nova forma de prestação de serviços."
O que diz o governo
O Ministério do Trabalho e Previdência afirmou ao UOL que "não há nova reforma trabalhista". Além disso, ressaltou um ponto que consta no relatório do Gaet, o de que "os documentos não contam, necessariamente, com a concordância, integral ou parcial, deste Ministério do Trabalho e Previdência ou mesmo do governo federal".
O ministério disse ainda, ao tratar das sugestões do Gaet, que "a posição de diálogo e construção é a que orienta o governo no presente momento". A pasta não respondeu sobre qual foi o encaminhamento dado às propostas.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.