Petrobras vende R$ 244 bi em 7 anos; críticos veem privatização disfarçada
Resumo da notícia
- Política de vendas de ativos começou em 2015, no governo Dilma
- Petrobras diz que vendas geram recursos para pagar dívidas e investir mais em exploração de petróleo
- Opositores dizem que vendas representam privatização disfarçada e prejudicam economia brasileira
A Petrobras já se desfez de R$ 243,7 bilhões em bens da companhia por meio de 68 transações que foram assinadas em sete anos, desde 2015. Nessas vendas, estão negócios como a distribuidora de combustíveis BR, polos de gás, gasodutos e campos de exploração de petróleo. Segundo a petroleira, esse plano busca gerar recursos para pagamento de dívidas e assim reforçar investimentos numa área que passou a ser considerada pela administração a mais importante do grupo: a de exploração de petróleo no pré-sal.
Opositores ao programa de venda de bens dizem que essa estratégia representa uma forma disfarçada de privatizar a Petrobras. Eles afirmam que a transferência dessas operações -muitas vezes para estrangeiros- cria monopólios que afetam a concorrência e reduzem a capacidade do Brasil para planejar e gerenciar as políticas de energia, de combustíveis e de petroquímica.
Vendas aceleradas no governo Bolsonaro
A maior parte das vendas aconteceram no governo Bolsonaro, mas elas vêm sendo feitas desde o governo Dilma Rousseff (PT). Veja a proporção de vendas em cada administração:
- Governo Dilma Rousseff (PT): R$ 26,9 bilhões (11% do total vendido até agora)
- Governo Michel Temer (PMDB): R$ 78,5 bilhões (32,2%)
- Governo Jair Bolsonaro (PL): R$ 138,2 bilhões (56,7%)
O que já foi vendido
Desde 2015 a Petrobras se desfez de bens no valor de R$ 243,7 bilhões, segundo levantamento do Observatório Social da Petrobras, ligado à Federação Nacional dos Petroleiros (FNP).
Os economistas da entidade usaram dados de balanços da Petrobras. O levantamento começa em 2015 porque foi o ano em que a petroleira iniciou de forma gerencial a política de venda de bens.
São considerados os negócios que já tiveram contratos de venda assinados, mesmo que algumas dessas operações ainda não tenham sido concluídas. Os valores foram convertidos para reais (muitos negócios são em dólar) e atualizados pelo IPCA..
Maiores negócios
Veja os bens mais caros vendidos no período:
- TAG (Transportadora Associada de Gás), rede de gasodutos do Norte e Nordeste: R$ 41 bilhões (2019)
- NTS (Nova Transportadora do Sudeste), controladora de gasodutos na região Sudeste: R$ 21 bilhões (2019)
- BR, distribuidora de combustíveis: R$ 12 bilhões (2021)
2020 teve o maior número de vendas: 23 bens e participações acionárias (R$ 52,8 bilhões).
2021 (até 7/12): 15 bens vendidos (R$ 30,2 bilhões).
O ano de 2021 também marca a venda da primeira refinaria da Petrobras, a Rlam (Refinaria Landulpho Alves), na Bahia, por R$ 10 bilhões.
A companhia quer ficar com apenas cinco das 13 refinarias que possuía no início de 2021.
Dívidas da empresa diminuem
O endividamento da Petrobras diminuiu inclusive em relação a indicadores de desempenho, como o lucro operacional (medido na forma de Ebtida, sigla em inglês para lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização).
A dívida bruta caiu para R$ 317,7 bilhões, em setembro de 2021, em comparação com R$ 435 bilhões em 2015.
A relação entre dívida líquida e Ebtida (lucro operacional) recuou para 1,17 vez em comparação com 5,31 vezes em 2015.
Os bens em destaque que restam
A Petrobras tem R$ 1,239 trilhão em bens. Isso inclui, entre os destaques, 12 refinarias, 5.646 poços produtores de petróleo e 60 plataformas de exploração de petróleo.
A Petrobras também possui 48 terminais e oleodutos, que fazem armazenamento e a distribuição de petróleo, gás e combustíveis.
Produção e lucros aumentaram
Em 2021, até setembro, a Petrobras teve lucro líquido de R$ 75,2 bilhões e produção de 2,83 milhões de barris de óleo equivalente por dia. O balanço do ano inteiro sai em fevereiro deste ano.
Nos nove primeiros meses de 2015, a companhia teve lucro líquido de R$ 2,1 bilhões e produção média de 2,23 milhões de barris por dia.
Petrobras defende vendas
A Petrobras criou um site com perguntas e respostas sobre as vendas de seus bens. Ali, a companhia diz: "Precisamos nos concentrar naquilo que sabemos fazer de melhor. Focar todo nosso esforço e energia naquilo que nos colocou como referência no mundo: a exploração e produção de petróleo em águas profundas".
Em entrevista ao UOL, o diretor de Finanças e Relacionamento com Investidores da Petrobras, Rodrigo Araujo Alves, afirmou que a Petrobras conseguiu reduzir a dívida e se tornou mais competitiva.
Ao focar em menos, mas melhores áreas de produção, diz o executivo, a Petrobras também consegue um produto que terá mais mercado por ser menos poluente.
Fazer gestão de portfólio é natural do setor. Cerca e 15% a 20% dos recursos para novos investimentos nesse setor são gerados pela venda de ativos. Assim é possível investir mais nos ativos que permitem maior retorno e que fazem mais sentido para o negócio da empresa.
Rodrigo Araujo Alves, Petrobras
Usar o dinheiro da venda de bens para reduzir dívidas também torna a empresa mais competitiva porque assim ela consegue investir a custos mais baixos e ser mais rentável, afirma Alves.
Investimentos em alta
O diretor da Petrobras afirmou que os investimentos realizados pela companhia estão aumentando. Em 2021, até o terceiro trimestre, a Petrobras investiu US$ 6,1 bilhões.
Conforme o plano de negócios da Petrobras para o período de 2022 e 2026, haverá a venda de US$ 15 bilhões a US$ 25 bilhões em bens. Os investimentos previstos são de US$ 68 bilhões (24% mais que no plano anterior, de 2017 a 2021).
É privatização disfarçada, dizem críticos
Opositores ao programa de vendas afirmam que estratégia representa uma privatização aos poucos, para driblar um debate com a sociedade civil.
A venda de ativos acontece depois que a Petrobras correu todos os riscos, de uma estratégia com objetivos que iam além dos interesses apenas de lucro. Além disso, é uma venda que ocorre no pior momento do setor, afetado pelo impacto da pandemia nos preços dos ativos. Estamos entregando nosso mercado no pior momento.
Vinícius Camargo, diretor do Sindipetro-RJ (Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro)
Especialistas do setor apontam que esse plano afeta as políticas de energia e petroquímica no país porque a Petrobras e os ativos da empresa são parte fundamental dos investimentos e de todo o planejamento das cadeias de combustíveis, energia e petroquímicos no país.
Sem nenhum debate com a sociedade civil, a gente está substituindo monopólio estatal por monopólio privado estrangeiro.
Eric Gil Dantas, economista do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibeps) e do Observatório Social da Petrobras
Para Ildo Sauer, ex-diretor executivo da Petrobras (2003 a 2007), a estratégia é míope. Segundo ele, ao concentrar atuação apenas na área de exploração, a empresa perde a proteção contra as variações dos preços no refino ou na exploração e produção.
Sauer, professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE-USP), diz que outro problema é que os bens vendidos já tiveram amortizados os investimentos feitos pela empresa ao longo dos anos.
Parte da valorização dos gasodutos, por exemplo, vem exatamente do fato de que a Petrobras assinou contratos de longo prazo para pagar o custo do transporte do gás.
O que a Petrobras está fazendo é vender um ativo cujo valor presente do dinheiro que ela recebe está vinculado a um dispêndio que ela mesma vai ter nos próximos anos. A empresa está queimando seus ativos para converter em lucros e distribuir aos investidores.
Ildo Sauer, IEE-USP
Atração de investidores e maior concorrência
Para o economista especialista em políticas energéticas Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie), a venda de ativos da Petrobras atrai investimentos de mais empresas, locais e estrangeiras, para os setores de gás e petróleo no Brasil.
Segundo ele, essas companhias poderão dedicar mais recursos e maior atenção aos negócios que estão assumindo do que a Petrobras vinha fazendo. E isso favorece o desenvolvimento do país.
Para ter capacidade de planejamento estratégico, o Brasil precisa de instituições públicas fortes, e não de investimento público. Isso significa fortalecer entes públicos, como a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) e o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), que garantam concorrência e qualidade do produto, independentemente de quem seja o dono das operações.
Adriano Pires, Cbie
Governo não comenta
Procurados para rebater os comentários de que a venda de ativos da Petrobras reduz a capacidade de planejamento do governo nas políticas de energia e de combustíveis, nem a Presidência da República nem o ministério da Economia responderam até a publicação deste texto.
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