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MP do INSS sobrecarrega servidores e não reduz filas, dizem especialistas

Medidas do governo têm como objetivo diminuir as filas do INSS, mas são ineficazes, segundo especialistas - Evandro Leal/Enquadrar/Estadão Conteúdo
Medidas do governo têm como objetivo diminuir as filas do INSS, mas são ineficazes, segundo especialistas Imagem: Evandro Leal/Enquadrar/Estadão Conteúdo

Anaís Motta

Do UOL, em São Paulo

10/05/2022 04h00

Mudanças no INSS (Instituto Nacional do Serviço Social) anunciadas pelo governo como importantes para reduzir as filas não devem ter esse efeito e ainda ameaçam sobrecarregar servidores, segundo especialistas e um representante da categoria ouvidos pelo UOL. Até fevereiro, segundo o próprio INSS, mais de 1,7 milhão de pedidos de benefícios estavam "em análise". A maior parte deles, 1,1 milhão, há mais de 45 dias. Outros 487 mil esperam perícia médica.

As mudanças constam na MP (Medida Provisória) 1.113, assinada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) em 20 de abril. A ideia central, segundo o governo, é tornar o processo mais célere, dando "agilidade na concessão de benefícios como pensões, aposentadorias e BPC [Benefício de Prestação Continuada]".

O UOL procurou o Ministério do Trabalho e Previdência duas vezes para questioná-lo sobre as críticas feitas à MP, mas não recebeu retorno até a publicação desta reportagem.

As alterações afetam dois tipos de benefícios:

Auxílio por incapacidade temporária (auxílio-doença)

É aquele concedido quando o trabalhador tem um problema de saúde passageiro, que prejudica temporariamente sua capacidade de trabalhar.

O que mudou? Agora esse benefício poderá ser concedido sem que o trabalhador passe por perícia médica.

Auxílio-acidente

É o benefício pago ao trabalhador acidentado que sofreu sequelas definitivas, que reduziram sua capacidade para o trabalho.

O que mudou? Esses benefícios foram incluídos no pente-fino do INSS, o que significa que os beneficiários precisarão passar por novas perícias de tempos em tempos.

Auxílio-doença sem perícia

A dispensa da perícia médica pode sobrecarregar o trabalho dos servidores em alguns casos, diz o advogado Marco Aurélio Serau Júnior, professor da UFPR (Universidade Federal do Paraná).

Esses funcionários passariam a ter uma nova função, antes atribuída aos peritos: a de analisar documentos e laudos médicos para determinar se um cidadão tem ou não direito a um benefício previdenciário ou assistencial.

"Pelos termos da MP, quem fará essa análise não serão os peritos, então é uma atribuição nova aos servidores [administrativos]", afirma.

Cristiano dos Santos Machado, diretor da Fenasps (Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Previdência e Assistência Social), diz que os servidores já estão "no limite" e que as mudanças previstas na MP vão piorar esse cenário.

"Nós temos colegas que fazem 50, 60 horas por semana para conseguir cumprir as metas de produtividade. Já há uma sobrecarga sobre os servidores", diz. "A categoria já chegou ao seu limite, está adoecendo. Essa sobrecarga de trabalho tem um limite humano. Se você pensar em um servidor que está trabalhando 12, 15 horas por dia, é natural que os erros de análise possam aumentar, por exemplo."

Não vai acontecer [redução na fila do INSS]. Na verdade, eles estão precarizando o serviço. Se não tem mais perícia, eu [governo] não faço concurso para contratar médicos peritos, para contratar novos servidores. Aí o governo aperta o torniquete em cima do servidor para cumprimento de metas. Isso vai levar a um aumento da jornada de trabalho [dos atuais servidores].
Cristiano dos Santos Machado, diretor da Fenasps

Para Serau Júnior, "o importante é que o regulamento, a ser apresentado pelo governo federal, indique algumas hipóteses mais precisas, com um roteiro de trabalho para os servidores."

Ele faz referência ao ato do Ministério do Trabalho e Previdência para regulamentar os termos estabelecidos pela MP, que ainda não foi publicado.

'Pente-fino' do auxílio-acidente

Tanto Serau Júnior, da UFPR, quanto Machado, da Fenasps, dizem acreditar que o mais importante é a forma como as mudanças previstas na MP serão aplicadas na prática.

Para o professor, a inclusão do auxílio-acidente no chamado "pente-fino" do INSS "faz sentido", mas precisa ser feita com rigor para não prejudicar os segurados.

"O auxílio-acidente é pago a quem tem alguma incapacidade parcial para o trabalho. Essas lesões eventualmente podem ter alguma mudança. É interessante que o INSS faça a revisão desses benefícios, mas é preciso haver razoabilidade. Espero que o INSS tenha muito critério, muito cuidado", diz Serau Júnior.

Para ele, a medida também sobrecarrega o trabalho dos servidores, porque é mais uma atribuição. "Não podemos ser cegos para isso", afirma.

O diretor da Fenasps classificou a revisão periódica do auxílio-acidente como "arriscada", ainda que reconheça ser uma prerrogativa do INSS convocar os segurados para refazer os exames regularmente.

Muitos segurados que recebem outros benefícios, já sujeitos a revisão, ficam surpresos ao chegar a uma agência do INSS e descobrir que deveria ter feito a perícia médica, diz Machado, que é servidor administrativo.

"A pessoa só descobre quando o benefício já está cortado", afirma.

Ele também critica o termo usado pelo governo, "pente-fino". "É até pejorativo com os segurados, com os trabalhadores doentes e lesionados. É como se eles quisessem excluir essas pessoas da Previdência", diz.

O IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário) também se posicionou contra a inclusão do auxílio-acidente no "pente-fino" do INSS.

Para a entidade, a mudança "afronta" a essência do benefício, que tem como objetivo indenizar vítimas de acidentes de trabalho com sequelas definitivas, que tenham causado perda parcial de sua capacidade laboral. Se as sequelas são permanentes, diz, não faz sentido revisá-las periodicamente.

"Como se pode considerar, por exemplo, a reversão de um membro amputado ou um tendão rompido?", disse o IBDP em nota técnica, acrescentando que uma mudança como esta não deveria ser feita por meio de MP, já que não é "urgente" ou "relevante".

Novos concursos

Todas os citados na reportagem defendem a contratação de novos servidores como forma de reduzir a fila de espera.

Em 2012, o INSS tinha 37.980 funcionários. Já em 2020, de acordo com os últimos dados divulgados, eram 20.555 —uma redução de quase 46% em oito anos. O último concurso foi feito em 2015.

"Essa MP não muda muita coisa em relação ao atual cenário do INSS. É ilusão achar que o atual quadro de servidores, mesmo trabalhando em jornadas extensivas, vai reduzir as filas. A redução só vai se dar com a contratação de novos servidores. Só assim a gente conseguiria dar vazão a esses processos", avalia Machado, da Fenasps.

Para o IBDP, as medidas —em especial, a possibilidade de concessão de benefícios sem perícia médica— podem ser irrisórias "caso não haja aumento na estrutura de pessoal qualificado para tal intento, haja vista que os documentos médicos dependem de conhecimento técnico para que a análise seja eficaz."

Especialistas ouvidos pelo UOL no final do mês passado já haviam atribuído a demora na concessão de benefícios à redução no quadro de servidores do INSS. Nos últimos dez anos, o tempo médio de espera quase triplicou, passando de 30 dias em janeiro de 2012 para 82 dias em fevereiro deste ano.