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Em 10 anos, quase triplica tempo de espera para INSS liberar benefícios

Em janeiro de 2012, o INSS levava 30 dias, em média, para aprovar um benefício; em fevereiro de 2022, prazo foi de 82 dias - Evandro Leal/Enquadrar/Estadão Conteúdo
Em janeiro de 2012, o INSS levava 30 dias, em média, para aprovar um benefício; em fevereiro de 2022, prazo foi de 82 dias Imagem: Evandro Leal/Enquadrar/Estadão Conteúdo

Anaís Motta

Do UOL, em São Paulo

24/04/2022 04h00Atualizada em 25/04/2022 09h25

O tempo médio que o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) leva para conceder benefícios previdenciários e assistenciais quase triplicou em dez anos. Em janeiro de 2012, eram 30 dias; em fevereiro deste ano —último dado disponível—, a espera foi de 82 dias, segundo dados do governo federal.

Ao todo, mais de 1,4 milhão de pessoas estão com pedidos em processo análise, e a maior parte delas (1,1 milhão) espera há mais de 45 dias por uma resposta. Para especialistas ouvidas pelo UOL, a demora é consequência da redução no quadro de servidores, que não conseguem dar conta da atual demanda, intensificada pela pandemia de covid-19.

De janeiro de 2012 a setembro de 2015, o tempo médio para aprovação de benefícios não passou de 40 dias. A partir de outubro de 2015, porém, o intervalo foi aumentando gradativamente, chegando a ultrapassar a marca de 100 dias em janeiro (108) e abril de 2021 (102). Enquanto isso, o número de benefícios concedidos por mês permaneceu quase estável: em fevereiro deste ano, foram 377,5 mil; em 2012, 364,6 mil.

A grande diferença está no número de servidores: em 2012, o INSS tinha 37.980 funcionários. Já em 2020, de acordo com os últimos dados divulgados, eram 20.555 —redução de quase 46% em oito anos. O último concurso foi feito em 2015.

"Se eu dou entrada em um pedido de aposentadoria, por exemplo, eu preciso que o INSS tenha servidores para analisá-lo. Mas o que acontece agora é que os servidores têm se aposentado e não tem havido substituição. Tem havido essa precarização [no serviço]. E o INSS não está dando conta de atender às pessoas", avalia a advogada Thais Riedel, mestre em Direito Previdenciário e professora no UniCEUB (Centro Universitário de Brasília).

Ela elogia os investimentos em tecnologia feitos nos últimos anos pelo INSS, que permitiram às pessoas fazer solicitações pelo telefone ou pelo aplicativo Meu INSS, reduzindo as "filas imensas" nas agências. O problema, acrescenta, é que a digitalização não acabou com a espera, mas apenas tornou-a virtual. "Você não tem fila para dar entrada no processo, mas tem fila para analisá-lo".

O UOL entrou em contato com o Ministério do Trabalho e Previdência e o INSS para perguntar sobre o problema, mas não havia recebido um retorno até o momento de publicação desta matéria.

A quantidade de pessoas para as perícias também é insuficiente para a demanda -que, inclusive, aumentou muito na pandemia. Com as pessoas morrendo, há mais pedidos de pensão por morte; com mais pessoas doentes, há mais pedidos de auxílio-doença. Não havendo concursos e não repondo os servidores que saíram, fica difícil.
Thais Riedel, advogada

Acordo ineficaz

Em acordo firmado com o MPF (Ministério Público Federal) em novembro de 2020, o INSS se comprometeu a reduzir o tempo para análise e concessão de benefícios. Os prazos estipulados variavam de acordo com o tipo de benefício, partindo de 30 dias para salário-maternidade, por exemplo, e chegando a 90 dias para aposentadorias e BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a idosos e pessoas com deficiência e baixa renda.

Na prática, porém, a medida não surtiu efeito, e o tempo de espera só aumentou.

"A legislação original falava de 30 dias de prazo, prorrogáveis por mais 30. Mas isso nunca era cumprido, e por isso você tinha várias ações na Justiça. Aí foi feito esse acordo entre o INSS e o MPF no sentido de estipular esse prazo máximo de 90 dias, mas o que deveria ser exceção se tornou uma regra", explica Juliana Teixeira Esteves, professora de Direito do Trabalho e Seguridade Social da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).

"Para o BPC, por exemplo, que é o benefício que atinge o maior número de pessoas, o prazo é este de 90 dias. Isso vai de encontro com a lei do próprio INSS."

Consequências

Greve - Evandro Leal/Enquadrar/Estadão Conteúdo - Evandro Leal/Enquadrar/Estadão Conteúdo
Em março, greve dos peritos médicos reduziu os atendimentos nas agências do INSS de Porto Alegre (RS)
Imagem: Evandro Leal/Enquadrar/Estadão Conteúdo

Além de afetar financeiramente os segurados, a demora na aprovação de benefícios previdenciários e assistenciais gera uma judicialização excessiva, já que as pessoas não atendidas acabam recorrendo à Justiça. "Isso acaba saindo mais caro para o Estado também. O custo de um processo judicial é cerca de três, quatro vezes maior que o de um processo administrativo, como é a análise dos pedidos", diz Thais Riedel.

A advogada também cita o dano moral, uma vez que a população desassistida pode deixar de pagar dívidas e acabar com o nome sujo, além de não conseguir se sustentar. "É claro que, quando o INSS pagar [o benefício], vai ter que pagar corrigido, mas até lá tem toda essa situação vexatória, de constrangimento. É um dano moral, não só material", acrescenta.

Já Juliana Teixeira Esteves, da UFPE, ainda vê um problema "secundário": a disseminação da ideia de que o serviço público, em geral, é ineficiente e deveria ser privatizado.

Me parece que essa situação tenta educar as pessoas de que o serviço público como um todo é demorado, que talvez fosse melhor aderir a um sistema privado de Previdência. Aí acaba casando com esse discurso do atual governo de 'vamos privatizar tudo'. Algumas pessoas podem chamar de teoria da conspiração, mas é como vejo.
Juliana Teixeira Esteves. da UFPE

Contratação e treinamento

As duas especialistas ouvidas pelo UOL mencionaram a contratação de mais servidores como principal solução para reduzir o tempo médio de análise dos pedidos de benefícios, que consideram longo demais. Thais Riedel também defendeu investimentos no treinamento dos atuais funcionários para que eles possam orientar melhor a população e, assim, agilizar todo o processo.

"A gente precisa identificar quais são os gargalos, onde a gente está tendo problemas", afirma. "O processo é mal instruído. O trabalhador mal consegue entrar na internet e, quando consegue, às vezes faz o pedido errado. É obrigação do INSS orientar o segurado sobre qual o melhor benefício, porque às vezes a pessoa dá entrada em um, mas poderia estar recebendo outro mais vantajoso."

"São necessários investimentos em mais postos de atendimento, em contratação de novos funcionários e novos médicos. Faz tempo que não são contratados peritos", completa Juliana Teixeira Esteves, dizendo que os recursos para bancar essas medidas partiriam do próprio Orçamento anual do governo federal, que já prevê repasses ao INSS. "A própria Constituição Federal estabelece que a Seguridade Social deve ter um orçamento próprio."

Em 2022, porém, esse dinheiro foi reduzido: apesar de o Congresso Nacional ter aprovado verba de quase R$ 2,4 bilhões ao INSS, o presidente Jair Bolsonaro (PL) vetou R$ 988 milhões —quase metade.

Especialistas ouvidos em janeiro pelo UOL já haviam alertado que esse corte poderia atrasar a concessão de benefícios previdenciários e assistenciais, prejudicar o atendimento dos segurados e levar ao fechamento de agências. Já a Fenasps (Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social) citou a possibilidade de aumento na fila de espera.

No final de março, servidores do INSS iniciaram uma greve para reivindicar reajuste salarial de 19,99%, além de melhoria das condições de trabalho e a realização de concurso público para recompor o quadro de funcionários. De acordo com a Fenasps, a paralisação atingiu ao menos 21 estados e continua até hoje.