Brasil é autossuficiente, mas importa petróleo porque não faz refinarias
Resumo da notícia
- Brasil produz mais do que consome, mas precisa importar petróleo e combustíveis
- Capacidade das refinarias no Brasil é 20% menor que produção de petróleo no país
- Petrobras, responsável por 75% do refino no país, reduziu investimentos no setor
- Crescimento do refino depende agora de mais investimentos privados
O Brasil é autossuficiente em petróleo: produz uma média diária de 3 milhões de barris de petróleo, volume mais que suficiente para atender ao consumo doméstico, de 2,5 milhões de barris diários. Mas mesmo assim precisa importar petróleo e também derivados, como gasolina e diesel. Por que isso acontece?
Essa necessidade é provocada pela baixa capacidade de processamento das refinarias instaladas no país. A quantidade refinada permanece estagnada ao redor de 2,3 milhões de barris desde 2015, em meio à queda de investimentos no setor.
Segundo projeções da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ligada ao governo, a produção nacional de petróleo deve saltar 53,8% até 2031, para 5,2 milhões de barris/dia, mas o aumento no volume de petróleo processado nas refinarias brasileiras será de apenas 10,2%.
Faltam investimentos
Estimativas do Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP) apontam que o país precisa de R$ 120 bilhões de novos investimentos em infraestrutura para garantir o abastecimento nacional até 2035, o que dá uma média anual de R$ 9,2 bilhões de aportes no setor.
Mas a média de investimentos anuais não vem crescendo. Era de R$ 14 bilhões entre 2002 e 2016, ficou em R$ 6 bilhões, de 2017 a 2021. No novo plano estratégico da companhia 2022-2026, a Petrobras planeja injetar US$ 6,1 bilhões (R$ 29,9 bilhões pela cotação de 19.05), ou uma média anual de R$ 6 bilhões até 2026.
Motivos para menos investimentos
Segundo especialistas e executivos do setor ouvidos pelo UOL, a combinação de cinco fatores emperra a atração de mais investimentos nas refinarias brasileiras. Veja abaixo.
- Margens menores de lucro: As margens de lucro no refino são historicamente menores que na extração e produção de petróleo, apontam especialistas. Isso acontece porque o processamento dos combustíveis é uma atividade de menor risco que a exploração de petróleo. Uma refinaria é uma operação industrial, planejada a partir de uma demanda de mercado que é conhecida. A produção de petróleo é mais incerta e arriscada, por isso a margem de lucro é maior.
- Posição da Petrobras: Para alguns especialistas, a posição ainda dominante da Petrobras no refino brasileiro afasta investidores interessados em colocar dinheiro no setor, pois a estatal tem capacidade de influenciar preços de mercado e ainda domina grande parte da logística de distribuição e armazenamento.
- Logística: Para disputar mercado com uma refinaria da Petrobras, não basta a um concorrente construir outra unidade industrial. Essa empresa precisa ter acesso à rede de dutos, ferrovias, estradas e terminais de importação e exportação de derivados, que pertencem à estatal.
- Capacidade de definir preços: Como é controlada pelo governo, a Petrobras pode tomar decisões baseadas em critérios que não sejam econômicos, mesmo quando isso represente práticas de preços que gerem perdas nessa atividade. Essa opção afeta os demais competidores, uma vez que a estatal petroleira domina a maior parte do mercado.
- Segurança jurídica: A falta de transparência ou de regulação na política de preços de derivados, ora alinhada aos preços internacionais, ora abaixo de valores rentáveis, inibe investimentos privados no setor, apontam especialistas.
O sócio fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie), Adriano Pires, que chegou a ser convidado pelo governo, em março, para presidir a Petrobras, diz que, ao deter 75% do refino no Brasil, a estatal tem o poder de estabelecer preços de referência no mercado de combustíveis.
O Brasil é o quarto maior consumidor de combustíveis do mundo, mas o que incomoda o investidor é a preocupação de que a qualquer momento o governo possa intervir nos preços das refinarias.
Adriano Pires
Para a diretora-executiva de derivados do Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), Valéria Lima, existem amplas oportunidades de investimentos em infraestrutura de produção e logística no Brasil que podem garantir maior segurança do abastecimento nacional e até uma redução do custo total de abastecimento. Mas ela aponta que ainda falta segurança jurídica para que mais empresas entrem nesse mercado.
Os projetos nessa indústria são intensivos em capital, com retornos no longo prazo, demandando clareza e estabilidade das regras para a realização de negócios. Assim, a migração para esse novo cenário depende de segurança jurídica, regulatória e fiscal, considerada pelos investidores em suas decisões.
Valéria Lima
Papel central da Petrobras
Por lei, a Petrobras tinha exclusividade de atuação no setor de refino até 1997. A Petrobras montou ao longo de décadas uma rede de 15 refinarias, sendo 14 delas inauguradas antes dos anos 1980.
Após uma década de 1990 marcada por baixos investimentos por causa da crise econômica, a Petrobras ampliou os aportes no refino, a partir de 2007. O parque de refino dobrou a capacidade de processamento ao longo da década.
Mas, a partir de 2014, dois fatores mudaram os planos: o início da Operação Lava Jato, que investigou desvios de recursos, e a queda do preço do petróleo, cuja cotação do barril desabou de US$ 110 para US$ 30.
Capacidade de refino (em milhões de barris/dia)
- 1965: 0,8
- 1975: 1
- 1985: 1,4
- 1995: 1,5
- 2005: 1,8
- 2015: 2,3
- 2022: 2,4
Investimentos da Petrobras em refino e distribuição de derivados
- 2002/2006: R$ 18,6 bilhões
- 2007/2011: R$ 96,5 bilhões
- 2012/2016: R$ 90,8 bilhões
- 2017/2021: R$ 6,2 bilhões
- 2022/2026*: R$ 6 bilhões
Fontes: BNDES e Petrobras (*plano de negócios da Petrobras)
Transição após monopólio da Petrobras
Para alguns especialistas e para a atual direção da Petrobras, a saída da estatal de algumas refinarias vai atrair empresas e investidores.
A Petrobras iniciou o processo de venda de refinarias. O plano é ficar com apenas cinco unidades.
Entre os principais projetos no setor dentro do plano 2022-2026, a Petrobras destaca investimentos de US$ 1,5 bilhão na integração entre a Refinaria Duque de Caxias (Reduc) e o GasLub Itaboraí, para a produção de derivados de alta qualidade e óleos básicos, a fim de aproveitar a crescente demanda do mercado de lubrificantes, e a conclusão da segunda unidade da Refinaria Abreu e Lima (Rnest), com investimentos de US$ 1 bilhão, possibilitando a ampliação de sua capacidade de refino de 115 mil para 260 mil barris por dia (bpd) em 2027.
Ao desinvestir em refinarias, a companhia ajuda a reduzir a concentração de mercado e favorece a concorrência.
Rodrigo Araujo Alves, diretor de Finanças e Relacionamento com Investidores da Petrobras
O mercado brasileiro tem potencial para atrair investimentos privados para o setor de refino desde que a gente tenha concorrência e regras claras.
Adriano Pires
Essa abertura do setor de refino é importante para atrair capital privado, dinamizar o mercado nacional e aproveitar as potencialidades brasileiras, reduzindo os custos logísticos, viabilizando a modernização do parque de refino e ampliando a oferta de produtos.
Valéria Lima
Críticas às vendas das refinarias
Para o economista do Observatório Social da Petrobras (OSP) e do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibeps) Eric Gil Dantas, a capacidade de investimento em refinarias da Petrobras é maior que o de empresas privadas.
Segundo ele, o custo total para extrair o petróleo -incluindo impostos, amortizações e refino- é de US$ 42,4 o barril. Considerando valores no mercado interno de US$ 104,62, a Petrobras tem uma margem de US$ 62,22 de lucro operacional.
Não vemos a participação da Petrobras como um problema, e sim como a solução. A Petrobras produz o óleo e refina, então a margem para absorver variações é muito grande.
Eric Gil Dantas
Para o vice-diretor do Instituto de Energia da USP/IEE, Ildo Sauer, ex-diretor da Petrobras, existe uma lógica de negócio quando a Petrobras participa em diferentes etapas da cadeia do petróleo, em que uma atividade pode financiar outra área.
As margens maiores na produção, por exemplo, permitiram à companhia investir mais em refino. Por isso a estatal tem maior poder para aportar recursos de forma eficiente nessas atividades.
Sauer diz ainda que dificilmente há condições competitivas de infraestrutura e logística para uma refinaria atender a regiões distantes de sua área de atuação. Portanto, ao vender refinarias, o governo está apenas transferindo monopólios regionais para empresas privadas.
Ministério diz que estimula negócios
Procurado, o Ministério de Minas e Energia afirmou que a construção de refinarias de petróleo para produção de derivados ou de terminais aquaviários para armazenagem e movimentação de derivados é de livre iniciativa dos agentes econômicos, respeitando o arcabouço regulatório vigente e que "atua no sentido de tornar o ambiente de negócios favorável à realização desses investimentos, por meio de medidas e ações que tenham como pilares a previsibilidade das regras e a segurança jurídica e regulatória".
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