'Com tudo caro, temos de escolher: ir a restaurante ou pagar outras contas'
Desde que a livre circulação de pessoas foi retomada, após a fase mais intensa da pandemia, a designer Luísa Tessari, 25, está sendo mais cuidadosa nos gastos com bares e restaurantes. Moradora de Saquarema, no litoral do estado do Rio de Janeiro, ela e os pais costumavam frequentar restaurantes a cada 15 dias antes da covid-19. Agora, as saídas são raras.
"Não só o preço da comida, mas o preço de tudo está mais alto. Nós acabamos tendo que adaptar os gastos e ver o que é necessário ou não", afirma Tessari. "É preciso escolher entre sair ou pagar uma conta."
Fã de comida japonesa, ela tem evitado estabelecimentos dessa especialidade, já tradicionalmente mais caros.
A designer faz parte de uma parcela da população que, antes da pandemia, ia mais a restaurantes e pedia comida em casa com frequência. Com a inflação elevada, foi preciso se adaptar.
Está realmente mais caro comer fora? Os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que, do fim de 2019 (antes da pandemia) até junho de 2022, a alimentação fora do domicílio ficou em média 16,5% mais cara.
É menos que a inflação geral para o período, de 21,3%, mas indica que os brasileiros estão, de fato, tendo que gastar mais em bares e restaurantes.
Qual é a consequência? Com o orçamento apertado, é natural que famílias —como a de Tessari— façam escolhas na hora de gastar.
Nos últimos dois meses, a alta de preços em bares e restaurantes ficou acima da média da inflação. Em maio, comer fora de casa ficou 0,61% mais caro e, em junho, 1,26%.
Impacto no consumo
O dentista Eduardo Oliveira dos Santos, 31, também precisou se adaptar à alta de preços. Morador de Ponta Grossa (PR), ele tem trocado as idas a bares e restaurantes por almoços e jantares em casa.
"Antes, eu saía mais. Agora, principalmente no último ano, tenho preferido comprar produtos no supermercado e cozinhar em casa", afirma. "Apesar de os produtos no supermercado também terem aumentado de valor, notei que compensa cozinhar."
Santos explica que vem diminuindo os gastos com alimentação fora de casa desde o início da pandemia. "Antes, ia a restaurantes pelo menos uma vez por semana. Agora, se for uma vez por mês, já é bastante."
Impacto nos restaurantes
A alta da inflação, em especial dos preços dos alimentos, tem elevado o custo dos restaurantes. Do fim de 2019 até junho deste ano, a inflação de alimentos e bebidas foi de 33,5%. Somente em junho, o aumento foi de 0,8%.
Restaurantes estão repassando custos? O problema é que, para manter clientes, muitos estabelecimentos estão segurando o repasse de custos para o cardápio.
Pesquisa da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), feita com donos de bares e restaurantes de todo o país entre 21 e 28 de junho, mostra que há dificuldades para reajustar preços. Foram ouvidos 1.689 empresários do setor.
Os principais resultados do levantamento são os seguintes:
- Repasse do aumento de custos: 45% dizem ter reajustado abaixo da inflação; 29% não fizeram reajustes; 23% aumentaram conforme a inflação; 3% subiram acima da inflação
- Lucratividade: 35% dizem que tiveram lucro em maio; 29% tiveram prejuízo; 36% ficaram em equilíbrio
De acordo com o presidente da Abrasel, Paulo Solmucci, na média os estabelecimentos estão registrando boa frequência de clientes nos últimos meses, desde que foi retomada a circulação de pessoas. O faturamento médio também está crescendo.
Então, qual é o problema? Solmucci explica, no entanto, que nem todos os estabelecimentos estão conseguindo repassar o custo da inflação. Na última pesquisa da Abrasel, o percentual de empresários que fizeram reajustes abaixo da inflação ou que não aumentaram preços é de 74%.
Além disso, embora a frequência de clientes não tenha diminuído, considerando a média de todos os estabelecimentos, Solmucci diz que bares e restaurantes voltados para a classe média estão com mais dificuldades.
"O topo da pirâmide está com mais facilidade para repassar preços, para receber clientes. Até porque atende uma classe mais endinheirada", explica. "A base também está melhor, porque há auxílios. Já os restaurantes mais focados na classe média, na classe C, estão sofrendo mais."
Dificuldades para reajustar
A empresária Eliana Maria da Silva Ferreira, 54, tem enfrentado dificuldades para repassar os custos. Proprietária de duas unidades do restaurante Box 49 em Belém (PA), ela atualizou o cardápio há cerca de um mês.
"Mas quando o cliente chegava, ele acabava reclamando", afirma. "Muitas vezes eu fazia o preço antigo."
Especializado em frutos do mar e em comidas típicas do Pará, o Box 49 viu o perfil da clientela mudar na pandemia, em meio à crise econômica.
Conforme a proprietária, muitos clientes antigos sumiram —e quem ficou está gastando menos.
"Eu tinha clientes que vinham todo domingo com a família. Hoje eles aparecem uma vez por mês", afirma. "Antigamente, uma família de quatro pessoas pedia um [prato de] camarão e um peixe com açaí. Agora, ela pede apenas o peixe e divide", exemplifica.
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