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Brasileiros contam como trocam prato de comida por lanche para economizar

As irmãs Jolivania e Jolene Souza à espera de um cachorro quente na hora do almoço - Vinicius de Oliveira/Colaboração para o UOL
As irmãs Jolivania e Jolene Souza à espera de um cachorro quente na hora do almoço Imagem: Vinicius de Oliveira/Colaboração para o UOL

Vinícius de Oliveira

Colaboração para o UOL, em São Paulo

21/07/2022 04h00

A alta dos preços dos alimentos está levando o brasileiro a trocar refeições por lanches fora de casa. De acordo com uma pesquisa feita pela consultoria Kantar, mais da metade dos entrevistados afirmou que a pandemia mudou muito seus hábitos de alimentação na rua.

O que aconteceu? O estudo aponta que as refeições fora de casa caíram 25% na comparação entre o primeiro trimestre de 2022 e o mesmo período em 2020. Além disso, aumentou o consumo de lanches (3,9%) e caiu o consumo de refeições completas (-3,3%).

O principal motivo para isso é a alta dos preços da comida fora de casa. Enquanto os brasileiros gastam em média R$ 10,43 para comer um sanduíche ou um salgado, para fazer uma refeição completa na hora do almoço é preciso desembolsar um valor médio de R$ 43,94.

O estudo da Kantar aponta que lanches fora de casa ficaram 11% mais caros. Refeições tiveram reajuste de 21%. O brasileiro tem optado por pastéis, hambúrgueres, salgados e cachorros-quentes por custarem em média um quarto do preço de um prato de comida em um restaurante.

Quais os problemas dessa troca? Para Rodrigo Kiko Afonso, diretor-executivo da Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida, a troca da refeição completa por um lanche representa uma insegurança alimentar leve, pois as pessoas passam a não comer corretamente. "Não dá para você trocar uma refeição por uma empadinha", diz.

No Brasil, pelo menos 60 milhões de pessoas estão em situação de insegurança alimentar leve, cenário em que há queda na qualidade dos alimentos consumidos e preocupação se haverá comida na mesa no futuro.

Coxinha enquanto vai tratar um câncer: É o caso das irmãs Jolivania, de 38 anos, e Jolene Souza, de 40 anos. Desempregadas, elas têm de comer lanches para economizar quando saem de casa. Moradora do extremo sul de São Paulo, Jolivania conta que faz tratamento no Centro Oncológico Bruno Covas, na Vila Santa Catarina, e é acompanhada por sua irmã.

Depois de passar a manhã no hospital, elas pegam dois ônibus para chegar em casa, no Jardim Gaivota. Entre uma condução e outra, param para comer um cachorro-quente ou pastel. Se o dinheiro está mais curto no dia, pode ser um croissant ou uma coxinha.

Alessandro - Vinicius de Oliveira/Colaboração para o UOL - Vinicius de Oliveira/Colaboração para o UOL
O motorista Alessandro Andrade diz que come pastel ou sanduíche no almoço para economizar tempo e dinheiro
Imagem: Vinicius de Oliveira/Colaboração para o UOL

Pastel para economizar e ganhar tempo: O motorista Alessandro Andrade, 40, diz que prefere comer lanches na hora do almoço por ser mais rápido. Há um ano e meio, ele se alimenta na hora do almoço com pastéis, hambúrgueres ou cachorros-quentes. Além de economizar dinheiro, ele conta que tem muito pouco tempo para fazer a refeição.

Inflação e pandemia: Os dados da pesquisa da Kantar mostram que 62% dos brasileiros ainda estão preocupados com a continuação da pandemia de covid-19 e o impacto em suas vidas profissional e financeira. Além disso, a inflação alta tem corroído o poder de compra.

Os consumidores estão mais preocupados e se planejam melhor no momento de gastar o dinheiro —quase 46% estão comprando mais itens em promoção, para tentar economizar.

Os comerciantes também perdem? A inflação também pesa para os donos de barracas de lanche, que tentam economizar onde dá, para manter o preço mais baixo.

Solange - Vinicius de Oliveira/Colaboração para o UOL - Vinicius de Oliveira/Colaboração para o UOL
Solange Maria, proprietária da barraca de rua Bem Lanches, na zona sul de São Paulo
Imagem: Vinicius de Oliveira/Colaboração para o UOL

Solange Maria, de 32 anos, proprietária da barraca Bem Lanches, localizada na frente do shopping SP Market, conta que tem evitado repassar o custo dos alimentos para os clientes.

A maioria dos seus clientes é de homens, que buscam sanduíches robustos —para sustentar o dia inteiro— e que sejam práticos. Seu carro-chefe é o x-calabresa, que leva pão francês, linguiça, queijo e vinagrete, por R$ 8. "O brasileiro sempre comeu lanche para economizar, só que agora está difícil para todo mundo", afirma.

Quanto subiu a comida? De acordo com IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), os alimentos e as bebidas ficaram 13,93% mais caros nos últimos 12 meses, com destaque para legumes (65,71%), verduras (29,28%), frutas (28,90%), leites e derivados (25,40%).

Os valores estão acima da inflação oficial medida no mesmo período, que foi de 11,89% de acordo com IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

O que acontece daqui para a frente? Segundo Rodrigo Kiko Afonso, da Ação da Cidadania, a preocupação é que as pessoas com insegurança alimentar leve passem a um estágio pior, de insegurança alimentar moderada ou grave. Já são 65 milhões de brasileiros nessa situação.

  • Insegurança alimentar leve: quando cai a qualidade do alimento consumido e há receio de faltar comida no futuro;
  • Insegurança alimentar moderada: quando há restrição na quantidade de comida e a família pula uma das refeições;
  • Insegurança alimentar grave: quando não há comida

Mais de 60% da população brasileira (125 milhões de brasileiros) está em algum grau de insegurança alimentar. Por isso, a Ação da Cidadania tem investido em uma nova campanha para ajudar as pessoas em situação mais grave: 33 milhões de pessoas (ou 15% da população) que hoje não têm o que comer.

O que se pode fazer? A ação "Pacto pelos 15% com Fome" deve unir entidades da sociedade civil, empresas, grupos de mídia, agências de comunicação, artistas e influenciadores para arrecadar doações e cadastrar novos voluntários para a luta contra a insegurança alimentar.

"São 14 milhões de novas pessoas sem acesso à alimentação em pouco mais de um ano. É inaceitável", declara Rodrigo Kiko Afonso. Quem quiser ajudar pode doar diretamente para as ONGs e organizações que fazem parte da ação social.