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O que muda para passageiros e moradores com a privatização de Congonhas

Congonhas será privatizado junto com outros 14 aeroportos em seis estados - Eduardo Knapp/Folhapress
Congonhas será privatizado junto com outros 14 aeroportos em seis estados Imagem: Eduardo Knapp/Folhapress

Pedro Leite Knoth

Colaboração para o UOL, em São Paulo

18/08/2022 04h00Atualizada em 19/08/2022 11h56

Segundo mais movimentado do país em número de passageiros, o aeroporto de Congonhas, dentro da cidade de São Paulo, foi leiloado hoje pelo governo federal à iniciativa privada. O terminal, com capacidade para receber 40 voos por hora, foi arrematado em um bloco com outros dez aeroportos pela Aena Desarrollo Internacional, um consórcio espanhol, por R$ 2,45 bilhões. O consórcio foi o único interessado no lote. O valor é 231,02% superior ao lance inicial mínimo, de R$ 740,1 milhões. O grupo espanhol já opera seis aeroportos no país, incluindo o de Recife. No total, o leilão passou 15 aeroportos para a iniciativa privada, por R$ 2,72 bilhões.

O UOL ouviu especialistas para explicar o que pode mudar com a privatização de Congonhas, tanto para passageiros quanto para os moradores do entorno, que são afetados pelo movimento e pelo barulho.

    Por que a privatização de Congonhas importa? O aeroporto é o segundo mais movimentado do Brasil, atrás apenas de Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo. Sua vantagem é a proximidade do centro da maior cidade do país, de apenas 8,7 quilômetros. Também é perto de centros empresariais, como a avenida Faria Lima, sendo a principal opção para viagens de negócios para cidades como Rio de Janeiro e Brasília.

    Chegou a 592 voos diários e 22 milhões de passageiros, contando decolagens e pousos, no período pré-pandemia, segundo a Infraero. Em 2019, cerca de 60 mil passageiros viajaram por dia pelo terminal, que foi fundado em 1936. Isso equivale a 18% do total de passageiros naquele ano.

    Também é importante pelo transporte de cargas —são 159 toneladas de carga aérea por dia, em média.

    Além disso, tem aproximadamente 150 pontos comerciais dentro de seu terreno.

    O que muda com a privatização? De acordo com um estudo do governo federal entregue ao TCU (Tribunal de Contas da União), a previsão é que a capacidade do aeroporto aumente para 44 voos comerciais por hora. Hoje, Congonhas tem 40 espaços para pouso, sendo que 32 são usados pela aviação comercial e oito pela chamada aviação geral (táxis aéreos ou aeronaves particulares).

    Com mais voos, a receita do aeroporto também deve aumentar, de acordo com Raul Marinho, diretor técnico da Abag (Associação Brasileira de Aviação Geral), porque empresas aéreas e passageiros pagarão mais tarifas.

    O estudo do governo prevê que o tráfego de passageiros por ano após o leilão chegue ao recorde de 35 milhões.

    O consórcio Aena terá de fazer R$ 5,8 bilhões em investimentos nos aeroportos do bloco em 30 anos.

    O que vai acontecer com os preços das passagens? Fernando Gomes, advogado especializado em infraestrutura e sócio do escritório Cescon Barrieu, diz que a privatização de aeroportos tende a reduzir preço de passagem aérea. Segundo ele, a concessionária é obrigada, por contrato, a fazer investimentos pesados em infraestrutura. Isso, além do aumento na capacidade de voos, permite que as companhias aéreas expandam o atendimento e vendam mais passagens. Com mais vendas, o preço médio cai.

    A redução, porém, não é garantida, porque depende do nível de concorrência entre as aéreas, diz Gomes.

    E as tarifas de embarque, vão cair ou subir? As tarifas cobradas pelo aeroporto e pagas pelos passageiros são reguladas pela Anac. Isso significa que a concessionária precisa de autorização da agência para subir as taxas.

    Marinho, da Abag, diz que a tendência é que a concessionária tente aumentar sua margem de lucro subindo as tarifas, não só a de embarque, mas também a de estacionamento, por exemplo. Outra razão para tentar subir as tarifas seria compensar a queda de outra receita do aeroporto, o aluguel cobrado de lojas, empresas de táxi aéreo e usuários de hangares. Esse item representa hoje 60% da receita de Congonhas.

    Segundo ele, a concessionária tentará baixar essa cobrança para deixar os preços do aeroporto mais competitivos e atrair empresas.

    15.ago.2022 - Saguão do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo - Renato S. Cerqueira/Futura Press/Estadão Conteúdo  - Renato S. Cerqueira/Futura Press/Estadão Conteúdo
    Privatização não garante passagens nem taxas de embarque mais baratas
    Imagem: Renato S. Cerqueira/Futura Press/Estadão Conteúdo

    Serviços em Congonhas vão melhorar ou piorar? Os serviços no aeroporto hoje são precários, na avaliação do economista Alessandro Azzoni, que também é membro da ACSP (Associação Comercial de São Paulo). Para ele, o investimento privado pode levar à melhoria das lojas, do atendimento ao passageiro e do ecossistema do aeroporto, em geral.

    Caso a concessionária cumpra o plano do governo e expanda o aeroporto para atender mais passageiros, é possível que novas lojas sejam abertas.

    "É um aeroporto bastante ocupado, então há grandes chances de saturação de passageiros, com as projeções adotadas. A infraestrutura tem que estar preparada para isso. Você terá mais voos interestaduais, e outros aeroportos devem estar preparados para receber esse contingente extra de pessoas", afirma Gomes.

    Para o especialista, no entanto, é muito cedo para falar na expansão das pistas de pouso do aeroporto.

    Quais as consequências da privatização para quem mora perto de Congonhas? Azzoni diz que o aumento no movimento de passageiros no aeroporto deve favorecer a economia da região, com destaque para hotéis, restaurantes e até aluguel de imóveis por meio de aplicativo, como o Airbnb. Para ele, é provável que o número de comércios e estabelecimentos também cresça nos entornos do aeroporto, com grandes redes investindo em terrenos.

    "Existe uma área grande instalada e não aproveitada ao redor do aeroporto. São terrenos que podem ser mais valorizados com a concessão, servindo à população. Toda a área imobiliária em torno do aeroporto tende a ganhar e se valorizar com o investimento", diz.

    Por que moradores não queriam o leilão? Mas os moradores de bairros como Moema, Vila Nova Conceição e Vila Mariana estão preocupados com as consequências do aumento de voos.

    Oito associações de bairros próximos a Congonhas chegaram a abrir uma Ação Popular na 12ª Vara Cível Federal de São Paulo pedindo suspensão do leilão, o que foi negado pela Justiça.

    O grupo afirma que está previsto aumento das operações em Congonhas em 37,5%, já no primeiro ano da concessão, indo de 32 para 44 voos por hora, e a movimentação de 27 milhões de passageiros já no terceiro ano de concessão, quantidade que deve aumentar para 34,2 milhões em dez anos.

    E que, por se tratar de área com alta densidade populacional, "tais operações acarretarão impactos de diversas ordens: ambiental —com maior descarga de poluentes—, de saúde auditiva e mental, de trânsito e violência, além de desvalorização imobiliária", entre outros.

    O problema não é a privatização, mas sim a falta de estudos para medir os impactos do leilão no dia a dia dos vizinhos de Congonhas, de acordo com Simone Boacnin, moradora de Moema que esteve à frente das negociações com a prefeitura para tentar impedir a concessão.

    "Haverá um impacto imediato no trânsito da região. As avenidas Washington Luís e 23 de Maio já são muito movimentadas e, com o aumento dos passageiros, vão ficar ainda mais engarrafadas. Quem tenta fugir pode acabar cortando caminho pelas ruas dos bairros, piorando também o trânsito local", afirma.

    Outro problema é o ruído: com mais aviões chegando e saindo de Congonhas, o intervalo entre o barulho de uma aeronave e outra zunindo pelos prédios deve diminuir.

    Boacnin também fala sobre o receio dos moradores com o risco de acidentes, como o da TAM, em 2007, quando um Airbus derrapou na pista e colidiu com um prédio, provocando 199 mortes.

    O que foi privatizado no leilão de hoje? Foram 15 aeroportos, sendo o mais importante o de Congonhas. Juntos, eles respondiam por 15,8% do tráfego de passageiros do país antes da pandemia, em 2019, o equivalente a mais de 30 milhões de passageiros por ano, segundo a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). O leilão foi por blocos, o que fez com que o vencedor levasse um grupo de aeroportos de uma vez só. Esse modelo do "filé com osso" junta aeroportos mais com outros menos atraentes para as empresas. Veja quem levou cada bloco.

    • Bloco SP-MS-PA-MG: Aeroportos de Congonhas, em São Paulo, Campo Grande, Corumbá e Ponta Porã, em Mato Grosso do Sul, Santarém, Marabá, Parauapebas e Altamira, no Pará, e Uberlândia, Uberaba e Montes Claros, em Minas Gerais. Com lance mínimo inicial de R$ 740,1 milhões, foi arrematado por R$ 2,45 bilhões pelo consórcio espanhol Aena, único interessado.
    • Bloco Aviação Geral: Aeroportos de Campo de Marte, em São Paulo, e de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Com lance mínimo inicial de R$ 141,38 milhões, foi arrematado pelo consócio XP Infra IV, que inclui a XP e a francesa Egis, por um valor muito próximo disso, de R$ 141,4 milhões.
    • Bloco Norte II: Aeroportos de Belém e Macapá. Com lance mínimo inicial de R$ 56,9 milhões, foi arrematado por R$ 125 milhões, pelo consórcio Novo Norte, que bateu a francesa Vinci.