'Saí do emprego dos meus sonhos': Pedidos de demissão batem recorde
A estudante Talyta Leite Felício, 27, trabalhava como verificadora de qualidade na Jeep, marca do grupo Stellantis. Mesmo sendo funcionária em sua empresa dos sonhos há um ano e sete meses, preferiu pedir demissão para cuidar da filha recém-nascida Aurora, de seis meses.
Os pedidos de demissão feitos pelos trabalhadores, como foi o caso dela, bateram recorde em agosto deste ano, de acordo com uma pesquisa da LCA Consultores. O levantamento mostra que 632.798 brasileiros pediram demissão voluntariamente em agosto deste ano —número recorde desde o início da série histórica, em 2004. Antes, o recorde era de 603.136 pedidos de demissão em março deste ano.
Quando descobriu a gravidez no meio do ano passado traçou um plano para retornar ao trabalho depois da licença-maternidade. No entanto, diz que tudo mudou quando sua filha nasceu e ela decidiu dar novos rumos à vida profissional.
"Meu sonho não era mais tão importante quanto ela. Comecei a colocar em xeque o tempo em que eu ficaria longe dela e quem ficaria com ela no dia a dia. Preferi abrir mão do trabalho para poder ficar com a Aurora", afirma Felício.
Nenhum arrependimento: A questão financeira foi motivo de angústia para ela em alguns momentos, mesmo depois de estar decidida a pedir demissão.
A queda na renda e os gastos a mais com a bebê a assustaram, mas diz que ficou mais tranquila depois de o marido ter trocado de emprego e conseguido um salário maior.
Felício pediu demissão em setembro e diz que foi a melhor decisão que poderia ter tomado.
Está sendo maravilhoso [ficar com ela]. Eu não tenho como explicar. Quanto mais tempo passo com ela, percebo que foi a melhor escolha.
Talyta Leite Felício, estudante
Mudança de carreira: Talyta Felício está no nono semestre de fisioterapia. A expectativa é que se forme no meio do ano que vem e que volte ao mercado de trabalho quando a filha tiver entre um e dois anos. A diferença é que pretende trabalhar como fisioterapeuta.
Hoje é formada em técnica de química e não atuava em sua área de formação.
Em busca de um novo emprego
A analista financeira Patrícia Santos, 34, pediu demissão do emprego em que estava havia dois anos e oito meses para buscar novas oportunidades no mercado. Santos trabalhava na área financeira da LDS Group, empresa de locação de veículos de luxo.
Sua rotina profissional se tornou insustentável e, por isso, preferiu encarar o desemprego para buscar uma nova vaga que fizesse mais sentido para ela.
O pedido de demissão foi motivado por se sentir estagnada e não ver mais oportunidade de crescimento dentro da empresa.
"Enquanto estava trabalhando, eu não conseguia procurar novas vagas e eu sempre acabava comparando-as com o emprego em que estava. Isso dava um comodismo. Eu preciso de um lugar novo, que ofereça um plano de carreira. A ideia é entrar em algum emprego que me dê desenvolvimento e que faça sentido também, não seja só pelo dinheiro", afirma Santos.
Escolha difícil: Santos afirma que já pensava em trocar de trabalho há alguns meses, mas queria ter um outro lugar já acertado. Há cerca de três meses, começou a pensar em pedir demissão independentemente de ter outra proposta. A decisão não foi fácil, segundo Santos.
Eu me julgava muito. Você olha para o mercado e vê pessoas sendo demitidas. Ficava me questionando: eu tenho um emprego e vou sair? Foi um processo desafiador até eu entender que estava tudo bem.
Patrícia Santos, analista financeira
Planejamento financeiro: Para tomar a decisão, Santos começou a guardar dinheiro todos os meses. Hoje tem uma reserva suficiente para se manter até o final do ano.
Saída de multinacional para empreender
A empreendedora e mentora Nicole Cristine Franco, 30, deixou o emprego como especialista na Ambev para arriscar e seguir o próprio sonho: trabalhar para si mesma com projetos de impacto.
Hoje Franco atua como mentora, é sócia de três empresas e membro do Conselho Unesco-Sost Transcriativa, um projeto de transformação criativa. A Unesco é o braço de educação da ONU (Organização das Nações Unidas).
"Questionei-me para entender por que eu estava com uma mentalidade de segurança e zona de conforto se eu tenho um cenário perfeito para sair dela. Eu tenho mais de dez anos de experiência, se eu não me jogasse agora, isso seria uma das únicas coisas de que me arrependeria, porque teria sido por medo", Nicole
Como CLT, tinha segurança e havia alcançado o sonho de trabalhar na Ambev —tanto por ambição profissional como para criar ainda mais bagagem profissional ao seu currículo.
Empreender x carteira assinada: Apesar da dificuldade de pedir para sair da empresa, as vantagens da vida empreendedora pesaram mais na balança. Para Franco, a liberdade foi a maior vantagem de trabalhar por conta própria. Ela pediu demissão em agosto e saiu no início de setembro.
"Eu sempre fui muito criativa e antes de ser CLT eu vivia pensando em modelos de negócios. Como CLT, eu fiquei meio dormente. É bem tolo, mas uma das coisas que me fizeram questionar ficar ou não na empresa foi que, se alguém falasse que teria R$ 100 milhões para investir numa empresa e me perguntasse o que podíamos fazer, eu não saberia responder, porque eu não pensava mais nisso", afirma Franco.
Liberdade no dia a dia: A rotina também foi importante para a decisão. Lidar com burocracias e muitas planilhas tornava o dia a dia de Franco maçante. Ir ao escritório presencialmente também era uma questão negativa para ela, que diz preferir o home office.
Mudança trouxe impactos financeiros: Franco diz ter uma renda parecida como empreendedora em comparação ao que ganhava como funcionária de carteira assinada. O que mudou foram os benefícios que não tem mais, como bônus e plano de saúde da empresa.
Com tempo, sorte, esperança e capacidade, empreender tem uma potência de um retorno financeiro muito maior do que eu teria como CLT. Dei um passo bem pequeno para trás para dar um maior para frente.
Nicole Cristine Franco, empreendedora e mentora
Recorde de pedidos de demissão
Uma pesquisa da LCA Consultores mostra que 632.798 brasileiros pediram demissão voluntariamente em agosto deste ano —número recorde desde o início da série histórica, em 2004.
Os setores em que mais pessoas pediram demissão por conta própria em agosto deste ano foram:
- Comércio, reparação de veículos automotores e motocicletas: 162.586
- Indústrias de transformação: 95.525
- Atividades administrativas e serviços complementares: 94.829
- Alojamento e alimentação: 42.858
- Construção: 40.153
Lina Nakata, especialista em gestão de pessoas e pesquisadora da FIA Feex (núcleo de pesquisa da FIA sobre satisfação de funcionários), afirma que hoje existem novas demandas dos profissionais e modelos de trabalho. Isso muda a relação entre empresas e funcionários, o que motiva as pessoas a buscarem novas oportunidades.
Nakata diz que quem tem segurança financeira é mais propenso a pedir demissão e existe uma parcela de jovens que preferem ficar sem emprego do que se submeterem a um trabalho que não é interessante.
Empresas precisam olhar para si: Para Nakata, é fácil a empresa culpar o funcionário que pede demissão ao invés de entender o lado do funcionário. Falta a liderança entender o novo momento, a expectativa das pessoas e que todos mudaram com a pandemia.
Nakata diz que hoje não é só o salário que importa, mas o relacionamento do funcionário com os chefes, com os outros colegas e também a possibilidade de crescer na empresa. É preciso que as empresas se autoavaliem em vez de só criticar o funcionário.
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