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Regra de gastos do governo é clara, mas díficil de cumprir, dizem analistas

O presidente Lula assina documentos sobre a nova regra de gastos do governo - 18.abr.2023 - Divulgação/Diogo Zacarias
O presidente Lula assina documentos sobre a nova regra de gastos do governo Imagem: 18.abr.2023 - Divulgação/Diogo Zacarias

Mariana Desidério e Karin Salomão

Do UOL, em São Paulo

19/04/2023 13h26

A nova regra de controle de gastos do governo é clara e transparente, mas tem brechas e é difícil de ser cumprida, dizem analistas ouvidos pelo UOL. O mercado estava pouco otimista. Por volta das 13h desta quarta-feira (19), a Bolsa estava em queda de 1,57%, aos 104.493 pontos, e o dólar passava de R$ 5.

Permite o crescimento do país

Regra é boa e deixa todos "parcialmente satisfeitos". A nova regra proposta é vista como positiva pelos economistas ouvidos pelo UOL. Ela consegue atender diversos setores da sociedade e deixá-los "parcialmente satisfeitos", diz o economista André Roncaglia, professor da Unifesp.

É clara e transparente. Para Felipe Salto, economista-chefe e sócio da Warren, a proposta fixa uma regra transparente para o crescimento dos gastos do governo, disse ele no Twitter.

Proposta poderia dar mais tempo para o país crescer. Na avaliação dele, porém, a regra poderia ter um prazo mais amplo. A regra prevê que o país vá zerar o déficit público (ou seja, vai deixar de gastar menos do que arrecada) já em 2024.

Restrição a bancos públicos é considerada boa por alguns e ruim por outros. A proposta prevê que aportes no BNDES e na Caixa terão de respeitar o limite de gastos. Para Roncaglia, esse é um ponto negativo, pois restringe a capacidade de atuação dessas instituições. Alessandra Ribeiro, economista da consultoria Tendências, avalia a restrição como positiva.

Há uma restrição do ambiente político, e isso impediu que seja um ajuste mais lento para dar espaço maior para o investimento. Com isso, seria possível estabilizar a dívida mais em cima do crescimento econômico.
André Roncaglia, professor da Universidade Federal de São Paulo

A restrição aos bancos públicos era uma grande preocupação do mercado.
Alessandra Ribeiro, economista da consultoria Tendências

Plano depende do aumento das receitas

Problema é a meta de arrecadação com impostos. O projeto prevê aumento das receitas para que as contas fechem, o que não é provável em um ambiente de desaceleração da economia, dizem analistas do mercado. "Os parâmetros são muito difíceis de serem cumpridos", diz a corretora Ativa.

Impostos podem aumentar. Para conseguir zerar o déficit, será necessário aumentar a arrecadação. Roncaglia destaca que o foco será na taxação dos grupos subtributados hoje. Ribeiro lembra da derrota recente no caso da taxação das vendas pela internet. O caso "aumenta a luz amarela" sobre se o governo vai de fato conseguir cumprir a meta, diz.
"O texto é bom, mas que tem regras difíceis de serem cumpridas. O texto agora vai para o Congresso, onde provavelmente vai ser alterado e vai ter novas exceções. É isso, agora, que fica no radar dos investidores", diz Mariana Costa, economista-chefe da TC.

Depende do Congresso. Para o colunista do UOL José Paulo Kupfer, o êxito do arcabouço fiscal vai depender da negociação com o Congresso para garantir a expansão das receitas. "Alguns, mais céticos, acham que nem um milagre permitirá alcançar os parâmetros necessários", diz ele.

Foco passou a ser nas isenções e desonerações fiscais. O economista André Perfeito destaca que a proposta muda o foco de atenção do problema fiscal. Com o teto de gastos, a principal ferramenta era o corte de gastos em setores pouco organizados, como saúde e educação públicas. Com a nova regra, há a necessidade de aumento da receita e então o foco passa a ser nas isenções e desonerações fiscais, o que impacta grupos altamente organizados, com poder para pressionar o governo e o Congresso, diz.

O mercado continua acreditando que é muito ousada a estimativa de arrecadação.
Carlos Hotz, planejador financeiro e sócio-fundador da A7 Capital

O envio é positivo no aspecto de garantir previsibilidade às contas públicas, mas não torna a perspectiva positiva quanto ao endividamento e responsabilidade fiscal do governo.
Luis Novaes, analista da Terra Investimentos

Não obriga o governo a cumprir a meta

Não há mecanismos fortes o suficiente que obriguem o governo a cumprir a meta. Se o governo descumprir a meta de superávit primário, o limite para despesas cai para 50% da alta das receitas. Mas, para a Ativa, esse mecanismo de punição não é o suficiente. "Não existem mecanismos que forcem a convergência das contas públicas para as metas estabelecidas", diz a corretora, em documento elaborado por Étore Sanchez e Guilherme Sousa.

Abre muitas exceções. O projeto exclui o aumento do piso da enfermagem e o acordo de precatórios, entre outros casos.

Regra deixa estatais de fora. Ribeiro diz que o investimento em estatais ficou de fora da regra e isso foi motivo de decepção. Pelo texto, o repasse do governo para estatais não vai comprometer outras despesas federais.

Abre uma brecha que permite que o governo siga sendo negligente com as contas.
Bruno Mori, economista e sócio fundador da Sarfin

Ameniza discussão com o BC

Mais diálogo com o Banco Central é positivo. Está prevista uma reunião semestral com o BC sobre os números. "Isso mostra, no mínimo, um melhor alinhamento entre os órgãos", diz Hotz.

Dúvida é qual será o impacto da proposta sobre os juros. Apesar do diálogo com o BC, há dúvidas sobre qual será o efeito nos juros, diz o economista André Perfeito. Com a apresentação da nova regra, aumenta a expectativa sobre a decisão do Banco Central em relação à Selic, que está em 13,75% desde agosto de 2022. Para a Ativa, a dívida pública não deverá ser amenizada, o que pode prejudicar a inflação e a queda dos juros.

Até agora o Banco Central tem se mostrado bastante cauteloso porque está com medo da inflação. Temos uma meta de inflação excessivamente baixa hoje. Acredito que a proposta de nova regra fiscal é um passo de muitos.
André Perfeito, economista