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José Paulo Kupfer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Arcabouço é crucial para Lula, mas depende de milagre no aumento da receita

19/04/2023 04h00

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O arcabouço fiscal, divulgado nesta terça-feira (18), não é a bala de prata capaz de impulsionar uma nova etapa de crescimento consistente e sustentável da economia brasileira. A bala de prata consiste no eventual êxito da negociação do arcabouço fiscal com o Congresso.

Essa negociação é crucial para o governo Lula. Não há outro caminho para tentar reverter as tendências de retração ou de baixo crescimento da economia além da abertura de espaços para aumentar os gastos públicos, empurrando a atividade econômica. Mas não há como abrir esse espaço, mantendo sob controle a dívida pública, sem expandir as receitas públicas.

Guerra no Congresso para expandir receita

O volume de isenções fiscais e privilégios, ainda mais quando somado às manobras fraudulentas para driblar a tributação, é imenso, podendo chegar a mais de um quarto do que é efetivamente arrecadado. Por isso, expandir a arrecadação, sem aumentar a carga de quem já paga muito imposto é, em teoria, uma estratégia acertada e viável. O problema é que, para ser efetiva, precisa do apoio do Congresso.

Com um Congresso conservador e coalhado de representantes de grupos de interesse, em que o governo está longe de contar com maioria permanente, pode-se prever uma guerra legislativa para fazer a âncora fiscal desenhada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ser efetiva. Nem tanto para aprovar seus parâmetros, mas, certamente, para a necessária ampliação da arrecadação exigida pela engenharia fiscal proposta.

O esforço para expandir a arrecadação terá de ser grande — alguns, mais céticos, acham que nem um milagre permitirá alcançar os parâmetros necessários. Só para 2024, estima-se que as receitas terão de aumentar entre R$ 100 bilhões e R$ 150 bilhões, para que o ajuste pretendido seja efetivado. O economista Sergio Gobetti, pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), referência brasileira em questões fiscais, imagina que é possível, ainda que difícil. Gobetti calcula que a soma do crescimento da economia e do tamanho do ajuste pelo lado de receita pública terá de alcançar pelo menos uma expansão de 4% a cada ano, para manter a dívida no nível atual de 76% do PIB até 2026.

"Se a economia não crescer cerca de 2,5% ao ano (o que é possível, ainda mais no cenário de aprovação da reforma tributária), a meta de estabilização da dívida dificilmente será alcançada no curto prazo, já que pelo lado da receita é muito difícil produzir um ajuste em magnitude superior a 1,5% do PIB." Economista Sergio Gobetti, em artigo para o Blog do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação GetúlioVargas)

Como seria possível fazer o ajuste necessário?

Alguma coisa poderia ser obtida com racionalização de gastos, conforme mostra um estudo do economista Gabriel Leal de Barros, ex-diretor da IFI (Instituição Fiscal Independente), órgão vinculado ao Senado, que acompanha as contas públicas. Por exemplo:

Reforma administrativa. Economia de R$ 16,6 bilhões, entre 2024 e 2026, com o enxugamento das 300 carreiras hoje existentes no serviço público e eliminação de privilégios no topo da pirâmide do funcionalismo;

Consolidação de programas sociais. O redesenho e a integração de programas que hoje se sobrepõem e perdem eficácia pela descoordenação possibilitaria uma economia de R$ 50 bilhões, entre 2024 e 2026.

Eliminação gradual do abono salarial. Estudos e mais estudos já comprovaram que o abono, um 14º salário para trabalhadores com carteira assinada e remuneração até dois salários mínimos, é caro e pouco eficiente como proteção financeira aos beneficiários. Limitando o benefício a quem recebe um salário mínimo, já haveria uma economia de R$ 65 bilhões, entre 2024 e 2026.

Ataque aos privilégios

O grosso do ajuste exigido pela nova âncora fiscal, sem esmagar as despesas públicas, principalmente as sociais e os investimentos públicos, contudo, teria de vir de aumentos na arrecadação. O foco, resumindo, terá de ser o ataque aos privilégios contidos no conjunto dos chamados gastos tributários e aos vazamentos, por fraude ou outras manobras, no recolhimento de tributos.

No conjunto, as isenções e os subsídios a setores e grupos de interesse chegam, chegariam, em 2024, a R$ 486 bilhões, de acordo com as estimativas da Receita Federal, contidas no PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias), enviado pelo Executivo ao Congresso na sexta-feira (14). Mexer nesse verdadeiro vespeiro, do qual não se deve excluir a reforma tributária, será a prova de fogo do arcabouço fiscal.

Os gastos tributários, no ano que vem, representam mais de 4% do PIB e quase 20% do total previsto para a arrecadação de tributos. Exemplos entre os principais grupos beneficiários:

Empresas com faturamento anual até R$ 4,8 milhões, inscritas no Simples Nacional, deixarão de recolher, em 2024, tributos da ordem R$ 118,8 bilhões.

Agricultura e agroindústria ficarão isentas do pagamento de R$ 57,1 bilhões em impostos.

Em razão dos rendimentos isentos e não tributáveis no Imposto de Renda das pessoas físicas, a perda tributária alcançará R4 51,1 bilhões

Entidades sem fins lucrativos terão isenção de R$ 40,2 bilhões

Zona Franca de Manaus e outras áreas consideradas de livre comércio, deixarão de recolher R$ 35,1 bilhões.

Setor automotivo (R$ 9,3 bilhões), Informática e automação (R$ 8,5 bilhões), barcos e aviões (R$ 6,5 bilhões).


Nem todos os segmentos contemplados podem ser classificados apenas como beneficiários de privilégios. Há, por exemplo, isenções e desonerações para a área de saúde -- remédios e equipamentos médicos --, que ampliam o acesso da população a seus produtos e serviços. É o mesmo caso dos recursos que deixam de ser arrecadados com incentivos fiscais a pesquisas científicas e inovação tecnológica

Fechar também vazamentos de receita

Segundo a Unafisco, a associação que reúne os auditores da Receita Federal, até 70% do total de gastos tributários embutem privilégios, com isenções ou desonerações que pouco retornam para a economia e a sociedade. Além disso, existem inúmeros vazamentos de receitas públicas.

As operações em plataformas internacionais de comércio eletrônico, agora em evidência, são apenas um exemplo desses vazamentos. A manobra fraudulenta, que consiste em enviar as mercadorias como se fossem vendidas por pessoas físicas e fracionar as compras para contê-las no limite de US$ 50 por compra, representa perdas de receitas próximas a R$ 10 bilhões por ano, nas estimativas da Receita Federal.

Também vazam taxas de exportação, que deixam de ser recolhidas com triangulações nos processos comerciais de venda internacional. Paraísos fiscais no Caribe, conforme detectado pela Receita, são destinatários fictícios de grandes vendas externas de soja que, na verdade, se dirigem à China. No conjunto, esse tipo de elisão fiscal, nas estimativas oficiais, somaria R$ 30 bilhões por ano.