Reforma tributária: governo defende cashback para contas de luz e gás

A proposta de cashback da reforma tributária é uma aposta do governo Lula (PT) para diminuir a desigualdade de renda. Os critérios da devolução de parte dos impostos pagos sobre determinados produtos e serviços só serão definidos por projeto de lei complementar. Mas entre os exemplos de itens que poderão ter um alívio tributário para as famílias mais pobres, segundo o governo, estão contas de luz e botijão de gás.

Vai ter cashback?

O governo entende que o cashback ajudará a aliviar o bolso dos mais pobres. O diretor da secretaria extraordinária da reforma tributária, Rodrigo Orair, defende que a conta de luz e água, por exemplo, poderiam passar a ter devolução de tributos.

A proposta está em tramitação no Senado. Após a aprovação do texto da reforma tributária no Congresso, caberá a um projeto de lei complementar definir questões como o prazo de implementação do cashback, o público-alvo, limites e regras.

O Ministério da Fazenda estuda experiências de países americanos. Em entrevista ao UOL, Orair mencionou o exemplo do Equador, que desde 2017 devolve o IVA (Imposto sobre Valor Agregado) exclusivamente para compras de bens e serviços de primeira necessidade, como remédios e têxteis, para famílias de baixa renda, idosos e pessoas com necessidades especiais. "O caso do Equador é interessante porque a devolução pode ser feita na boca do caixa. A nota fiscal sai com preço com imposto, sem imposto, devolução do IVA e preço final. Basicamente, esse reembolso é em tempo real", diz.

O modelo do Rio Grande do Sul também é elogiado. Desde 2021, famílias com renda de até três salários mínimos (R$ 3.960) inscritas no Cadastro Único recebem a devolução de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) em um cartão de crédito.

Os mais pobres gastam a maior parte de sua renda com alimentos da cesta básica, mas não é só isso. Gastam também com botijão de gás, energia elétrica, telefonia. Tem todo um conjunto que faz parte da cesta de consumo. [O cashback] é uma maneira também de aliviar a carga sobre esses bens.
Rodrigo Orair, diretor da reforma tributária, sobre a defesa do cashback

Com desoneração da cesta básica, vai ter cashback?

Imposto zerado para cesta básica enfraquece alcance do cashback. A versão final do texto aprovado na Câmara passou a prever alíquota zero para itens essenciais. Ou seja, ricos e pobres terão o mesmo tratamento nesta desoneração. Na versão anterior, os produtos da cesta básica teriam uma tributação equivalente a 50% da alíquota geral a ser aplicada sobre bens e serviços. Entenda ponto a ponto a proposta aprovada na Câmara.

A reforma institui a criação de uma "cesta básica nacional de alimentos". Os produtos que terão alíquota zerada serão definidos por meio de lei complementar. Ou seja, a inclusão de como itens arroz e feijão, por exemplo, impossibilitaria a devolução de cashback, uma vez que não haverá tributos a serem retornados para a população.

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O cashback também teria inicialmente o papel de reduzir a desigualdade de raça e gênero. Os deputados retiraram esse dispositivo do texto e mantiveram apenas a renda. Se o critério for o CadÚnico, por exemplo, o sistema beneficiaria cerca de 35 milhões de pessoas que estão atualmente inscritas.

Quanto maior o espaço das alíquotas zero na cesta básica, menos espaço tem para o cashback e vice-versa. Por exemplo, quem paga a conta de luz, conta de água, abastece o carro, não tem o cashback associado, mas poderia. Claro que não está definido, mas o governo entende dessa forma também.
Rodrigo Orair

Quais as críticas e dúvidas?

Hoje, itens da cesta básica já são isentos de impostos federais. Na prática, cada estado tem uma alíquota própria de ICMS para produtos diferentes. Magno Karl, diretor-executivo do Livres —movimento político que defende o liberalismo—, reforça que a medida beneficia os mais ricos.

Cashback para os mais pobres seria política de justiça tributária. As famílias que ganham menos acaba comprometendo uma parte importante da renda com impostos sobre o consumo. A correção disso é o que se chama de progressividade do sistema. A desoneração para todos também tira recursos do caixa do governo, que poderiam ser usados para políticas públicas e programas sociais.

Operacionalização tem que ser bem feita, para que o imposto seja efetivamente devolvido a quem precisa. Marcelo Bentoncini, especialista em direito tributário do escritório Knopik Bertoncini, alerta que os mecanismos de cashback precisam ser bem definidos por lei complementar para não haver risco de dificultar em vez de simplificar.

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Governo perdeu o início da corrida pelo cashback, admite Orair. Na avaliação do diretor, entretanto, o país "está conseguindo recuperar" a passada. Mas ele lamenta que a devolução de imposto tenha sido ofuscada pela desoneração da cesta básica. "Não adianta também abraçar a melhor alternativa técnica se ela é inviável politicamente."

Se mantida a isenção de impostos sobre produtos da cesta básica, aqueles que não precisam do benefício continuariam sendo beneficiados. Os políticos escolhem não fazer a escolha dura, que é reinstituir a tributação para quem não precisa de isenção. No fundo, o estado brasileiro vai seguir sem tributar os ricos e vai dar um cashback para os pobres.
Magno Karl

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