Sem poder parcelar, classes D e E não compram, dizem varejistas
Do UOL, em São Paulo
29/09/2023 04h00
O parcelamento sem juros no cartão de crédito é muitas vezes a única forma de uma família de baixa renda comprar itens de maior valor ou em situações de emergência, afirmam associações do varejo. A Anamaco (Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção e a CNDL (Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas) estão entre as entidades que defendem a manutenção da modalidade.
Importância do parcelado sem juros
Mais pobres não têm dinheiro disponível em emergências. Em setores como o de material de construção, em que os valores das compras são mais altos, é o parcelamento que possibilita uma compra em caso de necessidade, diz Geraldo Defalco, presidente da Anamaco. Segundo ele, o fim da modalidade poderia gerar queda de até 50% nas vendas do setor.
Parcelamento também garante aquisição de itens de maior valor. O parcelamento tornou-se um costume no comportamento do consumidor e é a forma que a população encontrou de "conquistar o que não possui ainda", diz José César da Costa, presidente da CNDL.
Se estoura um cano em casa, as pessoas das classes D e E não têm dinheiro disponível. Então, se ela não parcelar, ela não compra. E é o tipo de gasto que não dá para adiar.
Geraldo Defalco, presidente da Anamaco (Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção)
Riscos para a economia e o varejo
Fechamento de pequenas e médias empresas. As empresas que mais sofreriam com o fim do parcelamento sem juros seriam as pequenas e médias, segundo os representantes do varejo. Pesquisa do Sebrae mostra que 4 em cada 10 donos de pequenos negócios usam o cartão de crédito como modalidade de financiamento.
Parcelamento só com juros aumentaria a inadimplência, diz Costa. "A pessoa terá mais dificuldade de cumprir seus compromissos, e vai cair mais facilmente no rotativo do cartão de crédito", afirma. Segundo pesquisa do Instituto Locomotiva, 80% da população avalia que teria mais dívidas sem o parcelado sem juros. O levantamento aponta também que 63% dos consumidores de baixa renda temem passar necessidade, se não puderem mais parcelar sem juros compras de itens como alimentação, remédios e higiene básica.
Varejistas seriam levados a correr mais risco. Os lojistas seriam forçados a financiar o cliente por conta própria, em especial nos setores com compras de mais alto valor, avalia Defalco, da Anamaco. Isso representaria aumento de risco, em especial para os pequenos lojistas. "Eles não têm experiência em análise de crédito e podem se perder nessa operação", diz.
José César da Costa, presidente da CNDL (Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas)
Parcelamento está disseminado
Milhões de consumidores têm compras parceladas. Segundo pesquisa da CNDL, 51% dos entrevistados disseram que tinham prestações de compras no cartão de crédito, cartão de lojas, crediário ou cheque pré-datado a pagar. A partir desse número, o estudo estima que 71 milhões de consumidores tenham contas parceladas. Os entrevistados tinham em média 5,6 parcelas de compras no crédito.
A forma preferida de parcelamento é o cartão de crédito, citado por 73% dos entrevistados. Em seguida vem o PIX parcelado, com 9%. Dentre as categorias em que mais usa o parcelamento no cartão estão roupas e acessórios (41% preferem o usar o cartão) e eletroeletrônicos (50%). A pesquisa ouviu 667 pessoas e tem margem de erro de 3,8 pontos percentuais.O estudo foi realizado pela CNDL e pelo SPC Brasil em parceria com a Offerwise, entre 31 de julho e 8 de agosto.
Os dados também evidenciam a elevada oferta de crédito pelas instituições financeiras e a inadimplência alta. Dentre os entrevistados, 47% disseram que receberam oferta de cartão de crédito; 32%, de cartão de loja; 30%, de empréstimo pré-aprovado; e 24% receberam oferta de aumento do limite do cheque especial. Dentre os entrevistados, 34% disseram que ficaram com o nome sujo devido à inadimplência no pagamento das compras parceladas, sendo 21% devido ao cartão de crédito. Outros 60% não foram negativados.
Entenda a discussão
Recentemente, presidente do BC falou em "disciplinar" parcelamento. Roberto Campos Neto levantou a possibilidade de se criar uma tarifa para desincentivar o parcelamento sem juros no cartão de crédito. A continuidade ou não das compras parceladas sem juros abriu uma briga entre grandes bancos, varejo e fintechs.
Entidades do setor de comércio e serviços se uniram para defender a modalidade de pagamento. Elas pedem que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não permita que os bancos acabem com o parcelamento sem juros. Além da CNDL e da Anamaco, integram a campanha a Abad (Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores), a Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) e a Afrac (Associação Brasileira de Tecnologia para o Comércio e Serviços).
Governo e Congresso buscam reduzir os juros do cartão e a inadimplência. Um projeto em tramitação no Senado estabelece um teto de 100% para os juros do rotativo e estipula prazo para uma solução acordada com os bancos. O texto não aborda, no entanto, o parcelamento de compras sem juros, modalidade apontada pelos bancos como responsável pelas altas taxas —que chegaram em agosto a 445,7% ao ano.
A Febraban diz que os juros do rotativo do cartão ajudam a cobrir o custo das operações do parcelado sem juros. Segundo a entidade, cerca de 75% das operações de cartão são no modelo de parcelado sem juros. A entidade diz que defende a discussão sobre as causas dos juros praticados e um redesenho do rotativo. Mas quer que, de outro lado, seja feito um "aprimoramento do mecanismo de parcelamento de compras".