Morador da favela pede delivery, mas ainda prefere o mercadinho local

Uma pesquisa realizada pelo NÓS Inteligência e Inovação Social com os dados das quinze maiores favelas do Brasil mostrou que com uma renda média de R$ 3.036,23, as comunidades brasileiras geram um potencial de consumo de R$ 167 bilhões ao ano. No setor de alimentação, apesar da popularização do delivery, os mercadinhos e restaurantes locais ainda são os mais escolhidos entre as famílias.

O que diz a pesquisa

O levantamento, que foi antecipado para o UOL, traça o perfil de consumo das favelas brasileiras. Ao todo, são mais de 6 mil em todo o Brasil, com mais de quatro milhões de famílias e 12 milhões de habitantes.

Um dos destaques do levantamento é o investimento em alimentação nos domicílios, que superou R$ 1,2 bilhão em 2023. A maioria prefere adquirir produtos em mercadinhos/mercearias (52%) e supermercados nas comunidades (45%). Depois vêm atacado e varejo (35%), supermercados fora das comunidades (26%) e, por fim, padarias (14%).

A praticidade, por ser perto de casa (81%), é o principal fator para a escolha. Além disso, os entrevistados também disseram que é mais barato (33%). Emília Rabello, fundadora e CEO da holding NÓS, o Novo Outdoor Social, avalia que o movimento é normal. Ela destaca o que muitos já sabem: a favela consome da própria favela

É como se o próprio consumo da favela fosse a prova dos 9 de como a favela é potência transformadora econômica. O olhar empático para o outro, para o meu vizinho, é muito maior dentro da comunidade do que fora dela.
Emília Rabello, fundadora e CEO da holding NÓS

O uso do delivery

Ainda no setor de alimentação, bares e restaurantes locais também movimentam muito dinheiro. O consumo de alimentos fora do lar gerou um potencial de consumo superior a R$ 438,3 milhões em 2023, com destaque para as compras por delivery: 30% dos consumidores pedem comida por aplicativos de entrega ao menos uma vez por semana. Além disso, 66% dos jovens entre 18 e 24 anos possuem apps de delivery em seus celulares. Não coincidentemente, este é o setor em que mais se empreende nas comunidades.

O iFood aparece em primeiro lugar, como a plataforma mais utilizada entre os entrevistados (41%). Mas em seguida, com 38%, aparecem "outras plataformas"; essas dos próprios restaurantes.

Daisy Vieira Alves, de 34 anos, é a proprietária da D Doces. A empresa foi criada em 2019 em Heliópolis, quando ela passou a fazer cones trufados em casa e vender por necessidade financeira. No começo, o WhatsApp e o Facebook eram seus canais de venda.

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Abri uma lojinha lá na comunidade. [Éramos] eu e minha irmã no atendimento. O nosso primeiro ano, 2019, foi muito difícil. Procurei ajuda do Sebrae, que naquele momento era um meio gratuito. Fui buscando, fiz alguns cursos e no nosso segundo ano de negócio, eu já estava com 12 funcionários. Faturamos R$ 1 milhão.
Daisy Vieira Alves, empreendedora e proprietária da D Doces

No formato "take away", o delivery foi o principal impulsionador do negócio — até porque ele nasceu com a pandemia da covid-19. Além de estar presente nas principais plataformas, ela contratou motoboys e lançou a sua própria plataforma de delivery. Hoje, quatro anos depois, Daisy emprega 15 pessoas e prevê um faturamento de R$ 3 milhões para 2023.

A loja física precisou sair de Heliópolis recentemente por uma questão prática: faltou espaço. Ainda assim, o novo espaço fica na Vila Carioca, bem perto da comunidade. Mas ela ainda quer uma unidade do seu negócio dentro de Heliópolis, já que a maioria dos seus clientes estão ali.

Nos mudamos forçados, por espaço. [A loja] Cresceu, não encontramos nenhum local que nos acomodasse. (...) A nossa previsão [de voltar] é para o ano que vem. Na semana passada entrei em contato com algumas lojas para colocar um carrinho [com os doces] dentro dessas lojas para vender. Nosso público lá dentro é bem grande.
Daisy Vieira Alves, empreendedora e proprietária da D Doces

A digitalização das comunidades

As favelas brasileiras já passam há muito tempo por um processo de digitalização. Até porque as grandes empresas olham para as comunidades como locais de oportunidade — afinal, tem muita gente ali.

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O delivery é só um exemplo das muitas plataformas utilizadas por esta população. Outros apps que geram movimentação financeira também são bem populares, como os de compras/lojas, streamings, transportes e até apostas.

Os negócios das favelas já vendem pela internet há muito tempo. "São pelas redes sociais como WhatsApp, Facebook, Instagram e também pelos próprios sites, fazendo entregas delivery e tudo mais. Mais uma vez, é uma digitalização, uma busca de oportunidade. Para o empreendedor expandir o seu negócio, ele está conectado, ele está tecnológico", diz Emília.

O maior entrave para essas pessoas ainda é o contato com a indústria. Os insumos são comprados no atacarejo e os valores mais altos precisam ser repassados para o consumidor final. "[Os empreendimentos] Teriam mais fluxo de caixa se tivessem contato. Vejo esse empreendedor muito ligeiro, muito avançado, mas precisando ainda desse apoio para crescer o próprio business", diz.

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