Juros do rotativo em queda sinalizam que Desenrola começa a surtir efeito

O Banco Central informou nesta semana que os juros cobrados no rotativo do cartão de crédito atingiram, em fevereiro, o menor nível desde dezembro de 2022, e a inadimplência na modalidade vem recuando. Segundo especialistas, os dados indicam que a limitação na cobrança de juros imposta pela lei do Desenrola, em vigor desde janeiro, está começando a surtir efeito para evitar que as dívidas no cartão virem impagáveis bolas de neve.

O que aconteceu

O BC divulgou um relatório mensal dizendo que o estoque de dinheiro emprestado por instituições financeiras no país está crescendo mais rápido. O estoque combinado das modalidades subiu 0,2% em fevereiro deste ano em relação a janeiro, totalizando R$ 5,8 trilhões. Em relação a fevereiro de 2023, o aumento foi de 8%, superior ao verificado em janeiro de 2024 contra janeiro de 2023, que tinha sido de 7,7%.

No cartão de crédito de pessoas físicas, o volume de dinheiro no rotativo caiu, enquanto o volume à vista cresceu. O estoque total de dinheiro emprestado por meio do cartão subiu 9,3% de fevereiro de 2023 para fevereiro deste ano, atingindo R$ 534,1 bilhões. Nesse mesmo intervalo de tempo, o estoque do rotativo recuou 27,2%, para R$ 61,7 bilhões, enquanto o estoque à vista subiu 13,5%, para R$ 402,7 bilhões. A diminuição do volume do rotativo é positiva porque se trata de uma linha muito específica, com taxa de juros bastante elevadas, que os clientes devem evitar pegar, segundo Fernando Rocha, chefe do departamento de estatísticas do BC, que é responsável pelo relatório de crédito.

A redução do rotativo por si só é uma boa notícia, mas é ainda mais representativa quando tem um crescimento nas operações do crédito à vista. Significa de fato que as pessoas estão saindo do cartão rotativo, seja pelo seu próprio esforço ou por uma ação mais forte das instituições financeiras de oferecerem novas linhas.
Fernando Rocha, chefe do departamento de estatísticas do BC

A taxa de juros no cartão de crédito continua sendo a mais alta entre as opções para pessoa física, mas a sua queda é a maior depois das operações de leasing. Entre fevereiro de 2023 e fevereiro de 2024, a taxa média de juros cobrada no cartão de crédito recuou de 96,1% ao ano para 84,9% ao ano. No rotativo, a redução foi de 420,4% ao ano para 412,5% ao ano — a menor taxa desde dezembro de 2022.

A taxa de inadimplência no crédito para pessoa física está em tendência de baixa. No combinado das modalidades, o calote era de 6,1% em fevereiro de 2023, atingiu o pico anual de 6,3% em junho e recuou para 5,5% em fevereiro de 2024. No rotativo do cartão, o calote, que era de 44% em fevereiro de 2023, atingiu o pico anual de 54,9% em outubro e caiu para 52,6% em fevereiro de 2024.

De onde vem a melhora?

A queda da taxa básica Selic nos últimos meses tem ajudado a melhorar o mercado de crédito no país de maneira geral. Desde agosto de 2023, o BC cortou a Selic em 3 pontos percentuais, de 13,75% ao ano para 10,75% ao ano.

No caso do cartão de crédito, a lei do Desenrola está ajudando, de acordo com especialistas. O PL 2.685/2022, que teve como relator o deputado federal Alencar Santana (PT-SP), foi aprovado no Congresso Nacional em outubro de 2023. Essa lei criou um programa nacional de renegociação de dívidas, apelidado de Desenrola, e colocou um limite nos juros cobrados no rotativo do cartão. A partir de janeiro deste ano, o montante de juros cobrados de um cliente que entra no rotativo do cartão não pode passar de 100% da dívida original. Ou seja, não importa o valor nominal da taxa de juros que o banco estabelece — quando o total da dívida em reais dobrar, o banco não pode mais cobrar nem um centavo além.

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Os clientes que deixaram de pagar a totalidade da fatura do cartão a partir de janeiro já estão sendo beneficiados pelo limite no volume de juros. Embora a taxa nominal que cada banco cobra seja livre, o que influencia na velocidade com que a dívida original vai dobrar, a tendência é de redução desse ritmo de forma a dar ao cliente mais fôlego para acertar suas pendências.

Esse efeito prático na vida de muitas pessoas será ótimo. Se uma pessoa, por uma razão, um momento de dificuldade, não pôde pagar uma dívida de cartão de crédito, os juros a serem cobrados serão bem menores. Isso é bom não só para ela especificamente, mas para toda a economia brasileira. E acaba limitando essa exploração que havia dos setores do mercado financeiro, que ganhavam de maneira exorbitante.
Alencar Santana (PT/SP)

Pressão sobre os bancos

As instituições financeiras também tendem a cortar mais os juros do rotativo em resposta à pressão do governo federal, que apoiou o Desenrola. Mesmo sem interferir na taxa nominal de juros que cada banco cobra no rotativo, o governo sinalizou que está preocupado em colocar um fim nos abusos, e pode agir mais diretamente caso as instituições não reduzam os juros por conta própria, na opinião de Miguel Oliveira, que é responsável, desde 1995, pela pesquisa mensal de juros da Anefac (Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade).

Já vimos esse filme. Quando o CMN (Conselho Monetário Nacional) limitou os juros do cheque especial a 8% ao mês, houve uma gritaria dos bancos, disseram que ia reduzir o crédito disponível para os clientes, mas depois se adaptaram. A mesma coisa com o consignado. No começo, só as financeiras faziam, porque os bancos achavam que era uma linha que competia com as demais porque tinha juros mais baixos. Hoje, são eles que têm as maiores carteiras.
Miguel Oliveira, diretor da Anefac

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