Dívida do RS chega a mais de R$ 100 bilhões e tem origem nos anos 1990

O estado do Rio Grande do Sul é um dos mais endividados do país, com uma dívida total de R$ 104 bilhões, segundo dados do Tesouro Nacional. Com as enchentes que assolam o estado, sua fragilidade fiscal se agrava ainda mais.

A situação da dívida

A dívida do Rio Grande do Sul representa 185% de sua receita líquida. Isso coloca os gaúchos em patamar de alerta pelos critérios do Tesouro Nacional. Isso porque, pela Lei de Responsabilidade Fiscal, a dívida dos estados não pode ser superior a 200% de sua receita corrente líquida.

O Rio Grande do Sul é o segundo estado com maior proporção entre dívida e receita. Enquanto a dívida está em R$ 104 bilhões, a receita é da ordem de R$ 56 bilhões, conforme dados de dezembro de 2023 do Tesouro Nacional. O Rio de Janeiro é o estado com a situação mais crítica. Lá, a dívida representa 188% da receita corrente líquida.

O principal credor do Rio Grande do Sul é o governo federal. A dívida do estado com a União era de R$ 92,8 bilhões no final de 2023. Só no ano passado essa dívida teve crescimento de 13%. O governo do Rio Grande do Sul negocia mudanças no modelo de amortização da dívida junto à União.

Com as enchentes no estado, o governo federal estuda suspender a dívida. A equipe econômica do governo Lula também avalia reduzir ou suspender os juros cobrados. A intenção é evitar que estado retome os pagamentos com uma dívida ainda maior.

A suspensão da dívida liberaria R$ 3,5 bilhões do caixa do estado este ano. O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), pede que o pagamento seja suspenso enquanto durar a reconstrução do estado. Segundo o governo do estado, 27% da receita líquida do Rio Grande do Sul está comprometida com o pagamento da dívida com a União (R$ 3,5 bilhões), o estoque de precatórios (R$ 1,8 bilhão) e o déficit previdenciário (R$ 10 bilhões).

O governador diz que a dívida com a União é um dos motivos para a falta de prevenção a eventos climáticos extremos no estado. Segundo ele, o pagamento da dívida consome 12% do orçamento do estado, o que restringe os investimentos.

A dívida e essa forma de pagamento já são bastante responsáveis pela dificuldade do estado de fazer todas as medidas preventivas anteriores, porque consome parte substancial do nosso orçamento, pressiona, amarra, é um torniquete que limita a capacidade de movimentação do estado.
Eduardo Leite (PSDB), governador do Rio Grande do Sul, em entrevista à Globonews

A origem da dívida

Boa parte da dívida do RS tem origem na década de 1990. O estado devia cerca de R$ 9,4 bilhões em valores da época e fez um contrato com a União em 1998 para parcelamento do valor.

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Esse débito remonta à implementação do Plano Real. Instituído em 1994, o Plano Real mudou a moeda e segurou a inflação do país. Com as mudanças, as instituições brasileiras precisaram se adaptar ao fim das receitas que vinham diretamente da inflação e muitas se endividaram.

As condições impostas no contrato fizeram a dívida aumentar rapidamente. É o que diz João Pedro Casarotto, auditor fiscal do RS aposentado e especialista em dívida pública. Um dos pontos criticados é que o índice de correção escolhido foi o IGP-DI, e não o IPCA. Isso teria gerado aumento considerável da dívida. Outra crítica é que modelo de amortização escolhido foi a Tabela Price, considerada mais onerosa ao devedor.

O Plano Real repercutiu no endividamento dos estados, em especial no Rio Grande do Sul. As finanças do estado estavam estranguladas. A União impôs condições difíceis e isso virou uma bola de neve.
João Pedro Casarotto, auditor fiscal do estado do RS aposentado e especialista em dívida pública

As condições do contrato firmado com a União são alvo de uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal). Em 2012, a seção gaúcha da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) entrou com uma ação civil pública questionando, dentre outros pontos, o índice de atualização da dívida e a ocorrência de cobrança de juros sobre juros. O tema ainda aguarda julgamento do Supremo.

O presidente da OAB-RS, Leonardo Lamachia, diz que, com a situação de calamidade no estado, considera recorrer ao STF para a suspensão da dívida, caso as negociações com o governo federal não avancem.

Nossa tese está baseada nos critérios de atualização da dívida, que a tornam muito menor, ou até mesmo já quitada, segundo uma das perícias que temos, por conta de tudo o que já pagamos ao longo desse período.
Leonardo Lamachia, presidente da OAB-RS

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Ajustes e atraso de salários

Com o tempo, a dívida do estado passou por ajustes. Em 2014, houve mudança no índice de correção monetária. Em 2022, o estado aderiu ao RRF (Regime de Regularização Fiscal), programa de auxílio aos estados em situação de desequilíbrio fiscal. Antes disso, já havia ficado cinco anos sem pagar as parcelas, por conta de uma liminar do STF.

A situação fiscal do estado levou a atrasos de salário e pagamentos parcelados aos servidores públicos gaúchos. Os atrasos de salários começaram em 2015 e seguiram até 2020. Foram 57 meses ininterruptos de atrasos e parcelamentos. Houve greve de servidores e até um pedido de prisão do então governador, José Ivo Sartori (PMDB), em 2015.

Mesmo antes das enchentes, o governador já falava em rever o acordo com a União. Uma das razões é uma lei de 2022 que limitou a alíquota de ICMS em 17% para combustíveis, comunicação e energia elétrica. Segundo a Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul, a medida gerou queda de R$ 3 bilhões na arrecadação do estado em 2022.

R$ 19 bilhões para reconstrução

O estado precisará de R$ 19 bilhões para se reconstruir após as enchentes. O valor vem do cálculo inicial feito pelas equipes técnicas do governo, disse Eduardo Leite.

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85,5% dos municípios do estado foram afetados pelas chuvas. Segundo boletim da Defesa Civil, 425 cidades foram afetadas. Ao todo, o estado tem 497 municípios.

O governo federal anunciou R$ 50,9 bilhões em medidas econômicas para a região. Entre as medidas estão a antecipação do abono salarial e a restituição do Imposto de Renda para moradores do estado.

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