Da seca à enchente, produtores do RS sofrem e pedem revisão de dívida

Em um momento, são as enchentes. Em outro, secas severas. Entre os extremos climáticos, os produtores rurais do Rio Grande do Sul enfrentam o desafio de conduzir as safras. Há pouco mais de um ano, agricultores gaúchos decretavam estado de emergência pela estiagem, e agora contabilizam perdas pelo excesso de chuva. Por isso, querem suspender a cobrança de dívidas.

Renegociação de dívidas

Uma parcela dos agricultores atingidos pelas atuais chuvas no território gaúcho já tentou renegociar as dívidas. Isso porque sofreu com as secas no ano safra de 2021/22, conforme explica Carlos Cogo, sócio-diretor da Cogo Consultoria e nome relevante do agronegócio no Rio Grande do Sul. Para ele, será preciso tratar estes casos com muita atenção, para que os produtores não fiquem desassistidos e saiam da atividade. "Eles já vinham com um passivo de 2021/22 e 2022/23 e o momento é de preços baixos para a soja, então o produtor gaúcho se encontra em situação desfavorável", diz.

Proposta é para suspender cobranças. No último dia (7), o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, encaminhou uma proposta ao CMN (Conselho Monetário Nacional) para a suspensão da cobrança de todas as dívidas rurais de agricultores gaúchos. A iniciativa partiu da Farsul (Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul). Na proposta apresentada a Fávaro, a entidade setorial considera também a concessão de crédito direcionado, com prazo de 15 anos de pagamento e carência de dois anos e juros vinculados apenas à meta da inflação, atualmente em 3% ao ano.

Além disso, são avaliadas linhas de financiamentos para a reconstrução de aviários, armazéns, aquisição de maquinários e outras infraestruturas comprometidas pelas enchentes. "Foi pedido ao CMN a prorrogação imediata, por 90 dias, de todos os débitos do setor, de custeio e investimentos, visto que o setor já vinha de secas, mas agora a situação se agravou de forma excepcional", disse Fávaro à imprensa.

Expectativas para La Niña

Durante três anos consecutivos do efeito climático La Niña - que se trata da diminuição da temperatura da superfície das águas do Oceano Pacífico - houve um cenário diferente a cada ano de safra. Em 2020/21, os resultados foram satisfatórios, sem perdas na lavoura. Já em 2021/22, o Rio Grande do Sul registrou uma das piores colheitas, devido à seca.

Com clima quente e ausência de chuvas, a semeadura entre outubro e novembro de 2022 teve dificuldade de se desenvolver e amadurecer até a época de colheita, entre janeiro e abril. Logo, na safra 2022/23, houve redução na produção, mas não tão significativa quanto na temporada anterior.

Agora, ao fim do calendário 2023/24, o que poderia ser um volume positivo dá espaço para a frustração de muitas áreas produtivas. Quem explica o histórico é Marco Antônio do Santos, agro meteorologista e sócio-fundador da Rural Clima. "Em 2023/24, passou-se de uma La Niña para um El Niño de forte intensidade. Ele causou problemas para o trigo, porque setembro, outubro e novembro foram extremamente chuvosos e afetaram a no Rio Grande do Sul", ele conta.

Além disso, as safras de arroz e soja começaram com o plantio atrasado, devido às chuvas do final inverno e primavera de 2023. "Agora, no finalzinho da colheita da safra, vem esse dilúvio e coloca um ponto final nas quebras do Rio Grande do Sul", resume.

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A influência do El Niño — fenômeno de aquecimento das águas do Pacífico — entre abril e maio, junto ao bloqueio atmosférico vivido pelo Brasil desde o dia 25 de abril, explicam as chuvas torrenciais entre Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Isso já era previsto, segundo Marco Antônio, que avisou aos clientes da região sul para adiantar a colheita, porque haveria chuvas volumosas por cerca de 10 dias. "Só não sabíamos que seria nesta proporção", comenta.

De acordo com ele, a tendência é que o El Niño perca força em maio e haja um período de transição para neutralidade climática entre maio e junho. Ou seja, sem nenhum fenômeno do oceano atuando. Já em julho e agosto, é esperada a transição para o La Niña, a se concretizar no segundo semestre.

O agro meteorologista da Rural Clima indica a continuidade das chuvas ao longo da segunda metade do outono e no inverno, até meados da primavera, "mas longe do que está acontecendo". "A literatura indica que o efeito La Niña traz clima seco para o sul do Brasil. Mas isso não é uma regra, haja vista a La Niña de 2020/21 que não provocou seca ao estado. Esse período mais seco viria de dezembro em diante, no verão, e não na primavera", esclarece.

Apesar da vinda da La Niña, Marco Antonio acredita ser um ano promissor, olhando para 2024/25. Toda vez, segundo ele, em primeiro ano de La Niña, o Brasil registra boas safras. "Se a La Niña vai persistir [ao longo de anos], não se sabe."

Mudanças climáticas

Marco Antônio comenta que, em 1941, houve uma grande enchente no Rio Grande do Sul, cujo nível do Rio Guaíba alcanço 4,76 metros. No dia 4 de maio de 2024, pela primeira vez na história, o número foi superado para 5,3 metros. Conforme as fontes ouvidas pela reportagem, isso mostra que as mudanças climáticas potencializaram os extremos.

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"Estamos passando por mudanças climáticas, é fato, não há como negar. Quantos por cento se deve à ação do homem ou ao ciclo do planeta, isso não dá para cravar. O que percebemos é que essa mudança no padrão climático tem potencializado os extremos. Quando chove, chove muito. Quando é seca, é muita seca", afirma o sócio da Rural Clima.

Ao se referir especificamente sobre o agronegócio, ele afirma que o momento escancara a necessidade de as empresas envolvidas em pesquisa priorizarem estudos para genéticas mais resistentes a estes extremos do clima, que seguirão acontecendo.

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