Safra de cana pode ser 3,8% menor, mas com recorde na produção de açúcar

A safra canavieira 2024/2025 deve produzir 685,86 milhões de toneladas, uma redução de 3,8% em relação à safra anterior, quando o setor bateu recorde de produção com R$ 713,2 milhões de toneladas. Os dados são de um estudo da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), empresa pública vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar que faz o registro da série histórica e projeções do setor.

Mesmo com o recuo, o Conab informou em seu relatório que houve aumento da área plantada no país e o açúcar, devido às demandas do mercado internacional, deve ter recorde de produção este ano. Em contrapartida, a quantidade de etanol produzida pode cair cerca de 8%.

Para especialistas ouvidos pelo UOL, entretanto, a safra ainda está no começo e a colheita pode surpreender.

Regiões

São Paulo deve ter maior queda. A Conab estima que na região Sudeste, responsável por 64,6% da produção nacional, a colheita será de 442,74 milhões de toneladas, indicando retração de 5,6% frente à safra 2023/2024. A maior redução é observada em São Paulo, com queda de 28,32 milhões de toneladas em relação ao desempenho do ano anterior.

Produção no Nordeste deve ser igual à safra anterior. O Centro-Oeste, segundo maior produtor da commodity, deve colher algo em torno de 145,69 milhões de toneladas. Para o Nordeste, é esperada uma produção de 56,65 milhões de toneladas, semelhante à obtida na safra anterior, "com lavouras em fase de crescimento e provável início da colheita a partir de agosto."

As regiões Sul e Norte do país, por sua vez, têm a expectativa de produzirem, respectivamente, 37 milhões de toneladas e 3,78 milhões de toneladas.

Problemas climáticos e a cana brasileira

Falta de chuva e calor impactam a safra. A análise do Conab indica que a safra de cana deve ter efeitos "dos baixos índices pluviométricos aliados às altas temperaturas registradas na Região Centro-Sul". As perdas na produtividade geradas por esses fatores é "estimada em 79.079 quilos por hectare, 7,6% abaixo da obtida na safra anterior, que foi favorecida pelas boas condições climáticas."

Continua após a publicidade

Há controvérsias. Para Marcos Silveira Bernardes, que tem entre suas especialidades a Agricultura Tropical e é professor aposentado da Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP), contudo, as previsões de safras da Conab "não têm sido muito assertivas ultimamente."

Fatores climáticos afetam raramente a produção nacional agregada de cana-de-açúcar. Primeiro porque há compensação entre regiões produtoras. Só identificamos claramente efeitos do ambiente na produção de cana-de-açúcar na escala do Brasil todo, quando o evento é muito intenso e de larga distribuição no país, como foi a geada de 1975 e as secas na região centro-sul canavieira de 1986.
Marcos Silveira Bernardes, professor aposentado da USP

Ele lembra ainda a safra de 2005, que foi afetada pela geada, e as variedades que sucumbiram à doença do amarelinho em 1993. Bernardes considera que uma hipótese mais plausível para a redução na produção nacional de cana-de-açúcar no país nesta safra seja motivada por uma adaptação dos produtores, fornecedores de usinas e usinas em si, às diretrizes de mercado, de modo a otimizarem as margens ou minimizarem prejuízos com a lavoura.

A safra ainda está no início. Mauro Alexandre Xavier, pesquisador do Instituto Agronômico (IAC), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, destaca ainda que é prudente "aguardar um pouco mais o caminhar da safra 24/25" para estimativas mais precisas. "Estamos praticamente iniciando a safra no Centro-Sul", afirma Xavier.

Área colhida cresce. Mesmo com a projeção de redução na safra, o levantamento do Conab indica que a área de colheita da cana nesta nova safra "apresentou crescimento de 4,1%, passando de 8,33 milhões de hectares para 8,67 milhões de hectares". A colheita na Região Centro-Sul já iniciou e se intensifica neste mês de maio. O aumento dos plantios é atribuído à expansão e renovação dos cultivos.

Açúcar em alta

Maior produção da história. A pesquisa do Conab aponta uma produção de açúcar estimada em 46,29 milhões de toneladas, o que representa um acréscimo de 1,3% ao obtido na safra anterior, que já era recorde até então. "O mercado favorável justifica esse valor, colocando a atual safra como a maior produção de açúcar da série histórica da Conab", diz o relatório.

Continua após a publicidade

Etanol de cana recua

Queda em relação à safra anterior. Já a produção total de etanol originada de cana-de-açúcar e de milho está estimada em 34,18 bilhões de litros. O número representa uma queda de até 4% em relação à safra anterior. O Conab destaca que, "quando analisado apenas o etanol oriundo do esmagamento da cana-de-açúcar", a redução deve chegar a até 8%. O derivado de milho, porém, pode crescer 16%.

Mercado

Estoques garantem oferta. A previsão de queda na produção não deve afetar a oferta do produto no mercado, que, segundo o Conab, deve "permanecer estável devido aos estoques elevados das usinas, resultantes da safra recorde anterior."

Produção depende da política de combustíveis. De acordo com Bernardes, a "produção de etanol é dependente da política de combustíveis, nunca ao contrário" e a diminuição "é um mero artifício dos produtores" para "sobreviver em um mercado dominado por poucas e poderosas forças." Esses modelos, destaca o professor, "não têm qualquer lógica com as novas tendências mundiais de adoção de combustíveis mais sustentáveis ou com atender aos interesses do país e de sua população."

Caminho da Índia

Seca na Índia. O cenário brasileiro também segue favorável para o açúcar no mercado mundial devido aos problemas climáticos enfrentados pela Índia, segundo maior produtor global do produto.

Continua após a publicidade

El Niño impacta produção. O país enfrenta uma seca impulsionada pelo fenômeno El Niño que afetou a safra indiana. O documento do Conab lembra que, mesmo sendo historicamente um exportador, a Índia agora enfrenta "a perspectiva de importações de açúcar devido à diminuição da produção e ao potencial abandono ou redução do cultivo de cana por parte dos agricultores, cenário que beneficia o produto brasileiro."

Queda na produção está associada à seca. Para Xavier, do IAC, os riscos climáticos sempre são possíveis de ocorrer, mas nas regiões de cultivo nacionais, a queda de produtividade está associada "a maior exposição das plantas a um período prolongado de déficit hídrico."

Entidades não comentam a produção. A Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG) informou que "não se pronuncia sobre questões específicas de commodities, somente temas transversais". A União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica), também procurada pela reportagem, declarou que "por compliance", "não faz estimativa de safra nem análise de mercado."

Deixe seu comentário

Só para assinantes