Dívidas e solo danificado: recuperação de produtores do RS levará décadas
Produtores afetados pelas enchentes no RS enfrentam dificuldades de transportes, silos destruídos, erosão de solo, falta de alimentos para animais e dívidas cada vez mais altas. A Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) estima que o agronegócio gaúcho pode ter perdido cerca de R$ 4 bilhões em decorrência das enchentes, e deve levar ao menos uma década para a normalização do cenário.
Números do desastre
As consequências do avanço das águas entre o final de abril e início de maio para a agricultura gaúcha é estarrecedora. Relatório técnico feito pela Emater/RS - Ascar aborda os efeitos das enchentes em diversas áreas, incluindo infraestrutura, abastecimento de água, produção primária e fruticultura. As enchentes do primeiro semestre no RS atingiram 418 municípios, mais de 206 mil propriedades e afetaram, nas zonas rurais, casas, galpões, armazéns, silos, estufas e aviários.
Entre os problemas destacados está o escoamento da produção. São 4.548 comunidades prejudicadas em razão de estradas vicinais afetadas. As chuvas e as cheias extremas afetaram o abastecimento de água, contaminando 4.570 fontes e prejudicando 34.519 famílias.
"Muitos investimentos migraram. Ou seja, os produtores com terras em beiras de rios e vales estão sendo obrigados a se deslocarem para outros locais", informa Célio Alberto Colli, extensionista rural da Emater-RS.
"A magnitude do que aconteceu é muito grande e impacta diretamente a economia gaúcha, já que o agro representa 40% do PIB do Rio Grande do Sul. E para essa recuperação precisamos de medidas com um olhar sensível e diferente do estado e do governo Federal", declara o Secretário da Agricultura, Clair Kuhn.
Impactos para produção de grãos
Foram prejudicados 48.674 produtores nas culturas de grãos como arroz, milho, e feijão. Em relação à soja, a área afetada pelo evento está estimada em 1.490.505 hectares, e as perdas de produção são de 2.714.151 toneladas.
Na produção de arroz, 22.952 hectares estão totalmente perdidos. Conforme o Irga, duas regiões apresentaram silos atingidos pelas enchentes: seis silos em Eldorado do Sul foram afetados, comprometendo 19 mil toneladas de grãos. Já na região central do estado, foram 122 silos danificados, com comprometimento de 24.106 toneladas.
Em relação ao milho, com base nos dados do Sisperdas, a área afetada totaliza 113.700 hectares, resultando em perdas de produção de 354.189 toneladas. A produção estadual de feijão estava estimada em 79.743 toneladas em novembro de 202, mas deverá ter queda de 22,88% em relação à estimativa.
Solo vai demorar para se recuperar
Recuperação das áreas no entorno dos rios é especialmente complicada. "A situação é extremamente preocupante, em especial nas pequenas propriedades. Nestes locais, o solo sofreu muito com a erosão e as áreas vão precisar ser recuperadas", diz Alexandre Velho, presidente da Federarroz.
O problema é a localização geográfica destas propriedades, situadas nas beiras dos rios. "Com o assoreamento, provavelmente faltará água nos períodos de seca e as águas vão continuar avançando na época de chuvas", ressalta Velho.
As consequências dos estragos poderão ser sentidas com mais clareza nos meses de setembro e outubro, quando começam os plantios das novas safras. "Estamos estruturando um projeto de diversificação de culturas e de preparação do solo com adubo e calcário", diz Alexandre Velho, presidente da Federarroz.
Culturas de frutas, oleaginosas e folhosas foram muito afetadas
As culturas frutícolas de citros, na Região dos Vales, de banana, nas encostas da Serra do Mar, e de maçã, nos Campos de Cima da Serra, foram as culturas mais prejudicadas, abrangendo 8.381 propriedades. As chuvas e cheias extremas deixaram um rastro de destruição nos pomares do estado, atingindo mais de 8 mil produtores. A principal região afetada inclui os municípios de Veranópolis, Cotiporã, Bento Gonçalves, Nova Roma do Sul, Caxias do Sul e Pinto Bandeira, onde foram destruídos aproximadamente 500 hectares de parreirais.
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Quero receberAs culturas de folhosas e leguminosas foram as mais impactadas. No total, 8.049 produtores sofreram perdas na produção de hortaliças, afetando consideravelmente a cadeia de suprimentos e a economia estadual.
A intensidade das chuvas danificou a estrutura das folhosas - alface, rúcula e radiche - e dos temperos - salsa e cebolinha. Houve prejuízos em relação à qualidade de aparência das verduras e folhas lesadas pelas próprias gotas da chuva.
A produção da safrinha de batata também foi afetada devido ao excesso de umidade do solo, provocando o apodrecimento de tubérculos e impossibilitando a realização da colheita. Em menor amplitude, ocorreram perdas na produção de flores devido ao impacto das enchentes.
Animais foram mortos e infraestrutura foi destruída
A pecuária gaúcha vai exigir longo período para recuperação. Em algumas regiões, os danos foram expressivos, como nos vales do Taquari e do Caí (bovinos de leite, suínos e aves), no Vale do Rio Pardo (bovinos de corte e leite), na região da Quarta Colônia da Imigração Italiana (bovinos de leite) e no Vale do Paranhana e Encosta da Serra (bovinos de corte e leite), diz o relatório da Emater-RS.
Uma vasta extensão de pastagens foi impactada. Os 32.409 produtores que dependiam do cultivo de plantas forrageiras sofrerão com a produção de leite e de carne. A combinação dessas perdas comprometerá a capacidade de sustento dos rebanhos.
Muitos animais foram mortos, e perdas afetaram significativamente 3.711 criadores. Enquanto alguns animais são cultivados para abastecer mercado local, a morte de suínos e aves afeta a cadeia dessa proteína animal para todo o país.
"As chuvas acarretaram perdas econômicas para os criadores de suínos pois foram afetadas instalações antigas e novas. Neste momento, investir em manutenção, equipamento, reforma e reconstrução é algo muito caro. Muitos não vão conseguir retornar para a atividade e ainda estão com dívidas em bancos", avalia Valdecir Folador, presidente da ACSURS (Associação de Criadores de Suínos).
Recomeçar do zero é caro, e falta alimentos para animais
Alguns suinocultores terão de começar do zero. O que se torna inviável devido ao nível de destruição do solo. "Fazer uma pocilga não é simples. É preciso atender normas ambientais e de bem-estar animal. Dependendo da produção, o custo é elevado", diz. Um curral para abrigar mil porcos, com todos os padrões técnicos exigidos, custa em torno de R$ 1 milhão e cerca de seis a oito meses de obras, diz.
"Todos saem perdendo. Os criadores estão sem poder de compra e eles são clientes do comércio de roupas e material de construção", afirma Folador
Falta alimentos como silagem e feno para alimentar as vacas. "A água levou tudo. Foi tudo perdido. Muitos criadores estão pegando empréstimo pessoal para poder alimentar os animais", revela o presidente da Associação de Criadores de Gado Holandês do Rio Grande do Sul (Gadolando), Marcos Tang.
"Existem muitos produtores inadimplentes. Alguns estão usando juros do cheque especial, cartão de crédito e buscando créditos mais rápidos, com juros mais altos", diz Rafael Hermann, líder do Movimento Nacional Construindo Leite Brasil.
Solos sofreram erosão hídrica
Outra preocupação é a recuperação do solo para as pastagens de inverno. A erosão hídrica é a principal causa de degradação de solos agrícolas, pela remoção de partículas e de nutrientes da camada superficial. Uma das consequências diretas é a redução da capacidade produtiva. As indiretas são o assoreamento dos rios e de reservatórios e a contaminação dos recursos hídricos.
Órgãos lançam cartilha para recuperação do solo. A Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi), a Emater/RS-Ascar e o Departamento de Solos da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) divulgaram a primeira de uma série de publicações com recomendações para a recuperação de solos agriculturáveis no Rio Grande do Sul após as enchentes de maio de 2024.
O maior desafio é trazer as terras afetadas de volta aos níveis de produção pré-existentes. É necessário fazer reparos biológicos, físicos e químicos para recuperar a fertilidade. Além de remoção de detritos orgânicos, de depósitos de sedimentos, entre outros.
Quadro grave para o cooperativismo
As cooperativas da agricultura familiar sofrem perdas pela crise climática. Entre os prejuízos, estão estrutura física como equipamentos e maquinário, produtos estocados e em relação à comercialização. Cerca de 76,6% das cooperativas, o equivalente a aproximadamente 10 mil associados, tiveram uma ou mais das perdas elencadas, e 12,7% sofreram perdas em todos os aspectos pesquisados.
Os principais danos reportados em relação à estrutura são destelhamento, mas há casos de destruição de toda a estrutura da sede da cooperativa. Foram danificadas câmaras frias, além de móveis e equipamentos eletrônicos.
Houve perdas nos produtos estocados por falta de energia. É o caso de alimentos como frutas, hortaliças e arroz em casca.
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