Dois anos após rombo bilionário das Americanas, ninguém foi punido

Dois anos após a divulgação do rombo nas contas da Americanas (AMER3), ninguém foi condenado ou julgado pela Justiça brasileira, pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários), ou pela B3, a Bolsa de Valores de São Paulo.

Em 11 de janeiro de 2023, executivos recém-empossados da rede varejista divulgaram que havia um rombo de mais de R$ 25 bilhões criado pela gestão anterior nas contas da empresa.

Como está a situação?

Até hoje, nenhuma medida foi tomada para punir a companhia. "Realmente, ninguém foi para cadeia e não existe denúncia criminal. Ou seja, temos apenas um inquérito. Aquelas prisões que aconteceram foram todas dentro de um inquérito policial, que é o início de um possível processo na Justiça", diz Eduardo Silva, presidente do Instituto Empresa, associação que defende os acionistas minoritários.

Somente executivos, como pessoas físicas, foram indiciados. Miguel Gutierrez, ex-presidente da Americanas, Anna Saicali, (ex-presidente da B2W, que era o braço de comércio eletrônico da empresa), José Timotheo de Barros e Márcio Cruz Meirelles, ambos ex-vice-presidentes da Americanas e mais 11 diretores são os únicos que responderão a processos na Justiça.

Anna Christina Ramos Saicali, se mudou para Portugal. Mas em junho passado retornou ao Rio de Janeiro. Ela não foi presa, mas teve o passaporte retido e está proibida de deixar o país.

Miguel Gutierrez, que chegou a ser preso na Espanha, responde ao processo em liberdade. Em agosto, o TRF02 (Tribunal Regional Federal do Rio de Janeiro", concedeu habeas corpus ao ex-executivo.

Em novembro, os atuais acionistas da Americanas aprovaram a abertura de ações de responsabilidade civil contra os ex-diretores da companhia. Eles são acusados de terem criado, por mais de dez anos, números e balanços fictícios que escondiam a real situação de crise da empresa.

Não punir a companhia é um erro, segundo Silva, presidente do Instituto Empresa. "Isso cria brechas para que casos como esse se repitam e já se repetiram. A Americanas não foi a primeira e nem vai ser a última", diz ele, citando o exemplo do IRB Brasil Resseguros (IRBR3). Em 2020, Fernando Passos, que havia sido diretor financeiro do IRB, criou, conforme acusação do Departamento de Justiça americano, uma história falsa para atrair investidores.

Hoje, as lojas da rede — que eram 1,8 mil na época e agora são 1,6 mil — funcionam concentrando as vendas em pequenos itens, como calcinhas, bombons e ventiladores. O MPF (Ministério Público Federal) e a Polícia Federal ainda investigam quem são os responsáveis. O MPF disse que não pode se manifestar porque o processo está sob sigilo. No âmbito criminal, são dois inquéritos em andamento: um que apura o crime de manipulação do mercado e outro que apura o crime de vazamento de informações (insider trading).

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Em nota, a Americanas disse que segue "as determinações da Justiça e das autoridades que conduzem o caso". Também afirmou que é a "maior interessada no esclarecimento dos fatos e na responsabilização civil e criminal de todos os envolvidos."

De que maneira a fraude acontecia?

A Polícia Federal e o Ministério Público Federal divulgaram que os executivos agiram por mais de uma década. Por meio de empréstimos forjados, invenção de verbas concedidas por fornecedores para propaganda e operações fabricadas com cartões de crédito, eles camuflaram os prejuízos da companhia.

Como está a empresa hoje?

Hoje, as lojas da rede — que eram 1,8 mil na época da fraude e agora são 1,6 mil — funcionam concentrando as vendas em pequenos itens, como calcinhas, bombons e ventiladores. "A Americanas virou uma lojinha da esquina", diz Ricardo Brasil, analista de mercado. A empresa diminuiu muito o número de produtos. Os mais caros não são mais geladeiras e televisores. São celulares e a disponibilidade é de poucos modelos. Há bombons, cerveja, produtos de limpeza e material escolar.

Por isso, houve queda do volume bruto de vendas de mercadorias (GMV, na sigla em inglês). Dados revisados do período da fraude em comparação com os números mais atuais da empresa mostram uma baixa de 54%.

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Queda no volume de vendas dos nove primeiros meses de cada ano:

  • 2022 -- R$ 32,86 bilhões (auditado)
  • 2023 -- R$ 15,84 bilhões
  • 2024 -- R$14,86 bilhões

Fonte: Americanas

Mas ter diminuído de tamanho foi saudável para a varejista. "Ela está em boas condições financeiras agora", explica Brasil. O plano de recuperação judicial foi aprovado em 2023. Desde então, ela celebrou acordos com bancos, credores e fornecedores e reduziu sua dívida de R$ 42 bilhões na época para R$ 1,7 bilhão, conforme relatório de setembro passado. Uma vez aceitando os termos do acordo, as partes não podem mais reclamar danos na Justiça.

Fornecedores concordaram em dar descontos de até 90% de suas dívidas para a empresa. Bancos credores aceitaram se tornar sócios da empresa em troca de abatimento na dívida. Os sócios majoritários — Carlos Alberto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles — fizeram um aporte de R$ 12 bilhões.

Assim, a Lojas Americanas registrou um prejuízo de R$ 2,3 bilhões em 2023, conforme o balanço divulgado em agosto de 2024. No terceiro trimestre de 2024, entretanto, a varejista teve lucro de R$ 10,279 bilhões, revertendo o prejuízo de R$ 1,630 bilhão apresentado no mesmo período de 2023, segundo os números revisados da companhia.

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No entanto, o resultado é proveniente dos descontos que a empresa teve com as negociações do acordo de recuperação. Tirando isso, segundo a companhia, não houve nem lucro nem prejuízo no período. As contas ficaram no zero a zero, conforme informações da companhia.

E as ações?

Desde a descoberta do rombo, as ações da companhia perderam 99% do valor, segundo a Economatica. Essa perda de valor vai ser objeto de uma ação de arbitragem por parte dos acionistas minoritários. Uma ação de arbitragem é um processo fora da Justiça, num âmbito privado.

Eles, que são cerca de 500 investidores que compraram ações antes da descoberta da fraude, demandam uma indenização. Pedem R$ 32 bilhões por perdas com as ações mais sanções por abuso de poder de controle. O grupo alega que não teria comprado as ações se não tivesse sido enganado pelos balanços fraudulentos.

Como está a situação na Bolsa e na CVM?

Ação da Americanas deixou o Ibovespa, mas continua sendo negociada. O papel virou objeto de especuladores. No dia da divulgação do último relatório de resultados, em 13 de novembro passado, as ações subiram 180% em um único pregão. Passaram de R$ 3,34 para R$ 9,41. Atualmente estão cotadas em torno de R$ 5,61.

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A companhia descumpriu várias das exigências impostas pela B3, segundo o Instituto Empresa. Dentre elas, aprimorar o controle interno e melhorar a área de governança e o descumprimento das obrigações regulamentares por um período superior a nove meses. Por isso, segundo o Instituto, a companhia deveria ser expulsa da Bolsa.

Contudo, segundo a B3, como a empresa entrou com recurso, as sanções estão suspensas. "A decisão de suspensão não produz efeitos até que os recursos sejam avaliados", afirmou em nota a B3, acrescentando que não há prazo para uma decisão final. Na CVM, no momento, estão em andamento dois Inquéritos Administrativos, um Processo Administrativo Sancionador e dez Processos Administrativos (procedimentos de análise informacional).

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