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Com Lula imbatível entre nordestinos, Haddad corre contra o tempo para encarnar ex-presidente na região

31/08/2018 14h51

Por Anthony Boadle e Lisandra Paraguassu

RECIFE/BRASÍLIA (Reuters) - Provável substituto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na cabeça da chapa do PT para a Presidência da República, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad tem entre seus principais desafios tornar-se, como ele diz, a voz e as pernas de Lula na Região Nordeste, onde até mesmo os adversários do ex-presidente reconhecem que ele é imbatível.

Pesquisa do Datafolha, divulgada na semana passada, apontou que, ao mesmo tempo que Lula tem 59 por cento de intenção de voto no Nordeste, Haddad aparece com apenas 5 por cento na região no cenário sem o ex-presidente. Ele também é totalmente desconhecido por 51 por cento do eleitorado nordestino e apenas 6 por cento afirma conhecê-lo muito bem. Muitos eleitores no Nordeste sequer sabem pronunciar o nome do ex-prefeito e o chamam de "Andrade".

Não à toa, Haddad fez na semana passada um tour por seis dos nove Estados do Nordeste, e a campanha petista tem buscado capitalizar nessa visita, transformando o ex-prefeito paulistano na principal estrela de um vídeo divulgado sobre a série de viagens nas redes sociais do partido.

"Não há dúvida de que Lula é um ator político-chave. Ele terá uma enorme influência mesmo que não seja candidato. Tem prestígio e é uma força política, especialmente com os eleitores mais pobres", afirmou o cientista político Ricardo Ismael, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Lula transformou o Nordeste em um reduto petista e, principalmente, lulista nos oito anos em que governou o país com políticas de desenvolvimento voltadas para a região e programas sociais que beneficiaram a população mais carente.

Assim, nem mesmo o fato de o petista estar preso desde abril, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, e virtualmente impedido de entrar na disputa presidencial, depois de ser alvo de várias denúncias de irregularidades nos últimos anos, que ele nega, abalaram sua reputação na região.

Em Pernambuco, seu Estado natal, Lula ainda é visto como o melhor presidente que o Brasil já teve. Mesmo a descrença com a política, onipresente entre os eleitores com quem a Reuters conversou, não se estende ao ex-presidente.

"Eles dizem que Lula roubou. Todos eles roubam, mas ele pelo menos fez coisas. Foi o único, o resto só rouba", disse Eliane Gomes, uma das eleitoras do ex-presidente, enquanto vende apostas do jogo do bicho em uma banca no centro de Recife.

Em Pernambuco, Lula tem 62 por cento das intenções de voto, segundo pesquisa Ibope, realizada entre os dias 17 e 19 de agosto, enquanto Haddad chega a 4 por cento. Levantamento do Datafolha, feito entre 20 e 21 de agosto, mostra o ex-presidente com 60 por cento em seu Estado natal, enquanto o ex-prefeito soma 3 por cento.

Em qualquer um dos nove Estados do Nordeste, o ex-presidente tem pelo menos 50 por cento das intenções de voto.

"Seus inimigos achavam que com Lula na prisão as pessoas iriam esquecê-lo em dois ou três meses, mas isso não aconteceu de jeito nenhum. E agora eles estão sem saída, porque não apareceu nenhum líder político para tomar seu lugar", afirmou Bruno Ribeiro, presidente do PT de Pernambuco.

Ennio Benning, secretário de imprensa do governo de Pernambuco, comandado por Paulo Câmara (PSB), acredita que não importa quem substitua Lula na urna, no caso do impedimento do ex-presidente, essa pessoa herdará seus votos.

"Não importa quem seja o candidato, é a força do lulismo que conta. As pessoas vão votar por quem quer que seja que Lula apoie", disse Benning, do PSB.

CORRIDA CONTRA O RELÓGIO

Enquanto a pesquisa nacional do Datafolha divulgada na semana passada mostra que Lula lidera com 39 por cento, no Nordeste essa liderança dispara para 59 por cento. Além disso, a mesma sondagem mostra que 49 por cento dos entrevistados da região afirmaram que votariam com certeza num candidato apoiado por Lula e 16 por cento disseram que poderiam fazer isso.

A aposta do PT é que essa influência e a força política podem ser repassadas para Haddad quando Lula tiver sua candidatura vetada com base na Lei da Ficha Limpa.

No entanto, em um ano em que a campanha oficial será mais curta --apenas 45 dias até o primeiro turno--, o alto desconhecimento de Haddad na região e a insistência de setores petistas de esticar a corda o máximo possível para insistir na candidatura de Lula, podem diminuir o tempo hábil para que Haddad se "transforme" em Lula.

"É uma aposta que ele pode perder. Pode ser já tarde demais. O Brasil não sabe quem é Haddad", disse Carlos Melo, cientista político do Insper.

Adversários reconhecem a força eleitoral de Lula no Nordeste, mas aguardam, ao mesmo tempo, para ver se isso se traduzirá em votos para o ungido do ex-presidente quando ele for barrado da disputa pela Justiça Eleitoral.

"No Nordeste, o forte é o nome do ex-presidente Lula, não é do PT", disse o senador tucano pela Paraíba Cássio Cunha Lima, que afirma que, em seu Estado, o PT tem presença modesta.

"O Brasil não elegerá um ventríloquo", afirmou o parlamentar, referindo-se a Haddad e lembrando que o petista foi derrotado já em primeiro turno em sua tentativa de reeleição à Prefeitura de São Paulo em 2016.

De seu lado, o PT tem feito campanha no Nordeste apresentando Haddad, mas reforçando, principalmente o número do partido: o 13.

“O número do Haddad é o mesmo do Lula. Estamos fazendo a campanha do 13", disse em entrevista à Reuters nesta semana o governador petista do Piauí, Wellington Dias.

(Reportagem adicional de Eduardo Simões, em São Paulo)