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WIDER IMAGE - Mães de bebês afetados por Zika ainda lutam contra dificuldades financeiras e desamparo

17/10/2018 12h19

(Veja versão multimídia em https://reut.rs/2RRMEWN)

Por Ueslei Marcelino

RECIFE (Reuters) - Quase três anos depois que um surto de Zika no Brasil provocou milhares de casos de microcefalia e outras deficiências congênitas em recém-nascidos, a Reuters reencontrou mães e filhos afetados pelo vírus.

Desde então, o primeiro vírus transmitido por mosquito de que se tem conhecimento que afeta fetos em desenvolvimento, desapareceu das manchetes, mas autoridades de saúde global temem que o vírus possa atingir novas populações.

Em Angola, dezenas de casos de bebês nascidos com microcefalia desde 2017 parecem estar ligados ao mesmo tipo de Zika que atingiu a América Latina.

No Nordeste, conversamos com cerca de 30 mães que contraíram o vírus da Zika durante a gravidez. A maioria foi abandonada pelos maridos e hoje precisa cuidar das crianças sozinha.

Muitas se adaptaram em grande parte ao choque inicial de descobrir a deficiência dos filhos, trocando sonhos de suas próprias carreiras pela realidade de cuidar 24 horas por dia de uma criança que pode nunca andar ou falar.

Muitas lutam para sobreviver com um auxílio mensal de apenas 954 reais, que deve cobrir gastos com moradia, alimentação, medicamentos e transporte para as frequentes consultas médicas.

Algumas encontram apoio entre mães cujos filhos passam as mesmas dificuldades. Outras expressaram gratidão por familiares ou amigos que ajudam na luta diária. Muitas confessaram passar por momentos de desespero e depressão, e algumas chegaram a considerar suicídio. Mas, todas compartilham um forte amor por seus filhos e a esperança de uma vida melhor.

Quatro delas nos revelaram um pouco de sua rotina em casas simples nas redondezas de Recife e Olinda.

APOIO MORAL

Gabriela Alves de Azevedo, de 22 anos, vive nas redondezas de Olinda com sua filha, Ana Sophia, agora com 3 anos de idade.

Ana Sophia tem microcefalia, uma rara deficiência congênita marcada pelo tamanho reduzido da cabeça devido a uma má-formação do cérebro durante a gestação. Antes da Zika, deficiências congênitas do tipo nunca haviam sido ligadas a doenças transmitidas por mosquito. Além dos problemas de desenvolvimento, Ana Sophia tem dificuldades para ver, ouvir e engolir.

Gabriela planejava terminar o ensino médio e estudar fisioterapia. Agora, passa os dias cuidando da filha. Seu marido a deixou pouco depois do nascimento de Ana Sophia. Ele não conseguiu aceitar a condição da criança, disse Gabriela, e não paga a pensão alimentícia.

"Graças a Deus minha família me consolou, porque eu já estava entrando em depressão", disse. "Se não fosse minha família eu já estaria louca."

Hoje, alguns parentes ajudam com apoio moral, e a avó paterna de Ana Sophia ajuda com seu cuidado diário.

Gabriela faz exercícios de fisioterapia com a filha em casa e acredita que a saúde dela melhorou.

"Hoje em dia eu a trato como uma criança normal. Eu vejo que ela tem a deficiência dela... mas finjo que ela não tem nada na verdade", disse.

"NUNCA DESISTAM"

Gleyse Kelly da Silva, de 28 anos, conta com a ajuda de seu marido e mãe para cuidar de Maria Giovanna, a "Gigi", de 3 anos. Mas, o peso ainda é grande, e ela foi obrigada a deixar seu emprego para se dedicar à filha.

Depois que Gigi nasceu, houve muitas consultas com equipes médicas para tentar entender as implicações da Zika. Hoje, essas consultas são menos frequentes, mas os desafios médicos de Gigi ainda são significativos.

"Ela não senta sozinha, não rola, não faz nada só", disse Gleyse.

Gigi precisa de um ortopedista, mas não há médicos suficientes e ela está há muito tempo em listas de espera.

Gleyse sofre levando a cadeira de rodas de sua filha no transporte público. Poucos ônibus têm elevadores que funcionam, e mesmo assim alguns motoristas já se recusaram a ajudá-la.

"As pessoas não respeitam os direitos da minha filha", disse. Outras mães já compartilharam com Gleyse histórias semelhantes, incluindo quando um passageiro se recusou entrar no ônibus com "aquele demônio", em referência a um bebê com microcefalia.

Dificuldades como essa fizeram com que Gleyse criasse a União de Mães de Anjos (UMA), que fornece ajuda e apoio logístico a mães de crianças com microcefalia. O grupo agora ajuda mais de 250 famílias em Pernambuco.

Gleyse disse que algumas mães abandonaram seus filhos devido às muitas dificuldades, enviando-os para morar com avós ou outros parentes. Ela está determinada a criar um espaço no mundo para crianças como Gigi. Seu conselho para outras mães é: "Não desistam dos seus filhos nunca."

MILAGRE

Alguns anos atrás, Jackeline Vieira de Souza, de 28 anos, lutou para superar uma rara complicação de uma gravidez anterior e sobreviveu a um câncer.

"O meu sonho era ser mãe de novo", disse.

Em 2015, seu sonho virou realidade. Mas, durante a gravidez, Jackeline descobriu que o filho, Daniel Vieira de Oliveira, tinha microcefalia.

"Quando eu vi rosto, o jeitinho dele, eu me apaixonei de cara. Eu sabia que esse menino iria ser algo muito bom na minha vida. Eu sabia que as dificuldades iriam vir, mas também a alegria."

O pai de Daniel se separou de Jackeline pouco depois de descobrir que o filho tinha microcefalia. Ele paga uma pequena pensão alimentícia todos os meses, que é somada ao auxílio mensal que Jackeline ganha do governo.

A viagem de ônibus entre a casa de Jackeline, em Olinda, e onde Daniel faz tratamentos, em Recife, demora horas. Ultimamente, essas viagens têm sido menos frequentes, e Jackeline acredita que a saúde de Daniel é mais estável.

Ela sabe que seu filho nunca irá andar, comer sozinho ou ter uma vida normal. Mesmo assim, Jackeline é grata por seu "milagre", que diz a fazer se sentir "feliz e mais realizada".

ESPERANÇA E DESESPERO

Rosana Vieira Alves, de 28 anos, tem três filhas, mas quase toda sua atenção é dedicada à mais nova, Luana Vieira da Silva, de 3 anos.

"A relação entre elas é de ciúmes uma com a outra. Eu gosto de todas, é que Luana precisa de mais cuidados... Com o tempo elas vão entender isso", disse.

Rosana não tem nenhuma ajuda da família e sofre para pagar gastos com moradia e os remédios de Luana. Ela afirma ter sido uma vitória conseguir uma cadeira de rodas para a filha, e se preocupa com as quatro cirurgias que Luana precisa para corrigir problemas com seus olhos, estômago e a posição de seu quadril e pés.

As exigências já levaram Rosana a momentos difíceis, e ela confessa ter considerado cometer suicídio. Mas ela ainda sonha com um futuro melhor e espera estudar contabilidade ou engenharia civil.

"Tenho certeza que um dia ainda vou chegar lá", disse.