Comandante da Marinha não vê correlação entre novo ministro e impulso à energia nuclear
RIO DE JANEIRO/SÃO PAULO (Reuters) - A indicação de um militar da Marinha com atuação na área nuclear para ministro de Minas e Energia do futuro governo de Jair Bolsonaro não significa necessariamente uma expansão do programa nuclear do Brasil, disse nesta sexta-feira o comandante da Força, almirante de Esquadra Eduardo Bacellar Leal Ferreira.
O presidente eleito surpreendeu o setor energético nesta sexta-feira, ao indicar para o ministério o almirante de esquadra Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Junior, atualmente diretor-geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha.
"Acho que são questões independentes. Minas e Energia é uma coisa e programa nuclear é outra atividade... interagem em um ponto porque temos a Eletronuclear (subsidiária da Eletrobras), mas não vejo correlação nítida", disse o comandante da Marinha, que destacou que o novo ministro liderou o programa nuclear da Marinha do Brasil.
"Ele leva para o MME essa enorme capacidade de gerenciamento, de executar grandes projetos e fazer as coisas acontecerem... expansão de um projeto não depende de uma pessoa, depende de um programa de governo", disse Ferreira a jornalistas em um evento para o lançamento de um sistema de monitoramenteo das águas jurisdicionais brasileiras.
Como diretor-geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha, Albuquerque é responsável por comandar todas as unidades científicas e tecnológicas da Força, incluindo o Programa de Desenvolvimento de Submarinos e o Programa Nuclear da Marinha.
No passado, durante o governo Dilma Rousseff, estudos apontaram para a expansão do programa de energia nuclear do Brasil para pelo menos oito usinas.
O Brasil conta com as usinas de Angra 1 e 2, administradas pela Eletronuclear, e tenta há anos concluir a obra de Angra 3, que foi paralisada em 2015 em meio a um escândalo de corrupção investigado pela operação Lava Jato.
A indicação do almirante Albuquerque representa o primeiro nome da Marinha no alto escalão do governo Bolsonaro, que já conta com integrantes do Exército e da Aeronáutica, após o próprio almirante Ferreira ter declinado, por razões pessoais, um convite para assumir o Ministério da Defesa.
DESAFIOS
Mais cedo, a Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace) divulgou nota revelando surpresa com a indicação do almirante para o cargo, assim como foi surpreendente para outros integrantes do setor.
O presidente da Anace, Carlos Faria, disse ainda acreditar que o nome do almirante sinaliza um retorno da energia nuclear à pauta e a provável finalização de Angra 3.
"Ainda não há informações sobre como o almirante deve se posicionar em relação a algumas questões do setor elétrico, e sabemos que há assuntos urgentes a serem contemplados, por exemplo, a insegurança jurídica provocada pelas regras de mitigação do risco hidrológico e que está travando o mercado", disse Faria.
Segundo o dirigente, a Anace espera que o novo ministro esteja atento às propostas que já circulam na Câmara e no Senado e buscam resolver alguns dos entraves do setor.
"Há muitos projetos de lei cujo conteúdo é importante para o setor elétrico e que estão parados. O 1917/15 é um deles, seu texto é resultado de um consenso entre agentes de diversos segmentos, obtido após intenso debate na consulta pública...", disse.
"O ministro deve considerar o trabalho que já foi feito e dar seguimento para a reforma do setor elétrico", afirmou.
A entidade destacou que a matriz elétrica brasileira vem se transformando, com maior participação das fontes renováveis, a introdução de hidrelétricas a fio d’água e também de usinas térmicas.
Essa diversificação tem consequências que não podem ser ignoradas, como a exposição à geração intermitente.
Outro tema que é prioritário, segundo a Anace, é a revisão dos subsídios que são pagos por meio da conta de luz.
Atualmente, o consumidor está exposto a uma escalada tarifária. A Anace calcula um reajuste médio de 70 por cento nas tarifas de energia entre janeiro de 2015 e agosto de 2018.
"Do valor total cobrado em uma conta de luz, quase 50 por cento correspondem a encargos e tributos."
Além disso, o novo ministro terá que lidar com um mercado de energia em vias de expansão.
"Aguardamos agora a nomeação do secretário-executivo da pasta, que será fundamental nesse processo de transição de governos", acrescentou Faria.
Em uma nota, o futuro ministro de Minas e Energia foi sucinto e disse que buscará trazer previsibilidade ao setor e para a população.
BOA EQUIPE
O presidente da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica (ABCE), Alexei Vivan, foi na mesma linha do dirigente da Anace e disse que também se surpreendeu com a indicação, e que agora é esperar para ver a nomeação dos assessores do almirante.
"Recebemos com uma certa surpresa a indicação do novo ministro pelo fato de ele não ter uma relação maior com o setor elétrico, com o setor de energia, que envolve gás e petróleo, não obstante, tenha uma experiência na área nuclear", afirmou Vivan.
Ele disse ainda que o "sucesso" do novo ministro estará relacionado aos seus assessores e equipe. Para Vivan, há indicações de que o almirante deve seguir nesta linha.
(Por Rodrigo Viga Gaier, Luciano Costa e Roberto Samora)
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