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BC: violação do teto de gastos levaria a abandono de política de não subir juros

Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central - Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

José de Castro

01/10/2020 19h23

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou nesta quinta-feira que a autoridade monetária retirará imediatamente seu compromisso de não subir os juros, explicitado na nova política de "forward guidance" (orientação futura), no caso de violação do teto de gastos, segundo relatos de três fontes ouvidas pela Reuters e que participaram de evento virtual com o presidente do BC.

Em palestra virtual a investidores promovida pelo JP Morgan, Campos Neto deixou claro que, ao dizer em sua ata que a orientação futura é condicionada à manutenção do atual regime fiscal, o Comitê de Política Monetária (Copom) se refere especificamente à regra do teto — que limita o crescimento das despesas da União à variação da inflação.

"A mensagem de que pode retirar o 'forward guidance' nessas condições já estava nas mais recentes comunicações oficiais, acho que a diferença agora é que ele enfatizou", disse uma das fontes consultadas.

"Vamos botar de outra maneira: A novidade foi que se (o governo) fizer puxadinho, artifícios para romper o teto sem romper oficialmente, isso é o mesmo que romper o teto", e servirá de gatilho para o BC abandonar a ferramenta de orientação futura, acrescentou a fonte.

Na avaliação de outro profissional consultado, o BC deixou explícito que recorrer a "malabarismos" —ilustrado pela fonte como o uso de precatórios para financiar novos gastos— também é furar o teto de gastos, portanto, um gatilho para ajuste na comunicação do BC.

"O BC decompôs um pouco mais a mensagem sobre o que seria furar o teto de gastos, dizendo que, OK, podem até fazer maquiagem, malabarismo, mas isso é dívida que está sendo gerada, portanto, é fator para deixar o 'forward guidance' de lado", afirmou essa outra fonte.

Os comentários de Roberto Campos Neto sobre o tema vieram depois de na última segunda-feira o mercado sofrer um baque com a proposta do governo de bancar o Renda Cidadã, programa de transferência de renda que substituirá o Bolsa Família, com recursos para precatórios e verbas do próprio Bolsa Família (que será extinto) e do Fundeb.

O dólar saltou mais de 1% na segunda-feira, o Ibovespa tombou e as taxas de juros de mercado dispararam.

Com tamanha reação negativa do mercado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu na quarta-feira o financiamento do novo programa com a junção de recursos de iniciativas que já existem —segundo Guedes, ideia original da equipe econômica—, descartando a limitação ao pagamento de precatórios para tanto.

Na terça, o secretário do Tesouro, Bruno Funchal, afirmou que o mercado havia dado um "sinal muito claro" em sua reação à proposta, que ele afirmou ter sido da classe política.

"Hoje o BC se mostrou mais disposto a agir caso o fiscal" se deteriore mais, disse uma terceira fonte, também sob condição de anonimato. "Antes eu tinha a impressão de que ele só agiria quando assinassem o Orçamento furando o teto, agora ficou a impressão de que não precisa disso", completou.

"É a mesma mensagem do comunicado/da ata (do Copom), mas que hoje ficou mais explícita", concluiu, citando que a inclinação da curva de juros sofreu leve redução nesta quinta-feira em reação aos comentários de Campos Neto.

Procurado, o Banco Central informou que não comentaria o conteúdo dos relatos.

(Com reportagem de Isabel Versiani)