Proposta de usar precatório preocupou aposentados: "dinheiro que faz falta"
A proposta do governo federal de usar dinheiro de precatórios para financiar o Renda Cidadã, programa social que vai substituir o Bolsa Família, deixou quem aguarda o pagamento em pânico. Hoje, após a repercussão negativa do anúncio, o governo voltou atrás.
Precatórios são dívidas da União reconhecidas após decisão definitiva na Justiça. O governo pretendia limitar o pagamento de precatórios a 2% das receitas correntes líquidas da União, utilizando o restante no Renda Cidadã.
"É um dinheiro que faz falta"
Assim que soube da notícia de que poderia demorar mais para receber seu precatório, o aposentado José Luiz Grazia, 73, morador de Serra (ES), disse ter ficado chateado.
O encarregado de pintura industrial trabalhou para empresas terceirizadas em locais insalubres. Em 1999, tentou se aposentar, mas não conseguiu. Entrou com processo na Justiça e ganhou, mas só conseguiu se aposentar de fato há três anos. O precatório que ele aguarda é com relação aos valores retroativos. Até agora não recebeu os valores.
"Eu preciso do dinheiro, tenho vários problemas de saúde, muitos causados pelo trabalho. Minha esposa também está doente. Temos aluguel, água, luz para pagar. É um dinheiro que faz falta", disse. "A impressão é que nunca vou ver esse dinheiro."
Metalúrgico ganhou ação após 11 anos
José Ramos da Silva, 60, entrou com processo para ter direito a aposentadoria especial, pois trabalhava como metalúrgico na região do ABC paulista. Hoje, mora em Sumaré (SP).
Só foi vencer a ação em 2018, após 11 anos de processo. A previsão é que o precatório seja pago no ano que vem. Mesmo receoso com o anúncio desta semana feito pelo governo, o metalúrgico está confiante de que vai receber o dinheiro. "Confesso que fiquei preocupado, mas acredito que o plano não será aprovado. O dinheiro será muito bem-vindo, disse.
O que é um precatório
Precatórios são, na prática, dívidas do governo (federal, estadual ou municipal) com pessoas jurídicas e físicas, explicou o professor de economia Roque Pinto de Camargo Neto, da faculdade ESAMC, de Sorocaba (SP).
"Existem dois tipos: o comum, que são valores devidos após desapropriações, por exemplo; e o precatório alimentar, que é referente a salários, vencimentos, vantagens de servidores públicos federais — ativos, inativos ou pensionistas. Importante: só vale para ações transitadas em julgado", disse. Ou seja, quando não cabe mais recurso na Justiça.
As requisições recebidas em tribunal até 1º de julho de um ano são convertidas em precatórios e incluídas na proposta orçamentária do ano seguinte.
Assim, aguarda um pagamento qualquer empresa ou pessoa que tenha processado o Poder Público em uma ação judicial que tem valor maior que 60 salários mínimos, mas ainda não teve o dinheiro depositado na conta.
Proposta para bancar Renda Cidadã gerou críticas
A proposta de usar precatórios, além de parte dos recursos do novo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), para bancar o Renda Cidadã foi anunciada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na segunda-feira. Desde então, vem recebendo uma enxurrada de críticas.
A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) considerou a ação inconstitucional. "Não cumprir decisão transitada em julgado fere vários preceitos constitucionais, como o direito de propriedade, a segurança jurídica, o direito adquirido, ofende a coisa julgada, o princípio da isonomia", argumenta, em nota assinada pelo presidente nacional da entidade, Felipe Santa Cruz, e pelo presidente da Comissão Especial de Precatórios da OAB, Eduardo de Souza Gouvea.
Para o professor de finanças Eli Borochovicius, da PUC-Campinas, o adiamento do pagamento dos precatórios criaria mais uma bola de neve para o governo. Ele considera que, para manter o teto de gastos, o governo vai precisar reduzir despesas obrigatórias.
"O governo também assumiu compromissos, e outras contas não param de chegar. É preciso balancear a responsabilidade fiscal com a responsabilidade social, então passam a surgir ideias para buscar esse equilíbrio", disse.
Para o diretor do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário), Diego Cherulli, a "dança orçamentária" cria uma insegurança jurídica enorme. "Essa proposta ainda fomenta um mercado em torno dos precatórios: a compra com deságios de 40%, 50% e até 70%, valorizados pela incerteza do pagamento", aponta.
R$ 31,8 bi no 2º semestre deste ano
O Conselho da Justiça Federal (CJF) divulgou, em junho, que os Tribunais Regionais Federais (TRFs) deveriam pagar R$ 31,8 bilhões em precatórios só no segundo semestre de 2020.
O advogado tributarista Leandro Nagliate afirma que a requisição, quando emitida, já vem com uma data estimada para pagamento, mas que nada acontece se o prazo não é cumprido. "Na minha opinião, a Fazenda Pública deveria pagar multa de mora, assim como o consumidor quando ele atrasa um boleto qualquer", afirmou.
Apesar da impressão negativa que a medida anunciada deu, o advogado não acredita em um "calote" real. "O governo vai ter que pagar os precatórios. Pode demorar, mas é decisão judicial", completa.
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