EXCLUSIVO-Brasil quer US$10 bi do exterior ao ano para antecipar economia neutra em emissões de carbono
Por Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) - O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse à Reuters nesta sexta-feira que o Brasil precisa de 10 bilhões de dólares por ano em investimentos estrangeiros para antecipar a meta de uma economia neutra em emissões de carbono para 2050, em vez de 2060, como está previsto hoje.
A uma semana da Cúpula do Dia da Terra, organizada pelo presidente norte-americano, Joe Biden, Salles tem encabeçado as negociações com os Estados Unidos para conseguir investimentos que ajudem o Brasil a reduzir as emissões de gases do efeito-estufa, especialmente no desmatamento da Amazônia. As conversas, no entanto, têm sido duras.
Enquanto o Brasil quer recursos para melhorar suas metas, os norte-americanos querem ver resultados antes de abrir a bolsa.
A lógica do governo brasileiro, no entanto, é que o Brasil já fez, e tem a receber por isso.
"Amazônia está preservada, 84% dela, por mérito dos brasileiros. Nós já fizemos, tanto que ela está lá, preservada. Vários países que falam com o Brasil acabaram com suas florestas. O Brasil manteve a sua. Isso não vale nada?", questionou o ministro.
"O Brasil teve reduções de desmatamento que geraram para o país em termos de certificados de crédito lá na UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima) 7,8 bilhões de toneladas, de 2006 a 2017. São 7,8 bilhões de toneladas certificadas pela ONU e que p Brasil não recebeu, ninguém se dispôs a pagar. E os resultados estão lá. Quando alguém diz vocês têm que mostrar resultados antes, eu pergunto: e os resultados que eu já mostrei? Vão ser deletados?", acrescentou.
Em uma carta enviada na última quarta-feira a Biden, o presidente Jair Bolsonaro apresentou as metas brasileiras de redução de desmatamento ilegal --zero até 2030-- e atingir uma economia neutra em emissão de carbono até 2060.
O país pode fazer mais, diz Salles, mas precisa investimentos de fora.
Na carta, Bolsonaro diz que a economia neutra pode ser atingida em 2050, prazo que apenas países desenvolvidos apresentaram, mas precisa de recursos.
"Nós colocamos 2060. Nós fizemos uma ponderação que podemos trazer para 2050 se nós tivermos condições para isso. Para não ficar uma coisa aberta, que condições são essas? Fizemos uma estimativa: 10 bilhões de dólares por ano de investimento. Porque aí a gente vai ter a neutralidade carbônica em todas as áreas --na agricultura, no desmatamento, no transporte, nas questões de energia, para toda economia", explicou o ministro.
"Então nós dissemos: pode ser 2060? A gente vai fazer por nossos próprios esforços, ninguém precisa ajudar. Agora, pode antecipar para 2050, consoante que a gente tenha ajuda."
INCENTIVO LOCAL
Da mesma forma, Salles disse em conversa exclusiva com a Reuters que o Brasil propõe atingir o desmatamento ilegal zero em 2030 independentemente de ajuda externa. Mas, garante, se o país receber ajuda --1 bilhão de dólares por ano nos cálculos do ministério-- essa meta pode ser atingida muito mais rapidamente.
"Se o Brasil tiver ajuda, tudo pode ser antecipado", afirmou.
Os recursos, explica, seriam usados em um terço para reforçar as ações de fiscalização na região da Amazônia Legal --uma das alternativas, por exemplo, seria para contratar mais homens da Força Nacional de Segurança para atuar na região.
Os demais dois terços seriam usados para criar alternativas econômicas que possam sustentar as pessoas imediatamente, para que não voltem para atividades ilegais.
"Tem que criar alternativa e tem que pagar para essas pessoas já. Você faz uma operação ali, aquelas pessoas que estão vivendo daquilo vão ficar imediatamente sem receitas. Se você só faz o comando e controle e vai embora, cinco minutos depois elas voltam, para ali ou para outro lugar", disse Salles.
Isso foi, conta o ministro, o que foi apresentado aos negociadores norte-americanos.
"Então foi isso que nós apresentamos. Em qual espírito? O de 'vocês querem um plano aqui? Aqui tem um plano'. Se vocês puderem colocar recursos do governo americano ou mobilizar recursos privados de empresas privadas para ter esse projeto - para nós tanto faz se o recurso vem de empresa privada ou de outros governos, desde que a gente consiga fazer uma implementação com a intensidade e com a velocidade necessária, nas duas esferas, no comando e controle e no incentivo econômico", afirmou.
Até agora, no entanto, o Brasil não conseguiu nenhuma promessa de investimento, nem dos norte-americanos, nem de outros países com quem Salles vem conversando. O ministro afirma que em nenhum momento se falou em apresentar um acordo na cúpula da semana que vem, mas que os EUA chamaram o Brasil, como outros países, para melhorar suas metas para combater as mudanças climáticas.
TODOS TÊM QUE CEDER
A cobrança brasileira por mais recursos, afirma Salles, não saiu do nada. Esse seria o espírito de todas as negociações dos acordos do clima feitas até hoje.
"Quando os países ricos quiseram chamar os países pobres e em desenvolvimento para dividir essa conta do prejuízo que eles causaram para o clima, e disseram 'vamos todo mundo aqui resolver um problema que nós causamos mas queremos que vocês ajudem também', o que ofereceram em troca? 100 bilhões de dólares por ano em financiamento", lembrou.
"A turma toda veio para um acordo, o Brasil inclusive, e o dinheiro nunca veio."
A postura norte-americana de pedir resultados antes de aplicar recursos no Brasil, no entanto, tem base nos números mostrados pelo país desde 2019, quando Jair Bolsonaro assumiu o governo. Apesar do desmatamento ter, de fato, recomeçado a crescer em 2012, os dois últimos anos somaram alguns recordes.
Os dados de agosto de 2019 e julho de 2020 mostraram 11.088 km² de área desmatada, o maior índice dos últimos 12 anos. As queimadas na Amazônia, que costumam vir depois do desmatamento, também bateram recordes nos últimos dois anos, assim como a mineração ilegal e a extração ilegal de madeira em terras indígenas e parques florestais.
Salles diz que entende as desconfianças, mas afirma que o Brasil tem o que mostrar de anos anteriores e que pode fazer mais, mas precisa de recursos.
"Esta é uma questão que tem de levar em consideração, quando ele (os EUA) diz que tem uma questão de confiança, de demonstração antes, nós também temos. Nós também temos uma frustração de coisas que foram prometidas, reguladas, e não foram satisfeitas. Então todo mundo vai ter que ceder um pouco", rebateu.
Nesta sexta-feira, o vice-presidente Hamilton Mourão, coordenador do Conselho Nacional da Amazônia, afirmou que o país precisa reduzir entre 15% e 20% por ano o desmatamento ilegal na Amazônia para atingir a meta até 2030. Com recursos externos, diz Salles, esses índices poderiam ir para 30% a 40% por ano e a meta ser atingida muito mais rápido.
"Eu acho que chega (a meta em 2030), mas vai se chegar em menor velocidade", afirmou.
O governo espera os números do Prodes --o sistema de satélite que consolida os dados de desmatamento anual, divulgados no segundo semestre-- para verificar se conseguiu estabilizar ou fazer cair o desmatamento entre 2020 e 2021.
Sem recursos para reforçar as agências de fiscalização, o governo estuda apelar novamente para uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) --a atual termina neste mês de abril--, mas em formato menor.
"Acho que a gente tem a possibilidade de ter uma GLO diferente, que é uma GLO focada em questões mais pontuais, no estilo das agências de meio ambiente, o que ajudaria muito. É preciso adequar as operações. A GLO é uma operação custosa, é grande. Podemos ter uma mais focada naquelas ações necessárias", explicou.
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