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REPORTAGEM

Você vai voar num supersônico ainda? Por que não há esses aviões de novo?

Avião supersônico Overture, da Boom Supersonic, pode ser o sucessor do Concorde - Divulgação/Boom Supersonic
Avião supersônico Overture, da Boom Supersonic, pode ser o sucessor do Concorde Imagem: Divulgação/Boom Supersonic

Alexandre Saconi

Colaboração para o UOL, em São Paulo

13/06/2021 04h00

No começo de junho de 2021, a companhia aérea United anunciou a intenção de comprar 15 aviões supersônicos de passageiros da empresa Boom Supersonic, batizados de Overture. Se tudo ocorrer dentro do planejado, o modelo entrará em operação em 2029, realizando o primeiro voo com um avião do tipo após 26 anos da aposentadoria do Concorde.

Diversos problemas com a aeronave franco-britânica e seu irmão russo, o Tupolev Tu-144, levaram à aposentadoria precoce desses modelos. O Overture e demais projetos em andamento precisarão sanar essas deficiências e contornar diversos problemas para serem viáveis economicamente.

Além de questões técnicas, há o impacto ambiental e o valor das passagens, que ainda não está definido, mas era muito elevado no Concorde. As possíveis rotas também têm de ser analisadas, já que o voo supersônico não valeria a pena em curtas distâncias.

O UOL conversou com especialistas que elencaram quais as questões que essas aeronaves terão de superar e o motivo da demora em se desenvolver um novo avião supersônico de passageiros. Veja a seguir.

Barulho é como uma explosão

Concorde - Divulgação - Divulgação
Concorde voava em velocidade superior à do som, e foi aposentado em 2003
Imagem: Divulgação

Quebrar a barreira do som não é o maior desafio para os novos aviões supersônicos que estão sendo desenhados para o futuro próximo. Essa façanha já se mostrou possível há décadas, afinal.

Uma das principais dificuldade encontradas é o ruído que a aeronave emite quando ultrapassa a velocidade do som, chamado de estrondo sônico, ou "sonic boom". Esse barulho é similar a uma explosão e gera um impacto significativo sobre a fauna e regiões habitadas por onde o avião sobrevoa.

Esse estrondo não foi resolvido à época do Concorde, e optou-se por criar leis para contornar o problema. Assim, não era permitido atingir velocidades superiores à do som a não ser quando o avião estivesse voando sobre o oceano.

Devido a isso, voos dentro de um país dificilmente devem ocorrer com esses aviões, já que o estrondo atingiria o solo.

Poluição

Boom Overture - Divulgação/Boom Supersonic - Divulgação/Boom Supersonic
Avião supersônico Overture terá de reduzir a pegada ecológica para ser viável
Imagem: Divulgação/Boom Supersonic

Para manter sua velocidade, o Concorde consumia uma quantidade muito grande de combustível. Uma parte considerável era gasta com a pós-combustão, um recurso que aumenta a queima e faz a velocidade do avião crescer significativamente.

Em um contexto de sustentabilidade, após os avanços na agenda ambiental projetados na década de 1990, um avião poluidor não teria uma longa sobrevida. Para não nascer com um tempo de vida útil curto, os novos projetos terão de pensar no meio ambiente e em meios de poluir menos.

O tempo economizado vale a pena?

É preciso questionar em quais rotas a viagem em um curto intervalo de tempo valerá a pena (caso o "sonic boom" seja superado). Dentro do Brasil, onde o voo comercial mais longo (do Rio de Janeiro a Manaus) é feito em cerca de quatro horas, a redução na duração pode não ser tão vantajosa quanto se espera.

Boom Overture - Divulgação/Boom Supersonic - Divulgação/Boom Supersonic
Avião supersônico Overture
Imagem: Divulgação/Boom Supersonic

Assim, voos intercontinentais, que cruzam os oceanos, seriam a melhor opção para esses novos aviões, como ocorria com o Concorde.

O tipo de passageiro que irá voar também precisará ter alguma vantagem em passar menos tempo no ar. Um executivo que está viajando para fechar um negócio pode ter algum ganho em chegar rápido ao seu destino.

Já um turista que irá passar vários dias no seu destino teria alguma vantagem real em ficar algumas horas a menos no avião? São fatores que estão sendo equacionados, e a United já tem um plano de onde irá utilizar essas aeronaves.

Viabilidade econômica

Um avião comercial leva, além dos passageiros, carga paga. Não apenas as bagagens, mas contêineres com carregamentos, que tornam a operação mais viável do ponto de vista econômico.

A fuselagem dos aviões supersônicos de passageiros é menor que a de um avião comercial comum. No Overture, por exemplo, não há muito espaço de sobra para levar contêineres, o que transfere todo o custo do voo aos passageiros.

Por que só agora?

Tupolev TU-144 - Divulgação/Tupolev - Divulgação/Tupolev
Avião russo Tupolev TU-144, apelidado de "Concordski"
Imagem: Divulgação/Tupolev

É fato consolidado há décadas que um voo supersônico é possível de ser realizado com passageiros a bordo. Mas os problemas encontrados pelos aviões antecessores estão sendo enfrentados agora com outra perspectiva e novas tecnologias.

Combustíveis mais sustentáveis vêm sendo estudados para que a poluição não tenha um impacto tão grande no meio ambiente. Por outro lado, pesquisas caminham para diminuir o impacto causado pelo estrondo supersônico.

Motores mais eficientes e novos materiais também são um horizonte para que esses aviões sejam realidade em breve.

A fuselagem do Concorde, por exemplo, se expandia até cerca de 25 centímetros quando estava em sua velocidade máxima devido ao calor. Isso aumenta os custos com manutenção e desgasta as partes do avião em menos tempo.

Materiais compostos, uma novidade que vem ganhando a indústria aeronáutica nos últimos anos, não se expandem como o alumínio daqueles aviões mais antigos.

Foco na experiência

Boom - Divulgação/Boom Supersonic - Divulgação/Boom Supersonic
Interior do Overture, com apenas uma fileira de assentos de cada lado
Imagem: Divulgação/Boom Supersonic

Com público e rotas restritos, além do possível valor elevado de operação e manutenção, os novos aviões supersônicos podem ser mais uma alternativa de marketing do que o futuro da aviação comercial em si caso não contornem esses problemas.

É como um carro esportivo de luxo, onde a potência é alta, o custo de compra é elevado, e a capacidade de transporte é reduzida. Os novos aviões que voarão a velocidade acima do som devem ser realidade em breve, mas a um custo de serem para poucos ainda, caso não superem os problemas antigos.

Fontes: Cesar Monzu Freire, professor do curso de Engenharia Aeroespacial da UFABC (Universidade Federal do ABC), e Rafael Santos, piloto da aviação comercial