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REPORTAGEM

Aeroporto vazio faz índice de colisão de aves e aviões subir na pandemia

Sequência mostra colisão com pássaros de um Embraer E190 em Manchester (Inglaterra) - Montagem/Liam McManus
Sequência mostra colisão com pássaros de um Embraer E190 em Manchester (Inglaterra) Imagem: Montagem/Liam McManus

Alexandre Saconi

Colaboração para o UOL, em São Paulo

08/12/2021 04h00

O índice de colisões de aves com aviões comerciais em todo o Brasil subiu 32% durante a pandemia. As informações são de um levantamento da Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas) obtido com exclusividade pelo UOL. O aumento ocorreu porque, com aeroportos vazios, os pássaros se aproximaram mais das pistas.

Segundo os dados das empresas filiadas à entidade, foram registradas 2,05 colisões de aviões com aves a cada mil decolagens em 2019. Entre janeiro e setembro de 2021, foram 2,7 colisões a cada mil decolagens. O número absoluto de colisões caiu, porque houve menos voos, mas proporcionalmente foi registrado aumento.

Os dados são das associadas da Abear: Abaeté, Gol, Itapemirim, Latam, Latam Cargo, Rima e Voepass. A Azul não faz parte da associação.

Perdas milionárias

Essas colisões representaram perdas milionárias para as companhias, chegando a R$ 9,8 milhões desde 2019 (R$ 5,6 milhões em 2019, R$ 2,1 milhões em 2020 e R$ 2,1 milhões em 2021 até setembro). Esses gastos envolvem desde manutenção até peças e prejuízos com as paralisações das operações.

Após ocorrer uma colisão (chamada de "bird strike" na aviação), o avião precisa passar por uma inspeção, que pode ser algo breve ou causar parada total para a retirada do motor.

Em casos de colisão mais forte, pode ser necessário, por exemplo, trocar as blades (ou palhetas) do motor, que atuam de maneira similar às pás das hélices de alguns aviões, deslocando o ar para gerar o movimento da aeronave.

Nos aviões modernos, cada uma dessas palhetas pode custar em torno de US$ 60 mil (R$ 340 mil), e, quando isso ocorre, pode ser necessário trocar mais de uma delas. Em outras situações, também é comum ter de trocar o para-brisa ou fazer consertos na fuselagem.

Em situações menos graves, não ocorrem danos maiores nos aviões, bastando uma inspeção rigorosa para garantir a segurança da operação. Ainda assim, perde-se tempo, o que pode causar vários problemas com o agendamento dos voos, atrasando os passageiros ou prejudicando a escala de trabalho dos pilotos.

Alta de ocorrências

O crescimento na quantidade proporcional dessas ocorrências durante a pandemia se deve ao fato de que as aves, que costumavam, de certa maneira, conviver com as aeronaves, passaram a se aproximar mais das pistas com a baixa movimentação.

Segundo Ruy Amparo, diretor de segurança e operações de voo da Abear, animais que ficavam afastados das pistas ocuparam esses locais com a redução na operação.

Corujas - Alexandre Saconi - Alexandre Saconi
Ninho de corujas localizado na cabeceira do aeroporto de Congonhas (SP)
Imagem: Alexandre Saconi

"No aeroporto de Congonhas (SP), por exemplo, havia um certo equilibro entre aviões e os quero-queros, que não estavam acostumados a transitar no local. No ano passado, com o recapeamento da pista e a ausência de voos de aviões comerciais por cerca de um mês, as aves ganharam mais espaço e passaram a fazer seus ninhos próximo à pista principal", diz Amparo.

O aumento das colisões com aves começou a acontecer de maneira mais intensa com a retoma de voos a partir do segundo semestre de 2020. "Nesse período, o 'bird strike' começou a aparecer de forma mais intensa. Da metade deste ano de 2021 até agora, a situação piorou em quantidade, perdas e severidade do dano às aeronaves", diz o diretor da Abear.

Em 2019, das 505,8 mil decolagens das associadas da Abear, ocorreram 1.040 colisões com aves; em 2020, foram 576 casos frente em um total de 238,6 mil decolagens, e, até setembro de 2021, foram registradas 499 colisões ocorrências do tipo.

Embora a quantidade de ocorrências em números absolutos seja maior em 2019 do que nos dois anos da pandemia até então, é preciso levar em consideração a sua proporção em comparação com as decolagens realizadas, onde houve um aumento. A tendência é que sejam registradas mais colisões a cada mil decolagens conforme os voos vão sendo retomados e a presença das aves continue nesses locais.

Mudança legislativa

Avião - Divulgação/Twitter/@aviationbrk - Divulgação/Twitter/@aviationbrk
Avião cujo motor sugou grupo de garças
Imagem: Divulgação/Twitter/@aviationbrk

Atualmente, o setor debate a criação de um decreto para regulamentar a legislação vigente de controle de animais nas áreas de segurança dos aeroportos. O que está em discussão, entre outros pontos, são maneiras de melhorar a fiscalização de obras e empreendimentos nas proximidades dos aeroportos.

Até 2012, a Força Aérea Brasileira tinha o poder de vetar uma construção que pudesse colocar em risco a operação dos voos, mas essa atribuição foi repassada aos municípios naquele ano por meio de uma lei específica.

Outra questão que também pode atrapalhar a atuação dos diversos entes contra as colisões com aves é a eventual morosidade de órgãos públicos. Qualquer manejo das espécies, desde a troca de local dos ninhos até, em último caso, o abate, depende de autorizações, desses entes.

Assim, o setor também estuda como viabilizar que essas permissões sejam concedidas de maneira mais ágil, pois, enquanto se aguarda uma decisão, as operações continuam ocorrendo e o risco não tende a diminuir no período.

Azul

A companhia aérea Azul não é integrante da Abear, e enviou os dados de maneira separada a pedido do UOL. Entre janeiro de 2019 e setembro de 2021, foram registrados pela empresa 1.513 casos de colisão de aviões com aves.

No mesmo período, foram 605 ocorrências do tipo em 2019, 421 em 2020 e 543 em 2021.A empresa é a que possui o maior número de decolagens no país, chegando a cerca de 625 mil operações desde 2019.

Até setembro de 2021, empresa registra uma média de 2,8 colisões com aves cada mil decolagens. Em 2020, esse número foi de 2,7 colisões a cada mil decolagens e, em 2019, foi de duas colisões em média. A empresa não revela o valor com as perdas devido a esse tipo de ocorrência.