Na década de 1980, a American Airlines inovou com um programa que oferecia passagens aéreas vitalícias ilimitadas.
Chamado de AAirpass, o programa visava oferecer viagens de primeira classe para quem pagasse quantias consideráveis à época. Poucas pessoas conseguiam essa façanha de comprar o apelidado de tíquete dourado, em alusão ao filme de 1971 "A Fantástica Fábrica de Chocolate".
Em 1987, o banqueiro Steven Rothstein, de Chicago (EUA) foi uma das pessoas que conseguiram realizar seu sonho de voar à vontade após pagar US$ 250 mil pelo benefício. Corrigido, esse valor chega a US$ 651,8 mil hoje, algo em torno de R$ 3,4 milhões.
Tudo ia bem para ele até que, em 2008, a empresa cortou o seu benefício alegando fraude. Era o fim de uma era, e o reconhecimento de uma das estratégias mais equivocadas da história da empresa.
Erro caro: Oferecer esse tipo de benefício aos passageiros parecia uma excelente iniciativa naquela década. Era uma maneira de injetar dinheiro na empresa, além de ser uma excelente propaganda.
Com o forte uso das passagens emitidas, a companhia aérea alterou o programa de passagens vitalícias do AAirpass. Hoje não é mais possível comprar novos bilhetes para a vida toda, mas a empresa oferece um programa de vantagens para viajantes frequentes com descontos em bilhetes.
De acordo com a revista Forbes, a American Airlines observou que o programa era deficitário, e não dava lucro havia anos. Com isso, em 2008, acabou cortando o benefício de Rothstein e de outros compradores dos bilhetes vitalícios.
Milhares de viagens: A empresa teria constatado que cada passageiro custava mais de US$ 1 milhão (R$ 5,2 milhões) por ano em viagens à época.
Apenas o banqueiro realizou mais de 10 mil viagens nos 20 anos que permaneceu no programa, a maioria na primeira classe. Entre elas:
- 1.000 voos para Nova York (EUA)
- 500 voos para Londres (Reino Unido)
- 120 voos para Tóquio (Japão)
- 80 voos para Paris (França)
- 50 voos para Hong Kong
Rothstein voava de uma cidade a outra apenas para comer em um restaurante, viajava à Europa para visitar uma exposição, entre outros luxos. Às vezes, reservava um voo para ele e um acompanhante, o que era contabilizado em sua reserva.
O LA Times obteve, por meio de documentos, uma amostra que, em quatro anos ele reservou mais de três mil voos.
Com as milhas que acumulava ao viajar tanto, ele oferecia passagens para pessoas que não tinham condições de visitar suas famílias, ou até mesmo para instituições de caridade e pacientes que precisavam de tratamento médico em outras regiões do país.
Tragédia no meio do caminho: Rothstein, além do bilhete principal, comprou outro para acompanhantes no valor de US$ 150 mil à época (US$ 391 mil em valores corrigidos - R$ 2 milhões). Ele tinha 37 anos em 1987.
Caroline Rothstein, filha de Steven Rothstein, relata em um artigo escrito em 2019 essa parte da história de sua família e que o pai sempre amou viajar. E, para não viajar sozinho, havia comprado esse segundo bilhete.
Ela conta que o pai e a mãe eram autorizados a voar em voos separados para que, caso acontecesse algum acidente, nenhum dos três filhos do casal ficassem sem os dois.
Entretanto, em 2002, um acidente iria separar a família e mudar o destino de Rothstein e a maneira como a família viajava. Seu filho Josh foi atropelado enquanto andava na calçada, e morreu.
Desde então, a vida do banqueiro mudou drasticamente. Sua filha diz que, quando o pai se sentia sozinho no meio da noite e não tinha com quem falar, ele ligava para o serviço de reservas da companhia aérea para conversar com os funcionários.
Eles faziam isso por um longo tempo, até que ele era questionado sobre qual voo gostaria de reservar. Ele falava algum lugar, como São Francisco, por exemplo, pois estava confuso e só queria ter alguém com quem conversar, e era a equipe da companhia aérea com quem tinha um profundo contato, já que viajava com frequência.
O fim das viagens: Desde 1994 a American Airlines não vende mais os bilhetes vitalícios.
Estima-se que 28 passageiros tinham bilhetes desse tipo do programa. Ao menos três tiveram seu benefício encerrado: Steven Rothstein, Jacques Vroom e Mike Joyce.
Segundo o jornal Los Angeles Times, Joyce viajou 16 vezes dos Estados Unidos para Londres em um período de 25 dias, ao custo de US$ 125 mil (R$ 650 mil).
Vroom processou a companhia pela quebra do contrato e por alegar que ele estaria fraudando o uso do bilhete. Ele havia desembolsado US$ 356 mil em 1989 pelo benefício, algo em torno de US$ 850 mil (R$ 4,4 milhões) em valores corrigidos.
Em 2008, quando preparava para viajar com outra pessoa à qual havia concedido algumas das milhas que acumulou durante mais de 20 anos, Rothstein foi impedido de embarcar. A alegação era a mesma de Vroom, de que ele havia usado de maneira irregular o programa.
No processo, o banqueiro assumiu que chegou a reservar assentos ao seu lado como se fosse um acompanhante mas estaria apenas levando bagagem ali. Essas reservas foram feitas em nome de "Steven Rothstein Jr.", pessoa inexistente, e "Bag Rothstein", em alusão à sua bagagem.
A filha do executivo diz que o pai costumava oferecer milhas para quem precisava. Desde um amigo de seu filho Josh, que viajou pela primeira vez de avião para ver um jogo de futebol americano, até pessoas que precisavam chegar a tempo no destino para não perder o emprego ou de despedirem de alguém que morreu.
Essa prática, entretanto, seria feita com as milhas acumuladas pelo banqueiro, e não com o bilhete vitalício.
Ele processou a empresa pedindo US$ 7 milhões (R$ 36,5 milhões) de indenização pela quebra do contrato. Em 2011, uma corte negou o direito do executivo e, em 2014, seu recurso foi negado, mantendo sua exclusão do programa.
Vroom também processou a companhia.
Procurados pelo UOL, os advogados de Vroom e a família de Rothstein não responderam aos contatos feitos. Já a American Airlines apenas enviou as duas decisões em seu favor na ação movida por Steven Rothstein.
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