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Pão de queijo com larva e grilo ao chocolate são testados por empresa em MG

André Cabette Fábio

Do UOL, em São Paulo

08/10/2013 06h00Atualizada em 21/07/2015 18h33

Pão de queijo com larvas de besouro, grilo ao chocolate e bolo de fubá com grilo moído. Se depender da Nutrinsecta, empresa localizada em Betim (MG), esses pratos passarão a fazer parte do seu cardápio.

Fornecedora de insetos para alimentação de pássaros e répteis há cinco anos, a empresa começa agora a realizar experimentos com produtos voltados para humanos.

Larvas de besouro caramelizadas e bolo sovado com grilo moído também fazem parte do menu em teste. A massa dos quitutes leva de 5% a 10% de insetos.

"O mais popular é o grilo desidratado com chocolate. Como é sequinho, fica crocante, parecendo um Bis [chocolate da Lacta] e ainda tem proteínas", afirma Gilberto Schickler, zootecnista e sócio da Nutrinsecta. Segundo ele, de cada 100 gramas de grilo desidratado, 48 gramas são de proteínas.

A Nutrinsecta produz por mês de 1,5 a duas toneladas de insetos, voltados principalmente para a alimentação animal. O quilo de inseto desidratado de espécies diversas é vendido, na média, por R$ 150 -algo como sete vezes o preço de um quilo de maminha, que custa cerca de R$ 22.

Os pratos exóticos não estão em produção comercial, sendo preparados para eventos especiais. Mas exemplares desidratados produzidos pela Nutrinsecta podem ser experimentados pelos visitantes do insetário (instalação com insetos vivos) do Parque Ecológico Vale Verde, também em Betim, de propriedade de outro sócio da empresa mineira, Luiz Otávio Pôssas.

"As crianças enchem a boca", conta Schickler. "A larva do [besouro] tenébrio comum desidratada, com temperos, parece uma batatinha palha. A criançada sugeriu que a gente colocasse no estrogonofe", afirma.

Agora, o desafio da empresa é começar a vender os insetos para o consumo humano. 

Segundo o Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), enquanto a produção não for vendida para fora de Minas Gerais, os produtos serão enquadrados como artesanais, sendo regulamentados apenas pelo Estado e pelo município.

"Vamos fazer o teste em nível regional, com uma pequena indústria de insetos temperados, preparados em forma de doces e petiscos", diz Gilberto Schickler.

Consultada pela reportagem, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) informou que alimentos novos, como os insetos, que no geral não fazem parte da cultura de consumo brasileira, precisam passar por avaliação antes de serem liberados para venda, mesmo em pequena escala.

Alérgicos a crustáceos devem tomar cuidado com os insetos

Paola Lupinhaes Dall'Occo, doutora em zoologia e professora do curso de Ciências Biológicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie, defende os insetos como nova fonte de proteína na alimentação humana, como é recomendado pela ONU.

"Não acredito que vamos chegar a comer bolo com uma barata em cima no Brasil, mas acredito que seria viável comê-las em forma de farinha", diz.

Ela alerta, no entanto, que os insetos para consumo humano devem vir de cativeiros sem nenhuma contaminação. "Não se pode simplesmente pegar uma barata ou um grilo qualquer", diz.

Ela destaca também que os insetos fazem parte do mesmo grupo -os artrópodes- que os crustáceos, como camarões ou siris, aos quais muitas pessoas têm fortes alergias. "Pode ser que quem é alérgico a camarões ou siris tenha sintomas parecidos ao comer insetos", afirma.

Alimentação de insetos inclui cana, soro de leite e fermento de cerveja

A Nutrinsecta foi fundada em 2008. Com formação em zootecnia, Schickler trouxe para o projeto sua experiência em criação de insetos para a alimentação de pássaros.

Pôssas veio com o investimento inicial de R$ 2 milhões e prática de administração -ele já trabalhou com as marcas Kaiser e Kero Coco e hoje é presidente do Grupo Vale Verde, que atua em ramos que vão de bebidas a produção de coco e construção de condomínios.

Grande parte do dinheiro foi usada em testes para desenvolver uma tecnologia própria de criação de insetos. "No começo, usávamos só farelo de trigo como ração. Agora, adicionamos levedura [fungos usados na fermentação] de cerveja, farelo de soja e soro de leite", conta o zootecnista. Para hidratar os insetos, a empresa usa cana-de-açúcar, que serve de alimento e fonte de água ao mesmo tempo.

Os principais produtos da Nutrinsecta são larvas de besouro dos tipos tenébrio comum e tenébrio gigante; uma espécie de barata chamada cinérea; grilos pretos; e moscas domésticas.

Setenta por cento das duas toneladas de insetos produzidas por mês são desidratadas e vão para empresas de ração. Os outros 30% são vendidos vivos.

Uma dessas empresas é a Raposo Nutrição Animal, sediada na capital paulista. Mensalmente, ela utiliza 200 kg de insetos para produzir uma tonelada de ração especial para pássaros, que custa mais de R$ 130 o kg. "Usamos os insetos para elevar o índice de proteína [de 18%]", conta o gerente comercial Amilton Araújo.

Antes, a empresa usava apenas proteína de soja, que, segundo Araújo, não é tão benéfica ao organismo das aves quanto os insetos.

A Nutrinsecta também envia insetos desidratados por correio para criadores de pássaros. Semanalmente, a empresa despacha um Fiat Doblò com carregamento de 30 kg de insetos vivos para a cidade de São Paulo. Além de criadores, essa carga viva segue para zoológicos -onde é usada para alimentar macacos- e para o Instituto Butantan, servida às aranhas usadas em pesquisas.

Insetos da Nutrinsecta participam de programas de TV

De tempos em tempos, os insetos também fazem "participações especiais" em programas de TV. Eles já participaram de programas como o Pânico, na Band, e foram  matéria-prima do suco de barata usado em prova do reality show Hipertensão, da Rede Globo. "Para um episódio do Fear Factor [da rede americana NBC] no Rio de Janeiro, mandamos um caminhão de insetos", lembra Schickler.

Os insetos são criados em 2.500 caixas mantidas em dez estufas em forma de túnel. Canos de PVC em arco formam as estruturas de 18 metros de comprimento, 6 metros de largura e 3,5 metros de altura, cobertas por lona, que ajudam a regular a luminosidade dos criadouros.

A empresa mantém sete tratadores (seis são mulheres) na criação, e outros três funcionários no escritório. Agora, o desafio é avançar em técnicas como controle de temperatura, luminosidade e umidade, para passar a produzir em escala industrial.

O tempo de desenvolvimento varia com a espécie; a mosca doméstica precisa de uma semana, enquanto besouros, grilos e baratas precisam de 2 a 3 meses até o abate. Mesmo assim, Schickler afirma que tem dificuldade em fornecer para todos os compradores.

"Tem gente esperando três meses por insetos desidratados", afirma Schickler.

Consumo de insetos é comum em algumas partes do Brasil

A ideia de trazer insetos para a alimentação humana pode chocar a princípio, mas, no mundo todo, 2 bilhões de pessoas consomem insetos. A entomofagia, nome científico para o consumo de insetos, é tradicional em países asiáticos e mesmo em algumas partes do Brasil.

No interior de São Paulo, o abdome da formiga saúva é comido frito, num prato conhecido como bunda de içá. No Maranhão, larvas de besouro, chamadas de boró ou gongo, são um prato tradicional de origem indígena.

Em maio de 2013, a ONU lançou um programa para incentivar a criação de insetos em larga escala como forma de aumentar a produção de proteínas e alimentar população mundial em crescimento. Enquanto um boi precisa de 8 kg de alimento para produzir 1 kg de carne, os insetos precisam de apenas 2 kg para produzir a mesma quantidade.

"Temos que superar nosso asco e nosso preconceito. Vamos ter que encontrar novas fontes de proteína e os insetos se desenvolvem mais rápido e precisam de menos recursos que fontes tradicionais", afirma Paola Dall'Occo, do Mackenzie.