Com mofo azul e carvão, ex-professora faz queijos finos com leite de cabra
Com mofo azul e carvão vegetal, uma ex-professora universitária faz queijos exclusivos no Brasil usando leite de cabras. Heloísa Collins, dona do Capril do Bosque, em Joanópolis (a 112 km de São Paulo), começou a atividade como hobby e hoje produz sete tipos de queijos.
Os grandes destaques da produção são as duas receitas que ela própria desenvolveu: o azul do bosque e o pirâmide cendré.
O primeiro é feito com um mofo azul, chamado Penicilium roquefort , usado em todo o mundo na produção de queijos do mesmo tipo, como o famoso roquefort francês.
Já o pirâmide cendré --que ganhou o nome por causa de sua forma e cor ("cendré", em francês, quer dizer cinzento)-- usa no processo de fabricação carvão vegetal importado da França, via Canadá. Esse queijo é envolvido pelo carvão e, sobre ele, desenvolve-se um mofo branco, que confere a cor acinzentada ao produto.
“Os dois produtos são os principais do meu portfólio. O azul é o mais recente”, diz Heloísa.
Todos são preparados na queijaria instalada no sítio de 12 hectares, onde também são criadas as cabras que fornecem o leite para a produção. A propriedade foi comprada há 35 anos pela ex-professora da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).
“Há anos comecei a fazer queijos aqui por hobby mesmo. Sempre dava de presente e convidava amigos para provar. Até que os elogios renderam a ideia de vender os produtos”, afirma.
No começo, a professora fazia apenas queijos frescos, usando leite de vaca e de cabra. Há 20 anos, embarcou no mundo da produção de queijos finos. “Aprendi muito com livros de queijeiros e conhecendo produtores na internet”, diz.
Ela desistiu da criação de vacas e se concentrou nas cabras, contando com um rebanho inicial de cinco animais. “Elas são mais doces, até inclinam a cabeça para ganhar carinho. Além disso, a vaca é um animal que precisa de muito espaço”, afirma.
A produção começou com 30 litros de leite por dia, que rendiam, em média, cinco quilos de queijo diariamente. Hoje são 100 litros de leite por dia, e a produção de queijo beira 300 quilos mensais.
Mesmo com uma produção maior, a queijaria ainda trabalha com um terço da sua capacidade, segundo Heloísa. “Todo aumento deve ocorrer devagar, para não comprometer a qualidade”, diz.
As receitas dos queijos, principalmente a dos dois tipos exclusivos do Capril do Bosque, são mantidas em segredo. “Cada queijeiro tem seus truques, seus toques, e isso a gente não revela”, afirma Heloísa.
O azul do bosque concorre, em novembro, no World Cheese Awards, premiação mundial de queijos realizada na Inglaterra.
Queijaria consegue selo estadual e vende para restaurantes
Depois dos amigos, o primeiro cliente do Capril do Bosque foi a loja A Queijaria, localizada no bairro paulistano de Vila Madalena (zona oeste). Hoje, seus produtos não são mais vendidos ali, mas a experiência mostrou a Heloísa que os seus sete tipos de queijo seriam bem aceitos no mercado.
Hoje, os sete tipos são vendidos para dois restaurantes da capital, Piselli e Attimo. Os produtos também podem ser comprados no próprio sítio. Em breve, segundo Heloísa, poderão ser encontrados ainda em uma banca do Mercado Municipal paulistano.
Recentemente, a queijaria conseguiu o Sisp (Selo de Inspeção do Estado de São Paulo), o que permite a comercialização em todo o Estado. “Os sete produtos já tem esse selo e isso ajuda bastante na expansão das vendas”, diz.
Além do azul e do pirâmide, são produzidos dois tipos de sainte maure (branco ou com carvão vegetal, é um queijo maturado, ligeiramente picante); o camembert (cremoso, de casca macia); o caprino romano (maturado por no mínimo seis meses, tem a casca dura); e o queijo em formato de bolinhas conservado em azeite e ervas (fresco e macio). Este último é o mais comum entre os queijos feitos com leite de cabra.
Cada peça de 200 gramas custa em torno de R$ 25. O azul do bosque é o mais caro, saindo a R$ 135 o quilo.
Quem quiser conhecer receitas feitas com os queijos também pode almoçar nos finais de semana no restaurante do sítio, cujo cardápio é assinado pela filha de Heloísa, Juliana Raposo.
Cabras têm nomes escolhidos pela própria dona
Atualmente, o rebanho do sítio conta com 40 cabras, 15 cabritas (cabras jovens) e quatro bodes, todos com nomes escolhidos pela dona.
“Este ano, a letra escolhida foi a D, por ser o quarto ano em que temos novos lotes de cabritas. Assim, temos a Doralice, a Dulce, a Dindi. As mais velhas não seguem esse padrão e ainda temos duas do primeiro lote profissional que se chamam Chifrudinha e Toguinha.”
As cabras são predominantemente da raça saanen. Em breve, devem ganhar a companhia de cabritas mestiças, provenientes de cruzamentos com um bode toggenburg, raça rústica e também bastante produtiva.
A raça saanen é boa produtora de leite com pouca gordura, de acordo com a Embrapa. O peso dos exemplares fica entre 45 e60 kg nas fêmeas e de 70 a 90 kg nos machos. A altura é de 70 a 83 cm nas cabras e 80 a 95 cm nos bodes. A pelagem é geralmente branca e os animais se adaptam bem em regiões de clima temperado.
Queijos de cabra precisam de inovação, diz mestre-queijeiro
No Brasil, o rebanho de caprinos é pequeno, quando comparado ao de bovinos. De acordo com o último estudo divulgado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), são 9,3 milhões de caprinos contabilizados em 2011, contra 211 milhões de cabeças de gado.
A maioria das criações é conduzida em pequenas propriedades. O Brasil não tem tradição na produção de queijos a partir de leite de cabras, mas, de acordo com Heloísa, tem aumentado o interesse dos produtores na atividade.
“O leite de cabra é sempre associado ao uso medicinal e a produção é ainda bastante doméstica. Mas acho que este produto está sendo redescoberto, está entrando em uma onda gourmet”, afirma.
Para o mestre-queijeiro Bruno Cabral, o interesse em queijos finos tem crescido porque as pessoas têm mais possibilidade de viajar e experimentar os produtos importados. “Com isso, a indústria vem se adaptando e produzindo mais por aqui, o que é fundamental”, diz.
Para melhorar o mercado, na opinião de Cabral, os produtores precisam inovar na fabricação dos queijos. “Chega de queijos frescos de bolinhas de leite de cabra. É preciso receitas exclusivas para atrair os clientes”, afirma.
Capril do Bosque:
Estrada dos Limas/Terra Preta, km 3, Joanópolis (SP); sábados, domingos e feriados, a partir das 12h
http://caprildobosque.blogspot.com.br/
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