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A América Latina já tem o acordo comercial de que precisa

Mac Margolis

02/06/2015 16h46

(Bloomberg View) - A presidente brasileira Dilma Rousseff está tendo um ano terrível. Como se a recessão econômica, os protestos nas ruas e a insurgência do Congresso não fossem dor de cabeça suficiente, ela também precisa carregar o fardo do bloco comercial sul-americano.

Depois de um começo brilhante, quando o comércio entre os membros fundadores Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai se quintuplicou durante a década de 1990, o Mercosul ficou para trás.

Nem mesmo a Venezuela, que é rica em petróleo e foi introduzida com pompas em 2012, conseguiu ajudar. O comércio como um todo no bloco de cinco membros estagnou: o total de exportações dentro do Mercosul atingiu US$ 52 bilhões em 2014, aproximadamente o mesmo que em 2010.

O comércio bilateral entre a Argentina e o Brasil, que equivale a mais de 80 por cento dos negócios internos do bloco, caiu 21 por cento no ano passado.

Desaceleração econômica, ascensão da China e uma nova onda de protecionismo - muitos fatores contribuem para a crise do Mercosul, mas essa também é a história de um fracasso anunciado.

Quando começou, em 1991, parecia que o Mercosul, nome abreviado de Mercado Comum do Sul, tinha tudo para dar certo. A América Latina tinha destituído seus ditadores e começado a abrir as fronteiras. Sopravam os ventos do livre comércio e as democracias emergentes da região queriam unir forças para aproveitar a bonança internacional.

As expectativas para o Brasil eram particularmente altas. "Um dia, o Brasil iria entrar no clube dos países de Primeiro Mundo e o Mercosul era considerado um meio para integrar seus mercados mundialmente", disse-me Luiz Augusto Castro Neves, ex-diplomata brasileiro.

Na década seguinte, o vento tinha mudado. A onda das commodities estava circulando e a América Latina surfava, absorvendo as receitas obtidas com a exportação sem ter que engolir as reformas radicais de mercado que os "neoliberais" estavam exigindo dos países em desenvolvimento.

Abaixo o Consenso de Washington e seu projeto para uma Área de Livre Comércio das Américas, que um grupo de países latinos, liderados pelo Brasil, enterraram em uma cúpula histórica em 2005. Viva a bandeira da solidariedade latino-americana e sua sopa de letras - Celac, Unasul, Alba - de grupos regionais.

Um Mercosul renovado iria abrir o caminho. No papel, o bloco comercial é uma força tremenda. Se fosse um país, teria a quinta maior economia do mundo e uma população de 295 milhões de habitantes.

A solidariedade é um lindo emblema, mas não se traduziu facilmente em uma boa política comercial. Como o boom das matérias-primas se desvaneceu, os mercados se contraíram e o protecionismo voltou. Os governos ergueram barreiras não tarifárias e impuseram quotas de importação aos vizinhos.

A união aduaneira anunciada em 1994 deveria ter saído do papel até 2006. Com sorte, disse Lia Valls, especialista em comércio da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, "o acordo entrará em vigor por volta de 2018 ou 2019".

Enquanto isso, praticamente qualquer coisa acontece. Alguns analistas comerciais estimam que até metade dos bens comercializados entre os parceiros do Mercosul não se beneficia da tarifa comum reduzida. "O Uruguai faz o que quer. A Argentina não quer o livre comércio e o Brasil não lidera", disse-me Mauro LaViola, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil.

Enquanto os parceiros do Mercosul discutem, a Aliança do Pacífico, um novo pacto comercial entre Peru, Colômbia, Chile e México, prospera. No ano passado, os países da Aliança do Pacífico cresceram 2,8 por cento, enquanto o bloco do Mercosul se contraiu 0,5 por cento.

Alguns críticos têm dado a entender que o tempo do bloco já passou. "O Uruguai precisa se abrir. O Mercosul fracassou", disse o ex-ministro das Relações Exteriores uruguaio, Ignacio de Posadas, em uma entrevista recente a uma estação de rádio em Montevidéu.

Os uruguaios estão especialmente descontes com a regra que impede que qualquer país-membro negocie fora dos acordos comerciais sem a aprovação de todo o bloco.

Mas nem todos desistiram. Encurralada em casa, Dilma está falando em comércio regional com o México e o Uruguai. Ela tem uma visita de Estado aos EUA agendada para setembro. Recentemente, Dilma falou em reativar um acordo que está definhando entre o Mercosul e a União Europeia, que poderia render a ambos os blocos 9 bilhões de euros em comércio anual - e relembrar aos países-membros que o Mercosul é importante.

Para isso, Dilma vai precisar contar com o apoio da isolada Argentina. Mas, para a assediada líder brasileira, que está enfrentando uma insurreição em casa, essa talvez seja a parte mais fácil.