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Crise brasileira faz o que três golpes e um calote soberano não conseguiram

Denyse Godoy

01/09/2015 09h56

(Bloomberg) -- A Corretora Souza Barros Câmbio e Títulos SA sobreviveu a três golpes de Estado, a um calote da dívida soberana e a uma hiperinflação que dobrava os preços a cada dois meses. Mas a corretora, a segunda mais antiga do Brasil, não conseguiu suportar a crise atual.

Após quase nove décadas, apenas alguns dos 150 funcionários dos tempos de ouro continuam trabalhando no escritório da corretora, localizado em um icônico edifício da década de 1950, no centro de São Paulo, acertando os últimos detalhes antes de fechar as portas para sempre. No final, a gota d'água para a Souza Barros e outras corretoras semelhantes não foi tão drástica quanto um golpe militar. A concorrência e um mercado que nunca cresceu de acordo com o seu potencial foram suficientes para fazer o trabalho.

Um comunicado a clientes e funcionários publicado em seu site diz: "A Souza Barros agradece a todos que participaram destes 87 anos de mercado financeiro, de capitais e câmbio. E, em especial, aos nossos clientes e colaboradores, sem o apoio dos quais não teríamos chegado aqui".

Metade das 10 maiores corretoras do Brasil registraram prejuízos todos os anos desde 2012, mesmo que o presidente da BM&FBovespa SA tenha dito que a maior bolsa da América Latina estava caminhando para atrair 4,5 milhões de novos investidores pessoa física por volta de 2015. Em vez disso, a bolsa conquistou menos de 6.000.

"A Bolsa está desconectada da sociedade", disse Raymundo Magliano Filho, diretor da Magliano Corretora e ex-presidente da BM&FBovespa. "Em vez de evoluirmos, involuímos".

A assessoria de imprensa da BM&FBovespa disse, em comunicado por e-mail respondendo a perguntas, que a estimativa de atrair mais 4,5 milhões de investidores pessoa física foi feita em um momento em que o "contexto da economia era extraordinário" e que a piora das condições macroeconômicas desde então levou a uma "frustração das expectativas".

Excessivamente otimista

Quando o presidente da BM&FBovespa, Edemir Pinto, reiterou a meta de 5 milhões em setembro de 2014, estava ficando cada vez mais óbvio que esse objetivo seria inatingível. Um estudo da BM&FBovespa, conduzido pela Fundação Getúlio Vargas em 2010, projetou o número mais perto de 1,19 milhão até dezembro de 2020, o que representaria o dobro dos 558.000 investidores pessoa física atuais do mercado. Até mesmo essa projeção está se mostrando excessivamente otimista: a estimativa foi baseada em um crescimento econômico médio do Brasil de 4,1 por cento por ano entre 2010 e 2020.

Em vez disso, o crescimento do país despencou. A maior economia da América Latina entrou em recessão no segundo trimestre, encolhendo 2,6 por cento, e, segundo as estimativas da pesquisa Focus do Banco Central com 100 economistas, o Brasil está rumando para sua recessão mais longa desde os anos 1930. A queda nos preços das commodities e a corrida para venda nos mercados emergentes coincidiu com um escândalo de corrupção que paralisou as construtoras brasileiras e tem feito a presidente Dilma Rousseff lutar por sua sobrevivência política.

A Magliano Corretora também demitiu dois terços de seus 105 funcionários de corretagem nos últimos anos, disse o diretor da empresa. A SLW Corretora vendeu seu portfólio à Guide Investimentos em março, unindo-se a mais de 30 outras empresas que deixaram o negócio desde 2011, segundo o BC. Outras estão se combinando para suportar a crise. A Rico, com sede em São Paulo, e a unidade brasileira da Caixa Geral de Depósitos se fundiram em julho de 2014, mesmo mês em que a XP Investimentos adquiriu a Clear Corretora.

Medo do fim

Durante meses os traders da Souza Barros ouviram boatos de que o fim estava próximo, mas o pior só se confirmou quando a empresa começou a vender seus móveis, carros e outros ativos, disse um ex-funcionário, que pediu anonimato. O presidente da empresa, Carlos Alberto de Souza Barros, neto do fundador, não respondeu a e-mails nem telefonemas para comentar.

"Vemos um cenário ruim, de casos de produtos massificados e guerra de preços", disse ele ao jornal Valor Econômico, em maio, ao anunciar a decisão de fechar as portas. "Essa não é a vocação da Souza Barros".

Atualmente, os investidores estão mais propensos a deixar o mercado brasileiro do que a entrar nele. O índice acionário Ibovespa caiu 20 por cento em relação a seu pico, registrado em maio. O fluxo de saída de US$ 888 milhões do iShares MSCI Brazil Capped ETF neste ano é o maior registrado por qualquer fundo negociado em bolsa em Nova York.

"O setor está enfrentando um enorme desafio", disse Carlos Villares, diretor da Concórdia Corretora e presidente da Ancord, a associação do setor, em entrevista de São Paulo. "A Bolsa precisa trabalhar junto com as corretoras em educação financeira para popularizar o mercado".