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Jovens e encurralados: espanhóis bem qualificados voltam para a casa dos pais

27.dez.2012 - Trabalhadores de saúde protestam contra cortes do governo, em Madrid (Espanha)  - Paul White/AP
27.dez.2012 - Trabalhadores de saúde protestam contra cortes do governo, em Madrid (Espanha) Imagem: Paul White/AP

Helene Zuber, em Sevilha, Espanha

Do Der Spiegel

13/02/2013 06h00

O aprofundamento da crise do euro na Espanha está afetando um grupo demográfico que parecia relativamente protegido: os jovens que estudaram e têm uma boa qualificação. Trabalhando como autônomos e sem renda suficiente, muitos são obrigados a voltar a morar com os pais.

Jaime García, um arquiteto de 36 anos, vive no centro histórico de Sevilha. Para chegar a seu escritório, ele passa por laranjeiras e caminha por ruas estreitas ladeadas por igrejas e pelos palácios da nobreza.

Especializado na restauração de edifícios históricos e de bairros decadentes, García parece ter escolhido a profissão certa para viver nesta cidade, que ficou rica 500 anos atrás com o ouro obtido nas colônias espanholas da América do Sul.

Mas as aparências enganam. Quase nada do que reluzia durante a era colonial na capital da comunidade autônoma da Andaluzia é folheado a ouro hoje em dia.

A taxa de desemprego da região, em quase 36%, é a maior da Península Ibérica, de acordo com números do último trimestre de 2012, que são ainda mais sombrios do que o esperado.

A economia espanhola está atolada em uma recessão profunda, e vai demorar muito tempo antes que o governo e as empresas comecem a contratar novamente. Cerca de 302,5 mil pessoas estão em busca de trabalho apenas na província de Sevilha.

Tempos de “incerteza total”

"Este ano vai moldar o meu futuro", diz García. No momento em que a bolha imobiliária estava estourando, ele e um ex-colega de faculdade, Manuel Vivar, de 35 anos, decidiram iniciar um negócio sob o promissor nome de Dinamo.

Agora, diz García, eles terão que ganhar bastante dinheiro com as reformas. "Ou terei que desistir e tentar algo completamente diferente, como design ou fotografia."

Estes são tempos de "incerteza total" na Espanha, diz García. Centenas de milhares de jovens espanhóis estão na mesma posição que ele.

Em todo o país, mais da metade das pessoas com menos de 25 anos não conseguem encontrar um emprego, enquanto na Andaluzia esse total é superior a 62%.

Aqueles que são um pouco mais velhos –que têm cerca de 30 anos e são bem qualificados– estão vendo os sonhos de toda uma vida se transformarem em fracasso.

Muitos são obrigados a fazer o que García e Vivar fizeram. Esses dois homens adultos desistiram de seus apartamentos e se mudaram de volta para casa dos pais, pois não estavam mais ganhando dinheiro suficiente para se sustentar.


De acordo com dados do Eurostat, departamento de estatísticas da União Europeia, 37,8% dos espanhóis com menos de 35 anos moram atualmente com os pais.

Até mesmo a chanceler alemã, Angela Merkel, condenada na Espanha como a capataz da Europa, sugeriu a adoção de medidas imediatas. Na semana passada, a oposição socialista ao governo conservador da Espanha propôs um pacto contra o desemprego.

O primeiro-ministro Mariano Rajoy agora quer dar uma mão aos jovens autônomos e àqueles que abriram empresas e têm menos de 30 anos –ajuda vinculada especialmente à redução de suas obrigações fiscais e das contribuições para a previdência social.

Só em 2012, 150 mil pessoas entre 25 e 29 anos que estavam procurando emprego decidiram deixar a Espanha. Um dos ex-sócios de García se mudou para o México. O quarto arquiteto do escritório Dinamo abandonou completamente a área de arquitetura e restauração.

Um novo tipo de solidariedade

Mas García, sentado em seu escritório sem aquecimento, está determinado a perseverar. Apesar de tudo, ele prefere ficar no país. "Tanta coisa está acontecendo aqui agora. As pessoas acordaram, e um novo tipo de solidariedade está surgindo. Eu quero fazer parte da solução dos problemas de nossa sociedade."

Ele até chegou a viajar ao Marrocos para verificar a possibilidade de fechar contratos por lá. Muitas das grandes construtoras espanholas tentaram entrar no mercado marroquino, mas atualmente os guindastes dos canteiros de obras do país africano também estão ociosos. García voltou para casa decepcionado.

García e Vivar desembolsam individualmente 500 euros (US$ 675) por mês com o aluguel do escritório e as contribuições para a previdência social.

Eles participam de concursos de arquitetura com projetos de edifícios públicos na Espanha e também entram em licitações em toda a Europa. Mas o dinheiro raramente é suficiente para cobrir os custos dos desenhos e maquetes. Eles não conseguiriam sobreviver sem o apoio de seus pais.

O fato de hoje García estar dormindo em seu antigo quarto novamente já lhe custou o relacionamento com sua namorada. Ele morou com ela durante quatro anos. "Ela queria se casar e ter filhos", diz ele.

Mas o jovem arquiteto, que estava se saindo bem durante os anos do boom imobiliário, não é mais capaz de fazer planos. Embora García ainda não tenha desistido de seus sonhos, ele diz que ele não pode ser um fardo para sua família por muito mais tempo.

Diplomas e bichos de pelúcia

"Ninguém quer ser sustentado", diz Begoña Fariñas com um sorriso, mas com um toque de amargura em sua voz. Ela completou 30 anos domingo passado, mas ainda não conseguiu sair do apartamento de três quartos de sua mãe, localizado na periferia de Sevilha.

Fariñas, uma mulher pequena com cabelos longos e bem femininos, completou o ensino superior em 2006 e, em seguida, ganhou créditos adicionais para poder fazer cursos de extensão. Ela também tem dois mestrados.

Ainda assim, ela não conseguiu deixar o quarto cor de maçã-verde de sua infância –que também tem bichos de pelúcia sobre o sofá-cama.

No início, ela ganhava quase nada trabalhando como estagiária no departamento de Recursos Humanos de uma empresa de telecomunicações da Andaluzia.

Em seguida, ela passou quatro anos e meio administrando um programa de reciclagem para desempregados em uma fundação apoiada por um sindicato. Periodicamente, ela também conseguia fechar contratos de trabalho de curto prazo que pagavam cerca de 1.000 euros por mês.

Nessa época, ela se viu frequentemente obrigada a solicitar o seguro-desemprego durante os períodos em que ficava sem ocupação. Mas, quando o governo da Andaluzia reduziu drasticamente o financiamento para a reciclagem de desempregados, cerca de um ano atrás, a fundação deixou de ter trabalho para ela.

E Fariñas já usou todo o dinheiro do seguro-desemprego e de outros benefícios a que tinha direito.

"Eu sou uma formiga", diz Fariñas –pequena, mas trabalhadora. Hoje, durante quase três horas por dia, ela senta-se à sua mesa de pequena colegial, sob o móbile de lua e estrelas que costumava pender sobre seu berço, e procura vagas de emprego na internet.

Ela envia formulários de inscrição e faz ligações para diretores de RH de grandes empresas de toda a Espanha.

Agora Fariñas está pensando em trabalhar no exterior como babá. Sua mãe é divorciada e trabalha em uma agência de viagens –mas suas horas foram reduzidas.

Fariñas faz o almoço para as duas, como nos velhos tempos. "Eu estou voltando à vida que eu levava quando tinha 18 anos", diz Fariñas. Com seu jeans apertado e suéter folgado, ela quase parece uma adolescente.

A crise alcançou Fariñas quando ela e seu namorado estavam procurando um apartamento, pois queriam começar uma família. "Nós costumávamos viajar, sair nos finais de semana e comer em restaurantes", diz Fariñas. "Agora eu estou presa." Ela se refere tanto à sua vida pessoal quanto à profissional. "É irritante."

O noivo dela, Ricardo, de 35 anos, perdeu o emprego como vendedor de motocicletas. Com algum dinheiro dado por seus pais, ele abriu uma loja de bicicletas.

A prática de mountain bike nas montanhas situadas nos arredores de Sevilha é a última tendência, diz ele. Mas a loja, que consumiu todas as suas economias, ainda não está gerando lucro. Então, ele também voltou para a casa de seus pais.

Uma batalha difícil

Alberto Barrios tem uma história semelhante. Pouco antes de seu aniversário de 30 anos, ele voltou para a casa de seus pais –ambos funcionários do governo em Jerez de la Frontera. A cidade, que dá nome ao vinho xerez, é o município mais endividado da Espanha.

Mas isso não impediu que Barrios abrisse seu próprio negócio lá. Ele é formado em administração de empresas e tem diploma em publicidade e relações públicas, além de ter estudado ciência da computação durante dois anos.

Barrios desenvolveu um aplicativo para iPhone e para smartphones equipados com Android: um guia digital de Jerez que é constantemente atualizado.

Antes disso Barrios, um homem corpulento e barbudo, fez todo o possível para encontrar trabalho. Ele trabalhava meio período no departamento de marketing do jornal local e atuava como zelador de colégio e na linha de montagem de uma fábrica de Jerez. Ele nunca solicitou seguro-desemprego nem nenhum outro benefício para desempregados.

Cansado de esperar, Barrios pegou o carro e foi até Madrid para contatar as empresas diretamente. Mas foi tudo em vão. Agora, ele confia em seu "dom da palavra" para convencer empresários, donos de baladas e gerentes de bares de Jerez a fazerem propaganda de suas empresas em seu aplicativo.

Barrios se considera um otimista. Ele já contabilizou até 8.000 usuários em seu aplicativo em horários de pico. Mas, depois de pagar todas as despesas, sobram apenas 300 euros de renda mensal para ele.

A mensalidade de 50 euros para o plano de saúde com desconto que o governo está estudando implementar iria ajudá-lo, mas ele acabou de ultrapassar a idade limite para poder solicitar o benefício.

Barrios elogia com entusiasmo os dotes culinários de sua mãe. E, no entanto, ele diz que seu sonho é se tornar "independente de mamãe e papai".
 
(Traduzido do alemão por Christopher Sultan)